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Decisões políticas e controle jurisdicional de constitucionalidade: os atos políticos no direito comparado

Geórgia Bajer Fernandes de Freitas Porfirio

1. Introdução

Ao longo do tempo, os atos políticos, frutos de decisões políticas, sempre foram considerados atípicos, ou seja, não identificáveis por uma característica peculiar, seja quanto à forma, seja quanto ao conteúdo. Foram estudados de forma casuística, contingente, sem atenção a estruturas típicas que os poderiam caracterizar[1].

Considerou-se difícil, ou mesmo impossível, a formulação do ato político segundo critérios orgânico, formal e material[2].

Além de tudo, a nebulosa   fronteira que separa os atos políticos da ação administrativa dificulta visualizá-los em concreto[3].

Algumas diferenças, entre ação política e atividade administrativa, podem, contudo, ser constatadas.

Assenta Vergottini que na esfera política há mais liberdade, enquanto a órbita administrativa gira em torno do conceito de discricionariedade, concebido a partir da legalidade. Outra característica diz com a forma de controle. Enquanto os atos políticos são censuráveis em sede de responsabilidade política, os atos administrativos são impugnáveis perante a jurisdição administrativa. A subtração da jurisdição do controle dos atos políticos serve, na realidade, a resguardar o ato administrativo com tonalidade política. A denominação “atos políticos” serve, muitas vezes, como subterfúgio ao controle mais acirrado. Os atos políticos devem, então, ser constatados, determinados e compreendidos por um critério restritivo[4].

Embora a doutrina estrangeira não atribua ao ato político dimensão palpável, não existe relutância de o enquadrar como quarta categoria, diferenciada, entre os atos emanados dos órgãos de soberania. Assim, até para discernimento quanto ao objeto de estudo, o ato político é posto ao lado do ato administrativo, do ato legislativo e do ato jurisdicional.

Tal enquadramento, que parece tranqüilo na doutrina européia, habituada a enxergar o controle de atos de poder em compartimentos distintos, separados em órgãos, com funções não comunicantes, – diferenciadas para o controle de constitucionalidade, de legalidade e para a solução de conflitos (Tribunal Constitucional, Jurisdição Administrativa e Jurisdição ordinária)[5] -, causa desconforto e inquietude nos países em que se reconhece a unidade da jurisdição e a acumulação de referidas funções nos diferentes órgãos jurisdicionais .

Lúcia Valle Figueiredo entende que os atos políticos não se diferenciam dos atos administrativos. Trata-se de normas individuais, concretas, que seguem o padrão de legalidade, compreendida em amplo sentido. Assim, atos diretamente subsumidos à Constituição não escapam ao controle jurisdicional, como, por exemplo, a decretação do estado de sítio, a declaração de estado de defesa e opções quanto à política econômica[6].

Odette Medauar assinala, de seu lado, que a atividade política é normalmente diferenciada da atividade administrativa. A primeira é caracterizada por concentrar tomada de decisões fundamentais à coletividade. A segunda tem como referência a realização de tarefas cotidianas na execução das diretrizes fundamentais. No entanto, esta distinção não é criteriosa, já que é cada vez maior a participação de servidores nas atividades típicas de governo, tais como fixação do conteúdo de projetos de leis, teor de regulamentos e decretos, apresentação de propostas que mesmo não sendo imediatamente executadas aparecem conformando atos normativos. Em suma, são entremeadas, no vértice do Poder Executivo, funções governamentais e administrativas, o que impede que se diferencie a atividade política da meramente burocrática. Melhor seria, então, conceber o ato político ou ato de governo entre os atos administrativos[7].

Atos de direção suprema do Estado inserem-se no conceito. Funções relativas à segurança do Estado nas relações internacionais (política militar, luta contra a criminalidade e o terrorismo) e à política internacional perante órgãos internacionais são consideradas exemplo de ato político. Neste particular, existe consenso na doutrina.

Existe convergência de idéias no sentido de que o ato político pode ser identificado como função sintetizada na Constituição[8]. Releva-se, a partir desta concepção, a importância do controle jurisdicional de constitucionalidade do ato político. Há posicionamento diverso, no entanto, no sentido de que função pressupõe atividade teleologicamente determinada e que o ato político é atividade imediatamente concretizada[9]. Há aqueles, ainda, que ao enfatizar o vínculo com a Constituição pretendem a identificação do ato político com o ato constitucional[10].

É suficiente dizer, no momento, que os atos políticos são atos que expressam a função política concretizada, mais especificamente a função governativa (política stricto sensu), conformando-se sem conteúdo normativo, em regras ou decisões. Manifestam-se por intermédio de órgãos governativos ou por participação política das pessoas (eleição, referendo), com expressão no direito interno ou internacional[11].

Fixe-se que nos diversos países a teoria dos atos políticos se desenvolveu de forma peculiar, razão pela qual é angustiosa a análise comparada do instituto. Fixe-se, outrossim, que a idéia de isenção judicial de uma categoria genérica de atos políticos ou com direcionamento político, bem como a proibição de interferência do Judiciário em matérias reservadas ao Executivo não aparecem como tendência nos sistemas constitucionais contemporâneos[12].

Em determinadas ordens jurídicas, o controle de constitucionalidade dos atos políticos se desenvolve via politização do judiciário. Em outros casos, optou-se por caminho inverso, pela constitucionalização da política[13].

Há quem defenda que toda decisão jurisdicional é exercício de função política e quem sustente ser a jurisdição constitucional fonte de desequilíbrio entre os poderes estatais[14].

Interfere no estudo comparado do instituto, ainda, o sistema de controle de constitucionalidade adotado em cada país, ora seguindo a fórmula do controle político de tradição francesa, ora o controle jurisdicional de constitucionalidade norte-americano, voltado à solução de casos concretos, com marcada influência política[15].

Outra dificuldade enfrentada diz com a variação de instrumentos processuais encontrados nas diversas ordens jurídicas que servem à jurisdição constitucional (tal como o recurso de amparo mexicano, a Verfassungsbeschwerde alemã, o mandado de segurança brasileiro, a ação popular, o habeas corpus, o habeas data e instrumentos processuais de tutela coletiva em geral). Também a existência de fórmulas e procedimentos de controle de constitucionalidade dos atos políticos, não jurisdicionais, foi um fator que tornou complexa a abordagem.

Resta, ainda, enfatizar que sob a denominação “jurisdição constitucional” a doutrina pretende um tratamento unitário das diversas atividades empreendidas pelos órgãos jurisdicionais no sentido de fazer atuar a norma constitucional. Tal posicionamento, no entanto, desconsidera os diferentes problemas trazidos pela especificidade da tutela: exame de constitucionalidade sobre um ato de império danoso à liberdade de alguém; solução de conflitos entre órgãos superiores do Estado e decisão sobre ilícitos constitucionais cometidos por titulares de cargos políticos. As soluções serão diversas – e mesmo opostas -, dependendo da natureza do processo constitucional visado[16].

Intuiu-se que o conceito norte-americano de political questions é comparável ao de actes de gouvernement francês, ao de acts of state inglês, ao atto politico italiano, ao justizfreien Hoheitsakte alemão[17].

O estudo será direcionado à confrontação crítica do instituto nas diversas ordens jurídicas, a partir de semelhanças e especificidades e não a caracterizar o ato político no direito estrangeiro. Observar-se-ão a estrutura política dos diversos Estados, o controle entre órgãos da atividade política, a possibilidade de controle jurisdicional, concentrado, difuso, por jurisdição administrativa ou ordinária, mediante aplicação do direito interno, ou externo. Também a hierarquização do judiciário, bem como a competência para julgar atos de autoridades políticas, seja em razão da matéria, seja em razão da função desempenhada. Também questões sobre as imunidades contribuirão para a compreensão do grau de vinculação dos atos políticos com a ordem jurídica.

2. Dimensão do ato político

O estudo dos atos políticos tem ocorrido sem norteamentos seguros. Dada a atipicidade, procura-se-os caracterizar individualmente, à medida que aparecem e se concretizam na casualidade. Tendo-se em vista a estrutura atípica, a conformidade com a Constituição é garantida por meio da análise de pressupostos, elementos e requisitos no ato concretizado ou a concretizar[18].

Os atos políticos, conforme Blanco de Morais, são percebidos nas relações institucionais entre os órgãos de poder político. Não interferem diretamente na esfera jurídica dos cidadãos[19]. Esta última razão é freqüentemente invocada para justificar a ausência de controle jurisdicional da constitucionalidade dos atos políticos.

A ausência de controle é a característica mais acentuada na doutrina para a individuação do ato político. Leia-se, neste sentido, Rui Barbosa[20]:

“Atos políticos do Congresso, ou do Executivo, na acepção em que esse qualificativo traduz exceção à competência da justiça, consideram-se aqueles, a respeito dos quais a lei confiou a matéria à discrição do poder, e o exercício dela não lesa direitos constitucionais do indivíduo”.

O resultado da falta de instrumentos de controle, políticos ou jurisdicionais, é a sedimentação de imunidades no exercício da função política, seja quanto ao controle de atos, seja quanto à responsabilização pessoal do titular da função política.

É preciso cuidado, pois, na sedimentação da dimensão do ato político. Rui Barbosa já assinalava que o âmbito da ação política abrangeria a esfera inteira da soberania constitucional. Tal amplitude teria como resultado a reivindicação de imunidade para todo e qualquer ato do Estado. Como conseqüência, verificar-se-ia a coibição da competência do Judiciário de tutelar direitos individuais e a consideração de todos os atos do Legislativo e do Executivo como manifestação de funções políticas. Assentou, ainda: “Claro está, pois, que, dentre assuntos políticos, mais ou menos propriamente tais, a restrição há de abranger uma limitada classe de casos, e excluir a mais vasta categoria deles; porque aliás a tutela judicial ficaria sendo a exceção, quando é, pelo contrário, a regra..”[21].

Imunidade tem a ver com desresponsabilização e inviolabilidade pessoal. Responsabilização tem a ver com imposição de sanções em caso de descumprimento de dever compreendido no feixe de funções imputadas (sanções jurídicas: penais, disciplinares e civis; sanções político-jurídicas: censura, destituição, exoneração). É também conexa à noção de controle no Estado de Direito Democrático (subjetivo sobre o titular da função ou objetivo sobre atos dos órgãos) [22].

Pode-se conceber uma ligação direta entre a função política e o dever de assegurar bens ou valores, de suma importância ao desenvolvimento do Estado, traduzidos e fixados na Constituição. É possível identificar algum elemento norteador da função política, via transversa, nos tipos penais construídos para caracterizar os chamados crimes de responsabilidade, a que estão sujeitos os titulares da função política[23]. A tipicidade penal se apresenta como controle preventivo e repressivo dos desvios ou abusos no exercício da função política.

A adoção do estatuto da Corte Penal Internacional, firmado em Roma, pelos diversos países signatários implica, inclusive, em consolidar, na legislação interna de cada país, regras permitindo a responsabilização penal dos titulares de cargos políticos[24] [25].

Essa tendência de reindividualizar a responsabilidade do titular de funções políticas e de identificar a função, antes despersonalizada, com o titular do cargo político segue caminho oposto ao da história da responsabilidade no mundo ocidental, voltada a substituir a responsabilidade penal pela política. Trata-se de mais uma fórmula de controle jurisdicional de atos políticos, não necessariamente vinculados à lesão de direitos subjetivos individuais. Caminha-se no sentido de se conceber a responsabilidade penal vinculada à responsabilidade política[26]. Percebe-se a subjetivação dos atos de poder.

