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Quando o crime auxilia a justiça (ou “A criação do lost”)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Quando o crime auxilia a justiça
(Ou “A criação de Lost”)***

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O Estado de São Paulo tem represados, seguramente, duzentos mil mandados de prisão sem cumprimento. Já se disse que a procura objetiva dos delinquentes mencionados em tais ordens de captura levaria a justiça criminal paulista à falência. De outra parte, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, depois de incorporar o Tribunal de Alçada Criminal, que funcionava muito bem aliás, não tem mais onde guardar os processos ficticiamente distribuídos, constando que, embora haja uma distribuição formal, ela não representa a realidade, porque as ações penais em grau de recurso ficam numa espécie de geladeira, esperando vez. A situação não é melhor no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Em síntese, a situação é, verdadeiramente, calamitosa. Já foi cunhada uma expressão referente às ações cíveis e criminais que estancam os momentos iniciais destinados a julgamento no 2° grau. Costuma-se dizer que os procedimentos se encontram no “Lost”.

Existe, à margem, outro fenômeno que seria muito curioso se dramático não fosse: exceção feita aos chamados crimes de impacto, nestes entendidos aqueles contra a vida e contra a integridade física dos cidadãos, a criminalidade é uma constante, dando-se-lhe a conotação de habitualidade. Em outros termos, a conduta infracional viceja soturnamente na sociedade, despontando quando a polícia e o Ministério Público vão buscá-la. Quando isso acontece, há uma espécie de pandemia aparente, não em razão de aumento da delinquência, mas porque houve, na perseguição maior, um destampamento dos túneis por onde a conduta criminosa habitual costuma transitar.

Premidos por tais circunstâncias, os diversos setores do Poder Judiciário estão a aparelhar-se com implantação dos sistemas introduzidos pela tecnologia digital. Procura-se reduzir o uso da documentação clássica, substituindo-a pelos complicados elementos gerados pelos computadores, com realce na internet. Passa-se, assim, aos chamados processos fictícios, exigindo-se dos aplicadores uma especial reeducação no exame dos conjuntos probatórios. Dentro de tal contexto, a justiça, não só a paulista mas a brasileira em geral, parte para a modernização. Não mais papéis, mas a utilização do USB; não mais a caneta, mas a digitalização posta nas entranhas da eletrônica judicial.

Já se vê, então, alguma sorte de positividade no aumento da perseguição: num determinado sentido, os tribunais se livram da documentação excrescente e, aproveitando-se a experiência, a justiça penal se transforma numa boa trituradora de ações penais encalhadas. No meio disso tudo, uma ou outra injustiça praticada com a perda da aferição real da atividade probatória sai nas águas. E Ponto Final.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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