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Professor ameaça prender aluna na Universidade Mackenzie

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Pitigrilli, sabem os mais velhos, teve duas fases. Na segunda, provavelmente com medo da morte, convertera-se. Ficou chato. Deixou obras muito importantes à literatura mundial. Os moços, regra geral, nem sabem disso. Uma das mais curiosas obras do genial escritor se chama “O Experimento de Pott”. O enredo é outro, mas em fabulação vale tudo. Quem discordar precisa ler o livro, auferindo então significativa vantagem cultural. Um intelectual respeitado na medicina se cansou da arte, escondeu seus títulos num baú e se fantasiou de curandeiro no Congo. Curava mais gente que os concorrentes, porque era versado na ciência médica. Levaram-no à desgraça, não os curandeiros, mas os poucos médicos da região. Ante a expectativa de condenação, o doutor Pott retirou seus títulos e comendas da arca e os exibiu aos juízes, comprovando sapiência e autorização ao exercício da medicina. A imagem deixada pelo “O experimento de Pott” (corrompido por mim, mas e daí?) é muito esclarecedora como metáfora. Lembra filme de mocinho e bandido em que o primeiro, cansado de matar inimigos (tinha pontaria infalível), guardara a pistola num móvel encostado à parede do vestíbulo da moradia situada numa rua poeirenta de vilarejo no faroeste norte-americano. Aconteceu que toda semana aparecia um pistoleiro a desafiá-lo. O antigo caubói, enfastiado, ia ao baú, pegava o revólver e matava o antagonista na praça principal, sempre ao meio-dia.

Os exemplos, mesmo díspares, significam a mesma coisa. O cronista foi professor titular de processo penal durante vinte anos em universidade respeitada. Vez por outra precisa fazer como o doutor Pott: pegar os papéis já amarelecidos e mostrar que entende do riscado. Vale a introdução para pequenos comentários sobre incidente desagradável acontecido na Universidade Mackenzie, em São Paulo, num dos últimos dias de agosto de 2011. Aluna de direito penal desafiou um professor. Houve disputa acirradíssima entre os dois. O docente, além de mestre, é Procurador de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo, ameaçando prender a jovem por desacato.

Os dois, agora, querem provar que têm razão. Numa das manhãs recentes, à saída para o trabalho, o cronista dividiu o elevador com um moço vestindo bermudas. O rapaz estava de tênis e trazia uma mochila às costas. Ia à aula na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. O velho criminalista, olhando o companheiro, surpreendeu-se, pois no seu tempo de estudante, e mesmo enquanto fazia as vezes do doutor Pott, ninguém entrava em sala de aula sem paletó e gravata. Além disso, o respeito entre o aluno e o mestre era alguma coisa sagrada. Havia, é claro, uma ou outra exceção dramática, bastando lembrar que em certa oportunidade, na vetusta Universidade de São Paulo, durante ou após um concurso à cátedra, alunos atiraram latas de marmelada pela sala, sofisticando repúdio ao vencedor. Dizem que isso ainda acontece, em sentido figurativo, é claro. Há acidentes de percurso na relação professor-aluno. O cronista se recorda de oportunidade em que, no fim de um ano letivo, deu três aulas seguidas ao 5° ano de direito. Havia necessidade de cumprir a carga horária. O corpo discente não acreditou cuidar-se de coisa séria. Quarenta ou mais formandos se embebedaram, comparecendo babando à aula tripla. Foram prevenidos de que ao menor sinal de desrespeito, dormência ou fastígio, não se formariam no ano a se findar. Conduziram-se impecavelmente. Embebedaram-se mais, depois, no bar da esquina, com a companhia do professor, segundo se diz por aí. Mas obedeceram.

O cronista não sabe se o docente ofendido na Universidade Mackenzie tinha ou não razão. É prova a ser aferida no procedimento fatalmente instaurado. Entretanto, se ameaçou prender a moça por ofensa a seu cargo de Procurador de Justiça, confundiu alhos e bugalhos. A César o que é de César, ao professor o que é do professor. Aqui, ou aguentava a mão sozinho ou não havia toga ou cargo a lhe proteger a honorabilidade. É assim que funciona. Fica a tatuagem para o resto da vida.

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