Fora a criminalização de condutas praticadas no desvio ou abuso da função política, meio de controle subjetivo da atuação política, há instrumentos processuais que levam o controle dos atos políticos a Cortes Constitucionais e Tribunais. Existem, ainda, outros instrumentos intermediários de responsabilização governamental, instrumentos políticos, atuantes sem a necessidade de recurso a órgãos imparciais (ex.: demissão do governo, moção de censura, dissolução da Assembléia da República, referenda ministerial)[27].

O teor das decisões ou dos julgamentos de órgãos imparciais, jurisdicionais, aponta para a existência ou inexistência em concreto do ato político. Assim, no direito comparado, o reconhecimento do ato político não se impõe pela doutrina e sequer pela legislação. A atuação jurisdicional é fator delimitador, apesar de estar condicionada à disponibilização de instrumentos processuais que possibilitem verificar enquadramento constitucional do ato praticado ou a praticar. A reação de contrapoderes, no plano político, também mediante decisão política, poderá acontecer como manifestação contra a inconstitucionalidade do ato político.

Mesmo que a doutrina negue a existência de atos políticos, definidos como incontroláveis, existem atos originários, fundacionais da ordem jurídica (Poder Constituinte) e atos supremos de reafirmação e garantia da Constituição (Cortes Constitucionais) que, em posicionamento extremo, ou instauram uma nova ordem jurídica ou permitem a continuidade de determinada ordem jurídica. Nesta visão linear, decisão política e decisão jurídica não se confundem. No entanto, na dinâmica jurídica, sem rompimento, é impossível determinar onde começa o processo político e termina o processo jurídico[28]. Neste eterno retorno aos pontos de partida existem momentos de interação entre o político e o jurídico, ou mútuo controle entre os poderes estatais[29]

Assim, a existência e a delimitação do ato político nos diversos ordenamentos são condicionadas por pressupostos negativos, impedimentos, quais sejam: impossibilidade jurídica de se o atacar jurisdicionalmente (falta de competência ou reserva política); recusa e falta de interesse em se o atacar pelos demais órgãos políticos; mecanismo de autocontenção dos Tribunais, ou seja, não conhecimento de questão considerada política pelos próprios Tribunais[30]. Decorre daí a incontestabilidade.

Por outro lado, questões eminentemente políticas, são atacáveis pelo critério inverso dos pressupostos positivos: possibilidade jurídica de controle de constitucionalidade, interesse, impulso processual, conhecimento da matéria pelos Tribunais[31]. Dá-se, aí, o controle jurisdicional.

A análise comparada dos atos políticos não pode, então, deixar de ser casuística, considerando-se os diversos fatores que atuam no real dimensionamento.

3. O controle de constitucionalidade como pressuposto à análise comparada

Afirma Vergottini que a análise comparada do Direito pressupõe um ponto de partida, parâmetro a partir do qual a comparação será realizada. Quase sempre é o direito nacional do autor da comparação que norteará a análise comparativa. O simples estudo do direito estrangeiro, país por país, não atende à proposta de comparação, pois comparar significa confrontar, ressaltando-se semelhanças e diferenças. No entanto, deve-se conhecer os diversos ordenamentos para que se torne possível a comparação[32].

O constitucionalista ressalta, ainda, que a verificação simples do direito codificado resulta em comparação parcial, ainda mais quando o objeto de estudo é o direito constitucional, disciplina que compreende não só o estudo da organização constitucional e do direito de liberdade, mas também o fato político e o complexo de normas que norteiam a ação política. No âmbito político, muitos comportamentos fogem à formalidade constitucional, apresentando-se, na realidade, como resultado das forças políticas dos órgãos constitucionais, razão pela qual torna-se dificultosa e inoportuna a análise formal dos institutos que lhe dizem respeito nas Constituições[33].

Na medida em que a doutrina discute a própria existência do ato político, atendo-se à possibilidade ou impossibilidade de controle jurisdicional do mesmo como característica que o peculiariza frente aos demais institutos jurídico-constitucionais, é preciso adentrar no esquema de controle de constitucionalidade,  particular de cada ordem jurídica visitada.

Alguns países optam pelo controle eminentemente político. Outros esforçam-se em controlar jurisdicionalmente a atividade política. Outros, ainda, têm conjugado as duas fórmulas, de forma variada e com resultados diferentes.

O principal aspecto a ser ressaltado diz com as fórmulas utilizadas nos diversos países para o enfrentamento do controle constitucional dos atos políticos.

3.1 Modelos típicos de controle de constitucionalidade

O primeiro parâmetro, ponto de apoio encontrado para o estudo é fixado nos modelos típicos de fiscalização da constitucionalidade.

Os grandes modelos típicos, conforme Jorge Miranda, são[34]:

a)- modelo de fiscalização política: do tipo francês, europeu, desenvolvido nos séculos XVIII e XIX, em que a fiscalização é atribuída ao Parlamento, órgão legislativo, ou a órgão especial ligado ao Parlamento (como o Conselho Constitucional francês);

b)- modelo de fiscalização judicial (judicial review) desenvolvido dos Estados Unidos da América, com fiscalização difusa, concreta, incidental e, geralmente, por via de exceção;

c)- modelo de fiscalização jurisdicional concentrada em Tribunal Constitucional, tal como concebido por Kelsen e implantado pela Constituição austríaca de 1920. É caracterizado por mesclar características do modelo judicial com características do modelo político. Neste modelo, o Tribunal Constitucional, não todos os órgãos jurisdicionais, atua como órgão jurisdicional com competência especializada para tratar de matéria constitucional, exercendo fiscalização abstrata e concreta, mediante incidentes constitucionais provenientes de outros tribunais.

Tal classificação contribui para uma visão analítica do controle de constitucionalidade no estudo comparado. Contudo, é insuficiente para a análise dos mecanismos e procedimentos de controle de constitucionalidade empregados para a fiscalização jurisdicional do ato político.

É imprescindível, para o estudo presente, o acréscimo de um outro modelo típico, encontrado na maior parte dos países latino-americanos. Trata-se do modelo misto, sugerido mas não desenvolvido por Mauro Cappelletti[35], concebido a partir da conjugação dos modelos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade[36].

Nesse quarto modelo, todos os juízes e tribunais têm competência para o conhecimento e o julgamento de questão constitucional, sendo que ao Tribunal Constitucional compete originariamente o controle abstrato de constitucionalidade das leis. A delimitação é importante, pois relativiza a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos jurídico-constitucionais em todos os níveis da Jurisdição, o que torna esse modelo de fiscalização peculiar.

Note-se que a adoção de um sistema de controle político de constitucionalidade, puro, implica impor ao Judiciário, em todos os seus níveis, a presunção jure et jure de constitucionalidade das leis e atos de poder[37].

O controle jurisdicional difuso, não centralizado em Tribunal Constitucional, tem como diferencial a ausência de presunções constitucionais em favor da lei, de atos de autoridade ou de atos privados. Prevalece relação de igualdade, ao menos teórica, entre órgãos públicos e particulares[38]. O controle jurisdicional dos atos políticos é pleno.

No controle de constitucionalidade concentrado em Tribunal Constitucional, de seu lado, adotado nos sistemas da civil law, juízes comuns, civis, penais e administrativos são incompetentes para decidir sobre questão de inconstitucionalidade, mesmo no caso concreto. A presunção de constitucionalidade das leis vale a todos os juízes e tribunais, com exceção da Corte Constitucional. Mesmo em países que admitem a suspensão do processo para a argüição de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional[39].

Pode-se argumentar no sentido de que o acréscimo de um tipo misto é despiciendo, pois a realidade, por si, mostra a mistura de características de um tipo de modelo de controle de constitucionalidade ou de outro. Acontece que a combinação de tipos de controle de constitucionalidade nos países latino-americanos assume peculiaridade, regulação coerente e com sentido próprio, razão pela qual entende-se a formulação de um tipo misto, contudo com características jurídico-estruturais próprias, fixadas e não transitórias, que se traduzem em composição unívoca[40].

A compreensão desse modelo típico é importante porque a presunção de constitucionalidade das leis e de atos praticados por agentes públicos se impõe juris tantum, podendo ser questionada perante todos os órgãos jurisdicionais[41].

O quarto modelo típico é relevante também para que se entendam dois movimentos em sentido contrário no controle de constitucionalidade atual: nos países com estrutura jurídica fundada no sistema romano-germânico, com controle de constitucionalidade concentrado, caminha-se ao controle difuso; os sistemas jurídicos fundados a partir do judicial review, de outro lado, apresentam traços do controle concentrado.

Os modelos de controle de constitucionalidade permitem avaliar admissibilidade, intensidade e freqüência do controle de constitucionalidade dos atos políticos nos diversos ordenamentos jurídicos.

4. Estudo dos atos políticos no direito estrangeiro

4.1. Estados Unidos da América

Enquanto nos países da Europa a noção de ato político é conexa à temática das imunidades dos atos de poder e à inviolabilidade pessoal do titular da função política (seja como privilégio, seja como garantia de autonomia funcional), nos E.U.A., os atos políticos são tratados a partir da doutrina da political question.

Isso significa que a negativa de controle de constitucionalidade dos atos políticos nos tribunais americanos é de natureza material, mas se traduz em impedimento processual quando declarada pelo juiz no caso concreto. Não se trata, pois, em óbice preestabelecido à provocação dos tribunais. Muito pelo contrário, existe o entendimento de que as ações de qualquer autoridade do Executivo podem ser submetidas ao crivo do Judiciário, inclusive atos do Presidente. Nem mesmo atos de emergência escapam a priori do judicial review[42] .

O controle de constitucionalidade adotado no direito norte-americano tem como pressuposto a existência de “ação” ou “litígio” real em que a apreciação sobre a constitucionalidade surge como causa remota do pedido de manifestação jurisdicional, não como causa principal. Nesta sistemática, não existe apreciação consultiva ou a priori de constitucionalidade, exige-se prejuízo ou perigo imediato a interesse pessoal, ainda que correspondente ao interesse da comunidade imediatamente conexo. Daí a exigência de legitimidade para a postulação jurisdicional[43].

Assim é que a Suprema Corte desenvolveu novas modalidades de controle de atos administrativos pelo judiciário, como a public law litigation. Lide de natureza pública analisada sob a perspectiva dos civil rights, visando a proteção da liberdade e da igualdade (equal protection of the law). Como não existe separação entre jurisdição civil e administrativa, as ações (class action) seguem o modelo do processo civil. Assim o judiciário foi provocado a se manifestar sobre política educacional, penitenciária, hospitalar ambiental e outras mais e a inventar fórmulas para resolver problemas sociais, impostas por decisões mandamentais[44].

Fora a exigência de ação, litígio e legitimidade, existe outra limitação de ordem material, desenvolvida pela doutrina da political question, originária da Suprema Corte americana. No julgamento Marbury v. Madison (1803), decidiu-se que o Judiciário dos E.U.A. podia julgar todos os casos que se apresentassem com fundamento na Constituição, mas, por outro lado, que a competência do Tribunal se restringia a decisões sobre os direitos individuais e não se estendia a criticar a forma com que o Executivo e seus agentes desempenhavam suas funções[45].

A doutrina clássica da political question evoluiu com a utilização da prudência como fator delimitador na análise das questões políticas[46], tornando-se uma verdadeira ferramenta nas mãos da Suprema Corte para evitar a apreciação de casos muito complicados ou muito carregados de conteúdo político.

Com o caso Baker v. Carr, julgado em 1962, em que se discutia a repartição do território americano para eleições, começou a atenuação da doutrina da political question. A Suprema Corte fixou que as cortes federais eram supremas na interpretação do direito constitucional e indicou seis fatores que, analisados caso a caso, poderiam justificar a utilização da doutrina da political question. Na prática, a Corte acabou entendendo que o controle jurisdicional cabia em quase todas as questões, mesmo naquelas com forte conteúdo político. Apenas procedimentos e treinamentos de natureza militar, mais a hipótese de impeachment, foram enquadrados como questões políticas[47], não sujeitas a controle jurisdicional.

É importante decisão de junho de 1971 em que a Suprema Corte foi provocada pelo governo para proibir a veiculação, no New York Times e no Waschington Post, de artigos baseados em documentos secretos do Pentágono sobre a guerra do Vietnam. A Corte decidiu que cabia ao governo o ônus de informar sobre os motivos que tornariam as publicações danosas à segurança nacional, o que não foi suficientemente provado[48].

Em 1973, no caso Gilligan versus Morgan, a Suprema Corte, declarou a impossibilidade de julgar a causa sobre composição, equipagem, preparação e controle de uma força militar, pois a questão só poderia ser percebida sob o ponto de vista militar, daqueles poderes encarregados do controle militar: Executivo e Legislativo[49].

A doutrina da political question perdura e pode ser invocada pelos juízes americanos porque não lhes assiste o dever de julgar, apenas faculdade e oportunidade para apreciar e ponderar a relevância das questões que lhes são submetidas a julgamento.

O sentido da decisão Marbury versus Madison pode ser considerado claro e simples. Declarou-se, ali, a supremacia da Constituição sobre as leis ordinárias. Contudo, tal perspectiva, sem delimitação material ao que se pode entender como integrante do conteúdo constitucional assusta, principalmente em relação aos direitos, liberdades e garantias[50].

Se de um lado não existe no pensamento americano a noção de inviolabilidade pessoal do Presidente, dos demais agentes políticos, quanto à responsabilização criminal ou política[51], existe um princípio de oportunidade na apreciação dos atos políticos, suportado pela doutrina da political question que dá contorno a um quid de inviolabilidade das questões políticas perante o Judiciário.

A doutrina da political question foi utilizada pela Suprema Corte americana, por exemplo, para rejeitar writ impetrado por George W. Bush, quando concorria à eleição presidencial de 2000. Em razão de divergência na contagem de votos, realizada de forma manual, conforme ordenado pela Suprema Corte da Flórida, a Suprema Corte americana decidiu que a questão deveria ser submetida às leis do Estado da Flórida[52].

Outro exemplo típico do non liquet fundado na doutrina da political question foi a decisão da Corte de Massachusetts na Civil Action n.03-10284-JLT, impulsionada por John Doe I e outros contra o Presidente George W. Bush e o Secretário da Defesa Donald H. Rumsfeld, em 24 de fevereiro de 2002. Na ação, os imputados eram acusados de empreender invasão militar no Iraque sem Declaração de Guerra pelo Congresso ou autorização do mesmo para tanto. Ter-se-ia violado o artigo I, Section 8 da Declare War Clause. A defesa alegou que não havia jurisdição, pois se tratava de uma questão política não sujeita ao controle por parte do Judiciário.

Decidiu-se pela political question, ou seja, fixou-se que decisões sobre a conduta externa do país são de ordem política, pois envolvem questões cujas resoluções são atribuídas pela Constituição aos poderes políticos, Executivo e Legislativo. Se houvesse divergência clara entre os poderes políticos em relação à condução da política militar, não se trataria de mera questão política, mas de séria questão constitucional a ser resolvida pelo judiciário. Assim, o Judiciário só poderia julgar as políticas de guerra na hipótese de conflito aberto entre o Congresso e o Executivo. Na medida em a Constituição estatui que o Presidente é o comandante e o chefe das Forças Armadas e o Congresso, de seu lado, tem poderes para declarar guerra e para criar e manter exército e marinha, os dois poderes políticos têm responsabilidades e prerrogativas em relação à política de guerra. O Congresso, pela case law, não tem poder exclusivo para decidir se os Estados Unidos devem ou não entrar em guerra. Portanto, a ratificação pelo Congresso de atividades de guerra, ou de continuação de guerra não declarada, pode se realizar mesmo sem declaração de guerra formal. A forma a ser adotada e o conteúdo necessário para a ratificação cabem exclusivamente ao Congresso apreciar, não ao Judiciário. Discordâncias, debates e meras divergências são características do relacionamento entre os poderes políticos e não significam conflito intransponível a ser dirimido pelo Judiciário[53].

Embora o sistema de controle de constitucionalidade norte-americano seja difuso, realizado por qualquer juiz, a sistemática do case law, sistema de precedentes, é utilizada em matéria constitucional e statutory law[54]. Em relação às decisões tomadas contra o Legislativo, a lei cuja inconstitucionalidade é assentada perde eficácia[55]. Tal mecanismo acaba por vincular as decisões dos tribunais às cortes federais e às decisões da Suprema Corte, o que implica em reconhecer uma centralização do controle de constitucionalidade, fundado em regras que funcionam não apenas como normas de direito positivo, mas também como regras político-jurídicas (rule of law)[56] [57]. Na prática, garante-se certa inviolabilidade da atividade política, por critérios também políticos. Tal inviolabilidade é instrumentalizada não só pela doutrina da political question, mas também por certa centralização do controle de constitucionalidade materializada na sistemática do stare decisis[58].

Tem-se aplicado a doutrina em termos abrangentes, não só no campo reservado às relações exteriores, mas, também, em assuntos relacionados à política interna de governo. Assuntos que envolvem, inclusive, efeitos imediatos sobre a pessoa e a propriedade dos cidadãos, direitos civis, portanto[59].

O comportamento da Suprema Corte em relação à political question oscilou entre extremos, ora a Corte foi extremamente ativa ao tratar questões políticas, ora se absteve de as tratar. Tal como posta, nos casos mais recentes, a polical question serve mais a opor limites de competência jurisdicional à Suprema Corte do que a fixar mecanismos de interpretação do texto constitucional[60] [61].

4.2. Inglaterra
Afirma Giovanni Bognetti[62] que o direito constitucional britânico, apesar de não apresentar uma estrutura de Constituição formal, não difere substancialmente daquele reconhecido na Europa continental e nos Estados Unidos. Recebem tratamento constitucional as normas provenientes da common law, das leis e das convenções que disciplinam composição e competência dos órgãos com poder de império (Coroa, Ministros, Parlamento e as Cortes, de certa forma). Também integram a matéria constitucional o princípio da divisão de poderes, o compromisso com o Estado de Direito (rule of law), a liberdade e os direitos da pessoa considerados fundamentais em certo momento histórico. Embora a estrutura do sistema constitucional britânico sirva à supremacia do Parlamento, consolidado com plenos poderes para fazer ou desfazer qualquer instituto ou norma do sistema, a jurisprudência e a doutrina não o reduziram a isto. Para a opinião pública passa a idéia de que o poder político é limitado e vinculado à tutela de valores individuais essenciais e de justiça. Existe, pois, uma Constituição material, vivente, uma fórmula política[63], extremamente rígida, fixada pelo sistema de precedentes[64].

Nesse sistema o ato político é conceituado a partir do ato de poder. Os atos políticos são os atos de império que se manifestam como exercício do poder soberano. São os denominados act of State.

Tais atos não podem ser discutidos, fiscalizados ou sofrer interferência do Judiciário. A decisão do juiz que não conhece de tais atos se traduz como questão de incompetência, não sendo justificadas perante o direito material.

Assim, quando a lide extravasa o âmbito de competência das cortes inglesas, seja invocando a aplicação de normas que não integram a common law, seja apresentando como causa de pedir a ilegitimidade de um “ato do soberano”, sequer existirá possibilidade de apreciação jurisdicional do pedido[65].

O impedimento é processual. Nem mesmo se admitiam em relação à Coroa (Soberano, Ministros, Departamentos de Governo) a utilização de instrumentos processuais assegurados no direito privado e válidos contra autoridades públicas. A Coroa tinha imunidades, não podia sofrer demandas civis ou criminais perante seus próprios tribunais.

Após o Crown Proceeding Act, de 1947, ações civis e criminais passaram a ser admitidas contra a Coroa, com o impedimento de decisões impositivas diretas do Judiciário ou remedies contra a mesma. Medidas de suspensão ou de execução forçada foram evitadas mesmo que tivessem como fundamento a garantia de direitos das partes[66].

Esse posicionamento tem sido relativizado frente às relações internacionais, em processos da judicial review, de forma a suportar o reconhecimento de direitos no plano individual.

Em fevereiro de 1968, a Câmara dos Lordes afirmou que todos os órgãos jurisdicionais ingleses têm poderes contra privilégios da Coroa, privilégios estes de proibir por razões de interesse público ou segredo de Estado a produção e utilização, em juízo, de certos documentos considerados secretos.

A decisão reformou precedente de 1942, seguido pelo governo e por tribunais, originado de caso referente ao desastre do submarino Thesis. Firmou-se, na revisão do precedente, que uma decisão incontrolável do governo não pode impedir que juízes utilizem documentos relevantes a decisões sobre a liberdade, a honra e sobre o patrimônio do indivíduo. Estava em questão a utilização de documentos oficiais referentes a investigações criminais, inacessíveis por decisão do então ministro do interior. A partir daí coube aos juízes e não ao governo a decisão final sobre a utilização em juízo de documentos do Estado. Assegurou-se ao magistrado, também, o poder de examinar de forma reservada documentos secretos antes de os publicizar no processo. Só ao juiz imparcial competia avaliar os interesses em conflito, individual e do Estado. Também a impugnação por parte do governo foi assegurada[67].

O caso Factortame é exemplo dessa relativização no plano da política econômica. Neste conflito, a Câmara dos Lordes enfrentou em sua decisão duas posições estranhas ao direito inglês. Em primeiro lugar, não se poderia adotar qualquer providência cautelar contra a Coroa, conforme antiga regra da common law[68]. Em segundo lugar, a proteção pedida implicaria em aplicar o direito comunitário (aferido da Comunidade Européia) em detrimento do direito interno[69].

Mesmo assim, em decisão pioneira, o Comitê Jurídico da Câmara dos Lordes foi impulsionado pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Européia a resolver um conflito direto entre uma lei britânica e o Tratado de Roma. Em julho de 1990, o Tribunal de Justiça, em questão prejudicial, decidiu pela aplicação do direito comunitário em proteção de um direito individual[70].

A posição da Câmara dos Lordes, já expressa em outro caso, de março de 1989, no âmbito da judicial review, era no sentido de ser inadmissível no direito inglês uma ordem cautelar contra uma lei. A presunção de validade da lei fazia com que não se pudesse reconhecer temporariamente direitos contrários à vontade soberana do Parlamento[71].

Em 2 de outubro de 2000, o sistema jurídico inglês incorporou outro posicionamento. Corte Administrativa (the administrative court) foi instituída de forma a dar efetividade à Convenção Européia na ordem jurídica interna e a aplicar o novo Human Rights Act (1998), que dispõe ser ilícito o exercício de funções públicas com desrespeito aos direitos consagrados na Convenção Européia[72]. Já existem juízes ingleses com competência exclusiva para controlar atos de direito público, ou seja, para a judicial review, mediante um recurso chamado the claim for judicial review[73].

Os recursos na Inglaterra, no entanto, e sobretudo os recursos de anulação, são admissíveis a critério da Corte, que os poderá recusar por serem contrários ao interesse geral. A possibilidade da recusa de recursos consolida, na verdade, imunidades e protege de forma especial agentes públicos ou pessoas que exercem atividade pública, o que parece contrariar o artigo 6º da Convenção Européia[74]. Está, aqui, embutida, dizem alguns, sob a cláusula da “contrariedade ao interesse geral”, a critério do juiz, uma cláusula de negativa de controle jurisdicional de atos públicos.

Deve-se mencionar, ainda, a existência de legislação que assegura a defesa e segurança do Estado e que configura o serviço de inteligência britânico, sob a direção e responsabilidade política do Executivo. Integram-na o Security Service Act, de 1989, e o Intelligence Services Act, de 1994. Prevê-se, ainda, a existência de um tribunal com competência exclusiva, ex post facto, com atuação subordinada a provocação de interessado prejudicado, para determinar se existia, ao tempo da lesão de seus direitos, fundamento razoável para a medida restritiva consumada, imediatamente aplicada com a finalidade de assegurar a defesa do Estado[75].

4.3. França

Conforme Cappelletti, o controle de constitucionalidade francês é sobretudo político. O Conseil Constitutionnel tem mais natureza política do que propriamente jurisdicional. O controle preventivo de constitucionalidade das leis e tratados, ainda não promulgados, por iniciativa do Presidente da República, do Primeiro Ministro, do Presidente da Assembléia e do Senado ou de 60 deputados e senadores cabe, exclusivamente, a este Tribunal. A lei considerada inconstitucional não será promulgada[76]. Após promulgação cessa a competência do Conseil Constitutionnel[77]. Controla-se, assim, de forma preventiva e concentrada a constitucionalidade das leis.

A constitucionalidade, a partir do controle prévio, é sempre presumida jure et jure. Cabe, ainda, ao Conseil Constitutionnel regrar a repartição de competências entre o Executivo e o Legislativo e solucionar conflito de competências[78]. Sustenta-se, contudo, entendimento de que o Conseil Constitutionnel é órgão jurisdicional, a mais alta instância jurisdicional do país[79].

Assinala Giuseppe di Gaspare, em estudo destinado ao ato político italiano e ao ato de governo francês, que a sistematização da teoria francesa dos actes de gouvernemment recebeu formulação “garantista”. Isto porque a jurisprudência do Conseil d’Etat desenvolveu a teoria do ato de governo como teoria do ato de execução direta da Constituição- teoria do ato constitucional. Assim, a fonte de direito dos atos de governo é a Constituição, por atribuição imediata de função ao órgão estatal, especialmente ao Presidente da República[80].

A vontade e o agir do Estado não se apresentam como expressão da vontade e do agir das pessoas físicas que o compõe, mas do “feixe de funções” ou complexo de funções abstratas, predefinido na lei ou na Constituição. A vinculação (à lei ou à Constituição) é intrínseca à função administrativa ou política em exercício.

A doutrina francesa entende que são insuscetíveis de controle os atos que dizem respeito ao relacionamento entre órgãos estatais, como o Governo e o Parlamento, e os atos referentes às relações de direito internacional, como os ligados aos tratados internacionais e à declaração de guerra. Mas o entendimento não é absoluto. As relações entre o Presidente e o Governo, as do Executivo com o eleitorado e a nomeação dos membros do Conseil Constitutionnel também seriam qualificadas como atos políticos.

Com fundamento na teoria do ato de governo, o Conseil d’Etat se recusou, até 1990, a conhecer atos que traziam questionamento sobre as relações do Governo com um Estado estrangeiro ou outro organismo internacional[81].

O cidadão ou a pessoa singular não tem legitimidade para suscitar o controle de constitucionalidade. A única solução contra atos que aplicam a lei ou a Constituição de forma a causar danos a direitos fundamentais é invocar perante os tribunais, ordinários ou administrativos, tratados e convenções ou desconsiderar a autoria direta, por parte de representantes do Estado, de dano ou violação do direito causada. Apesar de guardião da liberdade, o juiz não tem acesso a violações por parte da Administração, nem pode controlar a lei ou atos de governo frente à Constituição.

Por decisão de 9 de abril de 1996, no entanto, o Conseil Constitutionnel consagrou o direito à proteção jurisdicional efetiva, a recurso jurisdicional, deduzindo-o do artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem de 1789: “Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”.

De seu lado, o Conseil d’État, em 29 de julho de 1998, em decisão relativa a regulamento governamental em que se estabeleciam regras processuais perante os tribunais administrativos, invocou o direito à tutela jurisdicional efetiva, desta vez deduzido da Convenção Européia e assegurado como norma de valor constitucional[82].

Os juízes franceses, mesmo os juízes administrativos, pouco a pouco, passaram a invocar princípios de direito internacional como princípios gerais de direito em suas decisões[83].

Em relação aos tratados e convenções, normas escritas, o artigo 55 da Constituição francesa não deixa dúvidas de que o tratado prevalece sobre a lei em caso de conflito. Em relação às normas internacionais não escritas, entretanto, existe lacuna. Alguma jurisprudência do Conseil Constitutionnel caminha no sentido de se inserir no bloco constitucional regras de direito internacional não escrito. Assim, um ato legislativo poderá ser passível de controle de constitucionalidade por violação do direito internacional não escrito. Acontece que o Conseil Constitutionnel se julga incompetente para controlar atos legislativos perante regras não escritas de direito internacional[84].

Mas, em decisão sobre o estatuto da Corte Penal Internacional, o Conseil Constitutionnel reconheceu regras de direito internacional não escrito, ao precisar que durante o exercício de suas funções o Presidente não poderia ser criminalmente perseguido, a não ser por alta traição (decisão 98-408DC, de 22 de janeiro de 1999). Viu-se um conflito entre a regra costumeira de direito internacional segundo a qual um Chefe de Estado, em exercício, não pode ser submetido a persecução penal perante Estado estrangeiro e a regra que reconhece crimes de extrema gravidade, como atos terroristas ou de genocídio, imprescritíveis e sempre sujeitos a persecução[85].

O Conseil d’État, no caso Nachfolguer, de 1987, decidiu, também, pelo reconhecimento de normas internacionais costumeiras. A violação de normas internacionais não escritas, havendo prejuízo, implica em responsabilização da Administração[86].

Em 1999, o Conseil d’État decidiu que a recusa do Primeiro Ministro de submeter a controle constitucional perante o Conseil Constitutionnel uma disposição votada pelo Parlamento não era um ato de governo. Tratava-se de ato administrativo passível de ser controlado pelo Conseil d’État[87].

O declínio da teoria dos atos de governo teve como conseqüência uma investida contra as imunidades dos titulares de funções públicas. Na prática, cinco ministros franceses, pressionados, renunciaram às suas funções quando se encontravam sob averiguação ou na iminência de serem perseguidos por abuso de suas funções no governo[88].

Em junho de 2001, na França, a Assembléia Nacional propôs a reforma do regime jurídico de responsabilidade penal do Chefe de Estado, sustentando a submissão do Presidente à jurisdição ordinária, por atos cometidos antes da investidura da função ou sem ligação com seu mandato[89]. Em outubro de 2001, a Cour de Cassation, impulsionada a decidir causa ambiental com possível envolvimento do Presidente da República, decidiu que as persecuções penais não poderiam ser feitas durante o mandato presidencial e que o Presidente não poderia nem mesmo ser ouvido como testemunha. A competência da alta Corte para processar o Presidente se restringia apenas a casos de alta traição[90].

Em julho de 2000, o Conseil d’État decidiu, no caso Paulin, que nem o artigo 55 da Constituição nem qualquer outra disposição de valor constitucional dispõe que o juiz administrativo deve fazer prevalecer, em caso de conflito, costume internacional ou princípio geral de direito internacional sobre a norma legislativa interna (no caso, norma fiscal francesa). Reconheceram-se válidos, costume e princípio de direito internacional, apenas em caráter supletivo[91]. Vedada estaria a apreciação de constitucionalidade de ato legislativo com fundamento no direito internacional.

Em 30 de junho de 2001, sobreveio lei relativa aos référés perante a jurisdição administrativa, regulamentando poderes de injunção, suspensão e anulação, do juiz administrativo, para a proteção de liberdades fundamentais contra atos de poder.

Assim, já em dezembro de 2001, o Conseil d’Etat suspendeu regulamento do Ministro do Ambiente que fixava dias determinados para a caça, com violação do direito comunitário.

Em 24 do mesmo mês e ano, o Conseil d’État entendeu inadmissível a recusa implícita do Primeiro Ministro de fazer um decreto exigido pelo Código de Saúde Pública e determinou que este o fizesse em três meses, sob pena de multa de 152,45 euros por dia de atraso[92].

No âmbito das relações internacionais, cada vez mais, o juiz administrativo é chamado a solucionar conflitos na perspectiva do direito comunitário[93].

Toda essa casuística é importante para o presente estudo para que se possa visualizar um começo de descentralização e de jurisdicionalização do controle de constitucionalidade no direito francês, inclusive por tribunais administrativos, na prestação jurisdicional concreta.

Em relação à vida política, assiste-se ao início do controle jurisdicional de atos políticos, ato de governo. Tal controle se verifica realizado não pelo Conseil Constitutionnel, mas pelos demais órgãos do Poder Judiciário. Daí compreender-se uma jurisdicionalização orientada em direção ao controle difuso.

A compreensão da Constituição como Constituição material, conformada também por normas de direito costumeiro ou princípios de direito internacional, mais a disposição de instrumentos processuais para o controle de atos de poder, abre exceção à presunção de constitucionalidade das leis e de atos de poder.

4.4. Alemanha

O modelo de controle de constitucionalidade alemão é muitas vezes classificado como próximo ao modelo austríaco intuído por Kelsen (concentrado em Tribunal Constitucional)[94].

Esse enquadramento, no entanto, cabe apenas em termos muito genéricos. Entende-se que a compreensão das atividades do Tribunal Constitucional não pode vir desvinculada de razões históricas e filosóficas. É este o diferencial. Procuram-se evitar desvios, erros e abusos de direito, partindo-se do pressuposto de que existe um direito supralegal e de que a lei posta pode ser injusta e antijurídica[95].

Por meio do controle de constitucionalidade das leis e de atos do poder, buscam-se, ao mesmo tempo, legitimação e limitação das decisões políticas, às vezes considerando-se o aspecto material, outras vezes atendo-se a formalidades, procedimentos e conteúdos implícitos.

Há plena consciência por parte dos juízes constitucionais de que a função que exercem encontra-se demarcada pelo princípio democrático e pela afirmação dos valores constitucionais, em um “equilíbrio delicado”, entre a regra da maioria e as garantias constitucionais[96]. Desta forma, procura-se garantir tanto o pluralismo como a proteção das minorias, consideradas legitimadas para reclamar na jurisdição direitos no âmbito interno dos órgãos constitucionais.

O Tribunal Constitucional funciona como suprema corte, sobretudo quando atua como última instância na função de garantir direitos fundamentais. Atua, no plano subjetivo, após esgotamento de recursos e manifestação dos demais tribunais. Mediante a Verfassunsbeschwerde, recurso posto à disposição tanto de pessoas como de grupos, o tribunal atua no caso concreto com eficácia contra atos do poder público, inclusive decisões políticas (lei, regulamentos, atos administrativos, do executivo e judiciais).

O Tribunal Constitucional atua jurisdicionalmente quando impulsionado pela Verfassunsbeschwerde, com dupla função: subjetiva (proteção de direitos) e objetiva (interpretação e proteção do direito constitucional objetivo).

Contra decisões do Executivo, no entanto, o Tribunal pode se manifestar no caso concreto por via direta[97]. A competência é originária.

A proteção jurisdicional de direitos é plena, não se admitindo formas e atos de autoridades com tratamento diferenciado em razão de natureza ou finalidade política[98].

A Lei Fundamental alemã[99] confere competência ao Tribunal Constitucional Federal para decidir sobre conflitos constitucionais entre órgãos supremos da Federação e outros órgão com poderes próprios. Conflitos estes firmados sobre a extensão de seus direitos e deveres. A competência do Tribunal Constitucional, nesta hipótese, justifica-se no fato de que toda atividade política deve ter como respaldo a norma constitucional e que cabe ao tribunal o direito/dever de interpretar a Constituição[100].

Com fundamento em estudo de Klaus Stern, Fábio Konder Comparato traz a conhecimento que ao se declarar competente para afirmar a própria competência, o Tribunal Constitucional, na década de 70, aplicou um princípio de autocontenção, recusando-se a fazer política, a interferir no campo constitucionalmente estruturado e conformado à livre atuação política. Tal atuação, fez configurar-se uma reserva, um espaço de livre atuação política deixado aos demais órgãos constitucionais[101].

A doutrina, entretanto, rejeita a invocação da political question para explicar o fenômeno da autocontenção. Como se trata de dever e não de faculdade, o Tribunal Constitucional não pode deixar de se manifestar. Não existe possibilidade do non liquet. Sendo assim, não é possível na sistemática alemã aplicar de forma explícita a doutrina da political question[102].

Não significa dizer que a jurisdição intervirá sempre e que todos os atos públicos serão controlados. Há, processualmente, momento reservado à verificação de requisitos de admissibilidade do pedido de apreciação jurisdicional, onde se verificam a existência de lesão efetiva ou iminente de direitos e interesse legítimo da parte reclamante, o que de certa forma funciona como condicionamento do acesso à jurisdição[103].

É exemplo a proibição do Código de Processo Penal alemão de utilização de documentos secretos, assim declarados pelo Executivo, em processos criminais, a título de preservação da segurança do Estado. Contudo, sob a ótica da tutela efetiva, o segredo é recorrível pelas partes do processo criminal perante os Tribunais administrativos, os quais decidem se o funcionário público poderá testemunhar e se os documentos poderão ser utilizados [104].

Podem ser parte no procedimento para a solução de conflitos entre órgãos constitucionais o Bundestag, o Bundesrat, um deputado ou um partido político. Nestes casos, há competência originária e jurisdição imediata em matéria constitucional. A ação só é admitida se o órgão de que faz parte o consultor foi lesado ou esteve sob ameaça de lesão em deveres e direitos próprios, conferidos pela Constituição. Nestes procedimentos, o Tribunal apenas declara se a Constituição foi violada ou não pela medida ou omissão impugnadas. A decisão não é mandamental ou injuncional, é de orientação[105] .

O Tribunal Constitucional da República Alemã se comporta como poder político. Contudo, por mais que suas decisões contemplem aspectos políticos, não é tarefa do Tribunal apreciar razões de oportunidade política. Na verdade, não cabe ao Tribunal intervir no processo político, mas, sobretudo, orientar e condicionar a decisão política, quando provocado, por meio de uma ótica jurídico-constitucional[106]. Neste particular, é interessantíssima a contribuição do Tribunal Constitucional para prevenir conflitos futuros entre órgãos constitucionais.

Embora sua função precípua esteja mais ligada à proteção de direitos fundamentais e à garantia da Constituição, o Tribunal Constitucional é forçado a se manifestar na conformação das decisões políticas justamente porque os políticos o procuram para a solução de seus problemas específicos[107].

Na verdade, a contribuição do Tribunal Constitucional alemão é maior no sentido de constitucionalizar a atividade política e menor no sentido de controlar jurisdicionalmente atos políticos.

Em resumo, compete ao Tribunal Constitucional[108]:

a) conhecer de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde), interposto por qualquer pessoa que tiver direitos violados pelo poder público (lei, regulamentos, atos administrativos, atos do executivo, decisões jurisdicionais, inclusive a negativa de tutela cautelar), sem a necessidade de intervenção de advogado, mas condicionado o recurso ao esgotamento dos recursos ordinários.

b) controle abstrato (por iniciativa do Governo Federal ou de 1/3 dos membros do Bundestag) e concreto de normas (questão prejudicial constitucional apresentada por tribunal com suspensão do processo principal, inclusive o administrativo);

c) conflito entre órgãos (admite-se até a legitimidade postulatória de deputados individualmente considerados ou grupos minoritários);

d) conflitos federais entre a Federação e os Länder ou dos Länder entre si.

e) procedimento de impeachment do Presidente da República e de juízes (nunca ocorrido);

f) procedimento para proibição de partidos políticos (dois procedimentos já foram instaurados contra o partido comunista -Kommunistische Partei Deutschlands, em 1956 e contra o partido socialista do Reich- Sozialistische Reichspartei, em 1952);

g) recursos eleitorais.

Pode-se citar como exemplo da atuação do Tribunal, na orientação da atividade dos órgãos constitucionais, a decisão de 1994, em que o Tribunal decidiu pela constitucionalidade da intervenção das Forças armadas alemãs em missões de paz empreendidas pela ONU, na Somália, desde que ouvido o Parlamento. O Tribunal fixou, nesta decisão, regras de competência entre Governo e Parlamento[109].

Outro exemplo é apresentado pela sentença de dezembro de 1984, em que o Tribunal Constitucional decidiu, provocado pelo Partido Verde, sobre a autorização para a instalação de mísseis americanos no território alemão. A questão era política: defesa das relações exteriores. Mas o Tribunal conheceu do conflito, pois a questão se fundava em desrespeito por parte do Governo de procedimento previsto, no qual se previa como requisito do ato a autorização do Bundesrat. O Tribunal reconheceu que o ato era político, da função do governo, mas não deixou de o apreciar sob o ponto de vista procedimental. O procedimento foi estabelecido como condição de legitimidade do ato político[110].

Em relação aos direitos fundamentais, desde 1945 o direito alemão põe à disposição do particular contracautelas para a proteção de direitos contra a atuação imediata dos agentes estatais. Assim, há possibilidade de proteção imediata mesmo antes da utilização da Verfassungsbeschwerde. De forma a possibilitar o reexame das medidas constritivas, sob o ponto de vista daquele que teve seus direitos violados, introduziram-se mecanismos de proteção de direitos subjetivos contra o poder estatal. Duas conseqüências sobrevieram: a jurisdição administrativa foi incorporada formalmente ao poder judiciário e os procedimentos administrativos perante a jurisdição administrativa foram modificados para permitir a defesa de direitos individuais, direitos subjetivos contra a Administração. Assim, a jurisdição incorporou poderes não só de anulação das medidas administrativas, mas também poderes mandamentais, para conservar e garantir direitos dos particulares contra a Administração. A função jurisdicional, no que diz respeito à atividade administrativa, não fica limitada a constatar a violação do direito objetivo, pois é ampliada para satisfazer direitos do particular que tiver razão, com medidas cautelares direcionadas à Administração, para fazer ou deixar de fazer algo, em defesa dos direitos do particular[111].

Pode-se trazer à colação, para exemplificar a atuação dos tribunais alemães, a sentença de Atlanta, do Tribunal de Justiça, proferida em 1995, sobre a possibilidade de as jurisdições nacionais adotarem medidas cautelares positivas contra regulamentos comunitários. Tal questionamento foi suscitado por questão prejudicial levantada pelo Tribunal administrativo de Frankfurt. Caso o Tribunal nacional não pudesse adotar tais medidas contra o direito comunitário, questionar-se-ia a própria constitucionalidade da ratificação do Tratado de Maastrich, já que o Tribunal Constitucional já fixara que a medida cautelar positiva é direito fundamental compreendido no direito à tutela efetiva.

Note-se que o Tribunal Constitucional alemão, apesar de ser órgão de revisão supremo e detentor último do controle de constitucionalidade do direito objetivo, transformou-se em espaço aberto para discussão de questões políticas, inclusive daquelas trazidas com fundamento em lesão ou ameaça iminente de lesão de direitos causados por decisão política. Apesar do controle de constitucionalidade ser concentrado e difuso, por meio de incidentes de constitucionalidade levados ao Tribunal, está completamente aberta a via para discussões de causas políticas, inclusive ao cidadão comum, por meio da Verfassungsbeschwerde.

4.5. Itália

A teoria italiana dos atos políticos se desenvolveu a partir da noção de ato de império. O Consiglio di Stato italiano construiu a doutrina do ato político como atti extra juris ordinem[112].

Prevaleceu na doutrina italiana o entendimento de que os atos políticos identificavam-se pela finalidade, ligada à consideração do interesse geral do Estado e à preservação da unidade estatal[113].

O ato político foi identificado e localizado pela doutrina, ao longo do tempo, nas relações entre Governo e Parlamento (apresentação de projetos de lei, nomeação e destituição de Ministros, promulgação de leis); nas relações internacionais; nas medidas de ordem interna; no poder de graça do Chefe de Estado; em atos movidos a garantir a ordem pública e, por fim, nos chamados atos de exceção[114].

Nesse terreno, viu-se ampliada a intervenção penal do Judiciário em razão de novas figuras criminais, configuradoras de crimes praticados na administração pública, crimes financeiros e crimes ligados a bens e interesses coletivos e sociais (saúde, ambiente, segurança, terrorismo, máfia e tráfico de drogas). A explosão de maxiprocessos penais e a atuação do judiciário como contrapoder estatal, nessas áreas, configurou o que se pôde chamar de “justiça política”[115]. Este fenômeno esteve ligado à corrupção no exercício da função política e administrativa, à ineficiência dos outros poderes do Estado em lidar com novas formas de criminalidade que se enraizavam na atividade dos próprios poderes e à desconfiança nos controles políticos e administrativos. A responsabilização penal, na Itália, acabou por se firmar como principal forma de controle das atividades públicas[116]. Este fenômeno na Itália foi implantado, segundo Ferrajoli, como um direito penal diferenciado, prolongamento da situação de exceção. E foi entendido, na política e no mundo jurídico, como perfeitamente coerente com a Constituição, o que tornou difícil diferenciar exceção de normalidade[117].

Ao estudar, no direito inglês e no americano, decisões sobre documentos secretos por razões de Estado em conflito com o direito de defesa, proferidas na década de setenta, Cappelletti afirmou que enquanto as cortes americanas e inglesas decidiam pela tutela do direito individual e o acesso a documentos secretos, o Tribunal de Roma sequer levantava a hipótese de ilegitimidade constitucional de decisões do Executivo que faziam omitir direitos de defesa no processo penal, direitos estes fundamentais, previstos na Constituição italiana[118].

Em outra comparação, Cappelletti questionou o segredo político-militar imposto pelo Governo italiano a contas bancárias de um ex-ministro e sua mulher. Segredo este acatado pelo magistrado que absolveu os acusados, o qual teria prevaricado, ao descumprir o dever constitucional de promover a persecução penal[119].

Falar em ato político, contudo, no seu sentido específico, no direito italiano, implica abordar a noção de indirizzo politico. Trata-se de função política relativa ao programa de governo, tais como determinação do programa de governo, segurança do Estado nas relações internacionais, política militar e segurança interna (luta contra a criminalidade e terrorismo), determinação das relações com a União Européia, relações com a Igreja católica e com as confissões religiosas, relações entre regiões autônomas e finanças públicas. Insere-se no contexto a atividade do corpo de ministros. O indirizzo governativo aparece na iniciativa legislativa em vários setores, nos decretos com força de lei, na impugnação de lei regional e na solução de conflitos de atribuição[120].

Com o Estado liberal democrático, a situação de autonomia do Governo perante o Parlamento, reforçada pelo conceito juridicamente indeterminado de ato político, mudou. Passou-se a exigir um conteúdo constitucional para todo ato político[121].

O Tribunal Constitucional italiano, em decisão que apreciava a constitucionalidade dos decreti-leggi, amplamente utilizado pelo Governo como expressão do ato de governar, fixou em 1995 jurisprudência no sentido de que era competente para analisar os pressupostos de urgência e necessidade do decreto legislativo antes do controle exercido pelo Parlamento, quando o decreto-lei já se transformaria em lei propriamente dita. Assim, foi julgado inconstitucional um decreto-lei por falta do pressuposto de “urgência”. Em outra decisão, o mesmo Tribunal decidiu que a reiteração dos decreti-leggi não convertidos em lei era contrária à Constituição[122].

A doutrina de atos políticos desenvolvida na Itália é conexa à função de indirizzo politico e compreendida como aquela que aplica de forma imediata a Constituição. Compreendeu-se que não existia propriamente liberdade quanto à finalidade dos atos políticos, pois esta seria sempre vinculada à materialização da Constituição. Mas haveria, sim, liberdade na escolha de meios para perseguir os objetivos constitucionais[123].

Em avanço, a doutrina passou a compreender o indirizzo politico também pelo seu aspecto procedimental, instrumental para a consecução da finalidade prevista. Assim, entendeu-se o indirizzo politico também como um ato complexo (de fattispecie complexa) realizado por meio de diversos atos ou até com titularidade atribuída a diversos órgãos, atuando simultaneamente ou em momentos separados mas direcionados a única finalidade. Os meios utilizados para o exercício da finalidade constitucional passaram a ser garantia de efetividade do indirizzo politico. Daí a visualização do ato político tanto pelo aspecto formal como pelo aspecto material[124], podendo-se controlá-lo às vezes pela forma em que exercitado, outras vezes pelo conteúdo materializado. Fica evidenciado o direito como meio para a consecução da política. Sentido, orientação e finalidade são-lhe determinados aprioristicamente pela atividade política conformadora do indirizzo politico[125].

Por emenda datada de 23 de novembro de 1999, foi incorporada à Constituição italiana, no artigo 111, a cláusula do giusto proceso. A nova formulação da carta italiana veio reforçar garantias e possibilitar a aplicação, no direito interno, da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Pretendeu-se, assim, delinear o giusto proceso, também substancial, voltado a garantias de direitos[126]. Na Itália, a jurisprudência não considera tratados e convenções como norma constitucional. A Convenção é aplicada diretamente, mas tem status de lei ordinária. É, portanto, modificável por lei nacional posterior e passível de não ser aplicada por juízes e tribunais[127]. O direito à tutela efetiva e o direito ao processo temporalmente delimitado não assumiam características de direitos fundamentais. Tais mecanismos incorporados à Constituição servem a restabelecer uma ordem jurídica garantística, recomposta após longo tempo de prática judiciária excepcional.

O controle de constitucionalidade difuso existe para a apreciação de questões de inconstitucionalidade levantadas pelos magistrados e é centralizado no Tribunal Constitucional. Normalmente, é invocado quando o magistrado entende que a aplicação da lei é rigorosa e pode causar injustiças. O Tribunal não controla a constitucionalidade da lei, mas a adapta ao caso concreto. Pode-se falar que coopera com Parlamento, não o controla[128]. Não existe, assim, a possibilidade de recursos individuais ou de grupos parlamentares ao Tribunal Constitucional para a tutela do direito constitucional, nem mesmo para a tutela da pessoa lesada em seus direitos fundamentais por atos de império (legislativo, administrativo ou jurisdicional)[129].

A tutela de um direito fundamental é da competência de tribunais comuns (civis, penais e administrativos), seguindo um procedimento também utilizado para os interesses comuns, fundados em legislação ordinária[130]. Os direitos garantidos na Constituição, como o direito à saúde, à instrução, à privacidade têm proteção garantida, inclusive nas relações com a administração pública, pelas medidas cautelares atípicas previstas no Código de Processo Civil. O Tribunal Constitucional, em sentença datada de 28 de junho de 1985 estendeu os poderes de concessão da tutela cautelar de urgência aos juízes administrativos, para causas com conteúdo patrimonial e relativas ao emprego público[131]. A lei 173 de 21 de julho de 2000 conferiu poderes ao juiz administrativo para editar medidas cautelares, cumpridas e executadas, inclusive, mediante coerção pecuniária[132].

O Tribunal Constitucional italiano, tal qual o Tribunal Constitucional alemão, interfere nos conflitos de competência entre órgãos constitucionais. Atua, nestes casos, como juiz imparcial e como órgão integrador das lacunas e ambigüidades constitucionais[133]. Não é, contudo, invocado diretamente para a proteção de direitos constitucionais.

4.6. Espanha

A lei da jurisdição contencioso-administrativa, de 1956, excluiu expressamente os atos políticos do controle jurisdicional administrativo e os diferenciou dos atos administrativos discricionários. Dizia a exposição de motivos que os atos políticos não podiam ser considerados espécie de atos administrativos. Também não podiam ser caracterizados pelo maior grau de discricionariedade em relação aos atos discricionários. Os atos políticos deveriam ser compreendidos como incluídos na função política, confiada exclusivamente aos supremos órgãos estatais. Inseriam-se no conceito de ato político os atos ligados à defesa do território nacional, às relações internacionais, à segurança interna do Estado e às questões militares[134].

Pouco a pouco, a jurisprudência passou a considerar como ato político atividades essencialmente administrativas. À sombra dos atos políticos, acobertavam-se, por exemplo, atividades repressivas de condutas contrárias à ordem pública, desdobradas com finalidade política. Isentavam-se, assim, atividades de repressão política do controle jurisdicional [135].

Alguns autores, entre eles García de Enterría, chegaram a afirmar a inexistência ou inutilidade dos atos de governo, num contexto onde Política e Direito não se diferenciam. A partir da lei de 1956 teriam sobrevivido apenas duas hipóteses de atos políticos distintos dos atos administrativos: atos de relações internacionais e atos de relações entre órgãos superiores, fundadas estas na Constituição (relações entre Executivo e Parlamento)[136]. Tais atos, contudo,  embora não sujeitos à jurisdição administrativa, sujeitam-se a órgãos jurisdicionais internacionais e à jurisdição constitucional, razão pela qual não se pode falar em imunidades ou incontrolabilidade[137].

Entre as medidas relacionadas à segurança interna do Estado, compreendidas como função de governo na lei de 1956, encartar-se-iam apenas aquelas de declaração de estado de exceção e de guerra, não as medidas repressivas individuais[138].

A Constituição de 1978 introduziu uma cláusula geral de tutela efetiva frente às atividades dos poderes públicos e deixou claro a sujeição dos cidadãos e dos poderes públicos à Constituição e ao ordenamento jurídico[139]. Ficou afastada qualquer possibilidade de imunidade judicial de titular do poder público, razão pela qual entendeu-se superado o conceito de ato político[140].

O recurso de amparo, à disposição de pessoas de direito público e privado, pessoas físicas, jurídicas, do Defensor del pueblo, do ministério público e de órgãos do Estado, com postulação perante o Tribunal Constitucional, é fórmula subsidiária de proteção de direitos, expressão do direito à tutela efetiva, concreta, de direitos fundamentais[141]. Por meio deste remédio constitucional o Tribunal Constitucional é constantemente provocado a decidir sobre política de governo, atuando sobre atos jurídicos (questões de direito) e sobre comportamentos materiais (questões de fato)[142].

Atos não submetidos à jurisdição administrativa e não passíveis de recurso por violação de direitos fundamentais são controlados pelo Tribunal Constitucional, dando-se enfoque à competência constitucionalmente fixada para a atuação de determinado órgão soberano (ex.: conflito entre órgãos constitucionais, relação entre Estado e Comunidades Autônomas).

Conflitos de competência entre órgãos com funções constitucionais, especialmente entre o Governo e as cortes generales (Congresso), são dirimidos perante o Tribunal Constitucional. O Tribunal, impulsionado pelo órgão usurpado em suas funções pode, no conflito de competências, declarar nulo atos realizados por órgão incompetente. Insere-se na competência do Tribunal Constitucional, da mesma forma, o conflito de competências, negativo ou positivo, entre o Estado e as comunidades autônomas[143].

O Governo se responsabiliza politicamente perante o Congresso dos Deputados, sujeitando-se a moção de censura e a troca de Presidente. Paralelamente, atos sujeitos ao controle político podem ser controlados perante Tribunal administrativo. Mesmo que não qualificados como administrativos, recebem enquadramento no Direito Administrativo.

Em sentença do Tribunal Constitucional (45/90), em amparo, ficou consignada a posição do Tribunal de não admitir que atos administrativos com finalidade política fossem subtraídos ao controle jurisdicional. Tal decisão sobreveio por violação do artigo 24 da Constituição pelo Conselho de Ministros, o qual teria deixado de implementar fórmulas e meios de acesso à tutela efetiva constitucionalmente garantida. Afirmou-se, ali, também, a existência de órgãos com natureza bifronte, ou seja, órgãos ao mesmo tempo constitucionais e administrativos, como o Conselho de Ministros, com função de direção política. Função que não se refere diretamente a situações jurídicas subjetivas, nem mesmo se enquadra na esfera de auto-organização da Administração do Estado. Fogem, portanto, do direito administrativo e da esfera de competência da jurisdição contencioso-administrativa.

Parecia, à primeira vista, revivida a teoria dos atos políticos, mas a sentença foi prolatada em outro contexto. Apesar do entendimento de que a transcendência política da questão submetida ao Tribunal Constitucional não impedia a verificação dos limites e obrigações constitucionalmente impostos, ou seja, vinculação ao programa constitucional, o amparo não foi conhecido por ilegitimidade de parte e por falta de requisito essencial à utilização do remédio constitucional: violação ou ameaça a direito concretizada ou a se concretizar. As corporações de advogados impetrantes foram consideradas sem legitimidade processual para defender em nome próprio direitos de todos os jurisdicionados. Também o requisito da lesão efetiva e concreta de direitos não havia sido observado[144]. Na verdade, a falta de instrumentos processuais para o reclamo da inconstitucionalidade por omissão assemelhou-se, em resultado, à incontrolabilidade dos atos políticos.

Outra decisão que pode ser considerada exemplo de superação da teoria dos atos políticos foi dada pelo Tribunal Supremo em 4 de abril de 1997. Decidiu-se ali que documentos taxados de secretos pelo Governo, porque ligados à luta contra o terrorismo, poderiam ser usados na instrução penal em defesa de direitos fundamentais[145]. Deu-se prevalência à proteção de direitos fundamentais, ao direito à tutela efetiva, em detrimento do interesse de segurança e defesa do Estado[146]. Antes da decisão, o Tribunal de Conflitos, em dezembro de 1995, decidira excluir documentos classificados como secretos de processo contencioso-administrativo. O Tribunal Constitucional decidiu, em recurso de amparo, que não se podia deduzir da decisão do Tribunal de Conflitos a existência de matérias reservadas, imunes ao controle jurisdicional. A classificação dessas matérias pelo Conselho de Ministros podia ser impugnada na via ordinária, perante jurisdição contencioso-administrativa. Não esgotadas as vias jurisdicionais, inadmitia-se o amparo[147].

A supressão dos atos políticos do ordenamento jurídico espanhol veio a ser solidificada com a lei do governo de 1997 e com a lei da jurisdição contencioso-administrativa de 1998. A primeira dispõe que que os atos de governo serão impugnáveis perante a jurisdição contencioso-administrativa. A segunda estabelece que a proteção de direitos fundamentais, os regramentos e as indenizações relativas aos atos de governo, de qualquer natureza, estão submetidos à jurisdição contencioso-administrativa. Estão previstos recursos e medidas assecuratórias contra atos administrativos, contra atos lesivos praticados em via de fato, contra omissão, contra atos preparatórios de contrato, bem como poderes de injunção do juiz administrativo para ordenar que se realize determinada prestação, inclusive com medidas coercivas. Tudo isso para que se realizem os dispositivos constitucionais[148].

O tema dos atos políticos, contudo, tende a reaparecer com a criação do Centro Nacional de Inteligência, viabilizado pela lei 11/2002, ligado ao Governo, instituído com a finalidade de proteger e promover interesses políticos, econômicos, industriais, comerciais e estratégicos da Espanha e prevenir perigo ou ameaça à independência, à soberania e à integridade territorial. Previu-se, ainda, na lei orgânica 2/2002, a criação de nova competência jurisdicional legada a magistrado do Tribunal Supremo para autorizar, também com finalidade preventiva, medidas que afetem direitos individuais, tais como interceptação telefônica e violação de domicílio, bem como a classificação de documentos como secretos[149] .

4.7. América Latina

Jean Rivero, em seu Curso de Direito Administrativo Comparado, questiona a existência de um sistema de direito administrativo peculiar nos países latino-americanos. A influência do sistema norte-americano de controle de constitucionalidade e o controle de legalidade da Administração, orientado pelo sistema europeu-continental, de origem francesa, seriam fatores diferenciadores, conformadores de um sistema específico. Acontece que, na opinião do autor, apesar da influência norte-americana, os métodos de raciocínio e a técnica jurídica utilizados nestes países seguem o direito europeu-continental. Daí, salvo pequenas exceções, entende não haver, na prática, diferenças realçadas. Outro fator que, ainda segundo o autor mencionado, aconselha não identificar um sistema latino-americano peculiar, diz com a instabilidade política que, apesar da profusão de regramentos constitucionais relativos ao regime administrativo, interfere no regime administrativo destes países. Em regra, as instituições não tiveram tempo de incorporar regramentos constitucionais, o que faz evidenciar uma prática jurídica que comporta grande diversidade de soluções, substancialmente diferente daquela idealizada em teoria[150].

Esse pensamento tão explicitamente traduzido por Jean Rivero permeia, na verdade, a maior parte das obras daqueles que se preocupam com o direito comparado. É assim que Giuseppe Vergottini oferece a América Latina como exemplo de sistema globale de controle da constitucionalidade, próximo àquele concebido ao tempo de Weimar, no qual o Estado se ocupava do controle da constitucionalidade. Tal qual o chefe de governo tinha o poder de decidir sobre o estado de exceção, na América Latina, era o poder militar quem garantia a Constituição, seja por meio da concentração do indirizzo politico (governo direto) seja mediante supervisão e possibilidade de intervenção (governo indireto). Assim foi definido, assegura o autor, na Constituição do Peru de 1933, na do Paraguai, de 1940, na do Equador de 1945, na do Brasil, de 1946 e assim por diante[151].

Note-se que a assertiva de que cumpria aos militares a garantia da Constituição, nos Estados totalitários da América Latina, é questionável. Transparece, na situação, o significado ambíguo da palavra Constituição, principalmente quando considerada a Constituição material, na maior parte das vezes subvertida na ordem jurídica destes países[152]. Vem a advertência de que tudo depende da compreensão que se tenha de Constituição. É necessário, portanto, situar devidamente o contexto em que sustentada a inexistência de um modelo tipológico de controle de constitucionalidade na América Latina.

Mauro Cappelletti, apesar de reconhecer, com fundamento na obra de James A.C. Grant[153], a contribuição das Américas para um sistema de controle de constitucionalidade das leis com caráter jurisdicional[154], e de fixar a originalidade do mandado de segurança brasileiro e do juicio de amparo mexicano, omite de seu “panorama tipológico” o tipo de controle judiciário de constitucionalidade próprio aos países da América Latina. Mesmo advertindo que não entende de todo correta a afirmação de Dieter Engelhardt no sentido de que a justiça constitucional nos países latino-americanos funciona simplesmente como substituta da justiça administrativa[155] e admitindo que, na verdade, estes sistemas mistos ou intermediários de controle de constitucionalidade dificilmente se enquadrariam nos dois grandes blocos de controle, o difuso e o concentrado, tendo-se em vista o modo como a questão de legitimidade constitucional é resolvida, por via de ação e de exceção[156], Cappelletti não estabelece novos parâmetros para a conformação de outro modelo tipológico. Contudo, deixa a opinião de que é na América Latina que se encontra mais evidente um fenômeno de confluência entre civil law e common law também no que diz respeito aos princípios de direito público, em especial do direito constitucional[157].

Apesar da diversidade cultural, da variação de influências do direito alienígena e de profundas diferenças no direito processual, estudos em torno da planificação de um Código de Processo Civil para a América Latina, a fim de possibilitar cooperação internacional, buscou certa homogeneização[158] [159]. Também o Pacto de São José da Costa Rica[160] serviu como padronização de expectativas em torno da proteção dos direitos humanos e do que se entende como devido processo legal, também substancial, no âmbito jurisdicional e administrativo[161].

Embora não haja homogeneidade no que diz respeito à utilização de um controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, havendo países que praticam os dois sistemas e outros que optam pelo modelo difuso, pode-se dizer que prepondera a outorga ao Judiciário da guarda da Constituição, de modo concentrado ou difuso, mas sem a função de apreciar incidenter tantum a constitucionalidade das leis[162]. O controle de constitucionalidade se faz por via direta ou por exceção mediante a aplicação da lei ao caso concreto. Quer isto dizer que no controle difuso e no concentrado, via exceção, a apreciação da constitucionalidade da lei não se faz dissociada do caso a ser julgado. Não vincula e não tem efeito erga omnes, portanto. Julgam-se, assim, fatos e atos sobre o parâmetro da legalidade e da constitucionalidade.

Vê-se, nos países latino-americanos, uma jurisdição constitucional especial que rompe com os modelos tradicionais, concentrado e difuso, estabelecidos a partir de análise de elementos formais e institucionais. Nestes países, o controle de constitucionalidade é entendido, sobretudo, como um controle material, substantivo garantido mediante técnicas processuais, mecanismos jurisdicionais[163].

Outro ponto em comum diz com a “jurisdição constitucional das liberdades”[164], ou seja a previsão de instrumentos processuais assegurados pela Constituição para tutelar direitos contra leis, decretos, atos de governo e de quaisquer autoridades, inclusive juízes no exercício da função jurisdicional (mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, amparo). Em alguns países, como no Brasil, tal tutela é estendida para assegurar direitos e interesses coletivos, despersonalizados (mandado de segurança coletivo, ação civil pública, ação popular), o que possibilita ampliar o quadro dos direitos materiais garantidos em diversos planos: saúde, ambiente, educação, patrimônio público, interesse público, implementação de políticas públicas e outros mais[165].

Note-se, ainda, que o modelo misto de controle de constitucionalidade, conjugado com a instrumentalização processual da “tutela coletiva”, tem suma importância nos dias de hoje na fiscalização de atos políticos pelo Judiciário, por via de ação e não propriamente por exceção ou questionamento incidental. Dada a substitutividade processual na defesa de interesses individuais por órgãos públicos ou coletivos, assenta Dinamarco, o fenômeno chega a assemelhar-se à jurisdição voluntária e vem a ser chamado de “tutela coletiva de ofício” ou “coletivização de ofício” dos litígios individuais. A busca de resultados no âmbito político e social, fora do plano puramente técnico, é direcionada a maximizar a solução de conflitos e lesões a direitos e segue no sentido de criar normas antes inexistentes e não de aplicar simplesmente a lei ao caso concreto[166].

As cortes supremas na América Latina são chamadas a prestar jurisdição por meio desses instrumentos processuais, seja em razão de competência originária (ex.: contra atos do presidente), seja em via recursal[167].

O controle de constitucionalidade, nos países latino-americanos tem, então, ligação estreita com o controle pelo Judiciário de qualquer ato de autoridade, dos dispositivos de leis, visando, em muitos casos, a tutela de direitos fundamentais[168]. No que se refere aos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, dado o controle difuso aplicado em caso concreto, assiste-se à proliferação de julgamentos com eficácia ampliada a fatos conexos ou situações assemelhadas que acabam por assegurar eficácia às políticas públicas assentadas na Constituição[169]. A legitimação processual conferida a associações e ao ministério público para buscar na jurisdição a inconstitucionalidade de políticas públicas, adotadas em desconexão ou omitidas, acaba por transformar o Judiciário e o ministério público em agentes políticos do Estado[170]. Mesmo que se questione a legitimidade democrática para tanto, trata-se de um mecanismo de controle das políticas públicas previsto em lei e já exercido pelas instituições com atribuição [171].

A jurisdição constitucional assim posta, aberta a diversidade de causas, apresenta problemas de intranqüilidade quanto à interpretação constitucional e de instabilidade quanto aos critérios de decisão, problemas já há muito ressaltados por Cappelletti, quando percebeu incompatibilidade entre o sistema difuso e o concentrado em países que não adotam o princípio do stare decisis[172].

Mas, por outro lado, tem prevalecido o aspecto positivo. A dinâmica constitucional e o pluralismo na interpretação do que se entende por Constituição e normas constitucionais têm possibilitado uma jurisprudência constitucional rica e têm viabilizado a manutenção de bases democráticas contra sistemas autoritários, de longa data recorrentes na América Latina[173].

Tal atuação, contudo, embora tenha se firmado em áreas de implementação de políticas públicas e de controle dos atos do Executivo, não  se manifesta com a mesma expressão garantista no âmbito do direito criminal repressivo, na defesa de direitos e garantias frente à persecução penal. Neste campo, é evidente um retrocesso, muitas vezes fundamentado na luta contra o crime organizado, contra a corrupção ou para a responsabilização penal daqueles titulares de funções públicas.

Note-se, inclusive, que na maior parte dos Estados latino-americanos a competência para tratar de assuntos ligados à cooperação jurídica internacional tende a ser centralizada em um órgão especial, não jurisdicional, desvinculado do Judiciário e inserido na estrutura orgânica do Executivo. Mesmo que tal competência seja atribuída a órgão ligado ao Judiciário, ligado à Suprema Corte de Justiça, a atribuição é concebida como sendo de natureza administrativa e não jurisdicional. Procura-se separar as funções de tal forma que as informações desse órgão especial, referentes à interpretação do direito estrangeiro ou nacional, não interfiram nas decisões do Judiciário nacional, sob a forma de precedentes. Assim posto, as consultas a este órgão (chamado no Uruguai de Autoridade Central), não vinculam nem o Estado consultado nem o Estado consultor[174]. Delineia-se, pois, uma exceção política à garantia jurisdicional.

A importância dessas unidades administrativas centralizadoras, viabilizadoras do comportamento externo do Estado no cumprimento de tratados, convênios e protocolos internacionais para a temática dos atos políticos é relacionada ao princípio da reserva política, que condiciona prestações mútuas entre Estados a valorações políticas, ligadas à segurança, à ordem pública e outros interesse considerados essenciais aos mesmos. Tal apreciação, que antes cabia ao juiz (como por exemplo, na determinação de delitos políticos, na apreciação da ordem pública), passou a competir ao Executivo, o que faz de um órgão acessório um órgão com capacidade de decidir sobre a viabilidade ou não da cooperação. Tudo isto de forma a que o veto à cooperação impeça a atuação do juiz no sentido de aceitar ou não o encargo de cumprir as prestações solicitadas pelo Estado estrangeiro. Trata-se de um controle político preliminar[175].

Problema existe quanto à delimitação das medidas cautelares requeridas no âmbito jurisdicional. Alguns países não as têm jurisdicionalizadas na ordem jurídica interna. São executadas, portanto, a critério de órgãos da administração, da polícia administrativa, sem a possibilidade de controle jurisdicional sobre pressupostos, requisitos e proporcionalidade dos meios em relação à finalidade objetivada[176]. Privilegia-se a ordem pública internacional do Estado em detrimento dos princípios e regramentos constitucionais do mesmo, bem como da tutela efetiva de direitos.

Resta por fim, neste tópico, assentar preocupação quanto a um ressurgimento da doutrina dos atos políticos. O enfrentamento de questões ligadas à abertura de arquivos de períodos ditatoriais é diferenciado nos diversos países. Fora a perspectiva de possível instabilidade política decorrente da publicidade das atuações militares nos períodos ditatoriais e de hipotéticas responsabilizações por crimes praticados contra a humanidade naqueles períodos[177], a discussão sobre a abertura de arquivos envolve a garantia de direitos civis, pressupostos para a participação democrática – como os direitos à informação e à transparência da atuação política -, bem como a garantia de direitos personalíssimos das vítimas e de suas famílias, tais como o acesso a dados pessoais clandestinamente catalogados, o direito à intimidade e à livre disposição de dados pessoais[178].

Na Argentina, em decisão datada de 21 de agosto de 2003, o Senado, mesmo sem competência para funcionar como legislador negativo, competência assegurada à Suprema Corte, anulou a Lei de Anistia para abrir a possibilidade de ex-repressores serem julgados em território argentino e não na França ou Espanha, países que reclamam extradições[179]. O ato político da anistia, cuja revisibilidade pelo Judiciário era inadmissível, sob a perspectiva de uma nova ordem constitucional, pôde ser reapreciado, contando-se com a imprescritibilidade e a máxima relevância social da persecução dos crimes contra a humanidade.

No Brasil, Decreto presidencial, publicado em 27 de dezembro de 2002, regulamentou a catalogação de documentos considerados sigilosos, concebidos estes como sendo “dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas” (art.2º). Destes documentos, são classificados como ultra-secretos, “dentre outros, dados ou informações referentes à soberania e à integridade territorial nacionais, a planos e operações militares, às relações internacionais do País, a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico de interesse da defesa nacional e a programas econômicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano excepcionalmente grave à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, parágrafo 1º). A classificação de documentos como ultra-secretos, sigilosos durante o prazo de cinqüenta anos e a partir dele mantidos em sigilo por tempo indeterminado, conforme o interesse da segurança da sociedade e do Estado, compete ao Presidente da República, ao Vice-Presidente, aos Ministros e equiparados, aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Em busca do consenso político entre os poderes, e querendo evitar o confronto com as Forças Armadas, novo governo, instituído em 2003, estuda fórmulas que assegurem estabilidade quando da abertura de arquivos[180]. A relutância, ao que parece,  é pensada, à primeira vista,  politicamente, ou seja para proteger atos do governo e titulares de função política e não em termos de tutela efetiva de direitos da coletividade, de vítimas e de familiares[181].

Note-se que na América Latina a problemática do controle jurisdicional dos atos políticos é neutralizada por meio do direito processual. É, portanto, casuística e não apriorística. Melhor explicando, o direito à tutela efetiva traduz-se no direito de ação, garantia de acesso à jurisdição. Embora sejam, hoje, amplos os mecanismos de acesso ao Judiciário, o exame da causa a ele apresentada é restringido pelos condicionamentos da ação (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica)[182]. Em relação às medidas cautelares, observam-se urgência, necessidade e proporcionalidade dos meios em relação aos fins.

Em relação ao direito material, dada a potencialização da eficácia dos direitos sociais com a utilização de fórmulas processuais de proteção antes reservadas aos direitos fundamentais clássicos, a jurisdição é a via principal para a concretude constitucional[183]. Este reconhecimento amplo dos direitos sociais não é comum na maior parte das Constituições e tem como resultado evidenciar a eficácia desses direitos a partir da garantia jurisdicional e não por meio de implementação das diretivas constitucionais[184].

É assim que, em relação ao ordenamento argentino, Gordillo se expressa em sentido contrário ao que a jurisprudência sustenta, ao afirmar que não existem atos políticos, de governo ou não controláveis jurisdicionalmente. Dada a plenitude da jurisdição, cabe ao juiz estabelecer os limites de controlabilidade no caso concreto[185].

5. Análise comparada

Cappelletti sustenta que, no sistema de controle de constitucionalidade concentrado, adotado nos sistemas jurídicos da civil law, ou de derivação do direito romano (ex.: países da Europa continental), os juízes comuns, civis, penais, administrativos, são incompetentes para conhecer da validade das leis perante a Constituição, mesmo no caso concreto. As leis devem ser sempre reconhecidas como em conformidade com a Constituição e com a ordem jurídica, salvo na Alemanha e Itália, mas não na Áustria, países que admitem a suspensão do processo para argüição de inconstitucionalidade perante Tribunal Constitucional especial, configurando um sistema difuso mitigado de controle de constitucionalidade, ao lado do sistema concentrado[186]. Alguns doutrinadores falam, inclusive, em presunção de validade das leis, aplicável a todos os juízes, com exceção da Corte Constitucional[187].

O mesmo raciocínio vale para os atos políticos, praticados no exercício da função constitucional. Serão válidos e eficazes juridicamente até serem contestados perante a Corte Constitucional, com competência originária para tratar de conflitos que envolvam autoridades superiores do Estado no exercício de suas funções constitucionais ou conflitos enraizados em matéria constitucional. Pode-se falar, assim, numa presunção de constitucionalidade dos atos políticos só elidida perante a Corte Constitucional.

Nos países que têm instrumentos processuais incorporados à ordem jurídica para questionamento dos atos políticos perante o Corte Constitucional (Verfassungsbeschwerde, Juízo de Amparo, Mandado de Segurança, Ação Popular), existe a possibilidade de anulação, suspensão ou declaração da inexistência jurídica do ato, ex post facto ou cautelar. São exemplos a Alemanha, a Espanha e alguns países latino-americanos, nos quais, apesar do controle de constitucionalidade difuso, a competência para conhecer desses instrumentos constitucionais contra atos de autoridades superiores se concentra nas supremas cortes que acumulam, na maior parte das vezes, função de última instância de decisão de conflitos e de controle de constitucionalidade.

Há, ainda no contexto do controle concentrado de constitucionalidade, a hipótese de controle preventivo de funções constitucionais de órgãos políticos pelos Tribunais Constitucionais. O tribunal atua antecipando futura conflituosidade e prevenindo incompatibilidade constitucional superveniente (função consultiva ou cautelar da Corte Constitucional). A Corte Constitucional atua ex ante, opinando juridicamente sobre a delimitação funcional, de forma a evitar futuras impugnações ou a integralizar o sentido da Constituição. São exemplos dessa forma de atuar os Tribunais Constitucionais alemão, francês, espanhol e italiano. A técnica consultiva implica em reforçar a presunção de constitucionalidade dos atos praticados no exercício da função política previamente conformada pelo Tribunal Constitucional. Na verdade, não existe controle, existe sim, participação da Corte Constitucional na conformação do ato político.

A adoção de um sistema de controle político puro de constitucionalidade, ex ante, ou o reconhecimento de imunidades, implica em impor ao Judiciário, em todos os seus níveis, a presunção juris et de jure de constitucionalidade das leis. O mesmo raciocínio vale para os atos políticos. A impossibilidade de controle jurisdicional sobre a constitucionalidade dos mesmos confere-lhes valor positivo, validade incondicional e tem como conseqüência a inquestionabilidade do ato. Esta solução é adotada pela maior parte dos países europeus em relação à ratificação de tratados internacionais, pois pela Convenção de Viena nenhuma das partes pode invocar disposições de direito interno, mesmo constitucionais, para descumprir Tratados. A possibilidade de controle de atos políticos violadores da Constituição, mas cumpridores de tratados, fica afastada. Daí falar-se em verdadeira presunção de constitucionalidade juris et de jure. A possibilidade de invocar o direito interno para justificar descumprimento de tratado é reservada à hipótese de incompetência do órgão político para celebrar tratados, conjugada com violação manifesta de norma fundamental de direito interno[188]. Fica afastada, pois, a priori, independentemente da possibilidade de controle da constitucionalidade dos atos políticos pelos tribunais (difuso ou concentrado), nos casos de aplicação de tratados internacionais, qualquer “reserva de constituição”[189].

Em relação ao direito comunitário europeu, de aplicação imediata por autoridades e tribunais nacionais, impõe-se o dever de interpretar o direito nacional conforme o direito comunitário e o dever de não aplicar direito interno em desconformidade, o que faz surgir o problema de inconstitucionalidade interposta. Problema não resolvido, mas cuja solução tende à incorporação constitucional seletiva de pactos internacionais ou à compreensão de uma jurisdição constitucional européia a partir da Convenção Européia dos Direitos do Homem [190].

A tendência é a retração do campo da fiscalização efetiva dos Tribunais Constitucionais[191]. Outra solução encontrada, em relação a algumas particularidades (como a cláusula do giusto processo italiana), são as reformas constitucionais no sentido de constitucionalizar a Convenção Européia, de forma a permitir o controle de constitucionalidade pelo Tribunal constitucional de atos de aplicação imediata de tratados, seja pelo controle difuso (mitigado, ou seja, centralizado), seja por intermédio de remédios constitucionais ou simplesmente por recursos, de todos os tribunais, inclusive dos administrativos. A última hipótese é mais conveniente no sentido de possibilitar decisão no âmbito interno dos Estados, conforme o direito nacional. Melhor relativizar o sentido de autonomia orgânica em prol da autonomia estatal do que afirmar a autonomia das funções de governo a custo da interferência alienígena.

Cumpre, ainda, manifestação quanto às políticas públicas, administração prestacional do Estado no sentido de imediatizar funções constitucionais e concretizar normas-tarefa. Não se tratam de normas nem de atos jurídicos com sentido unívoco, mas de atividade em exercício desenvolvida no cumprimento do desiderato constitucional com impulso constitucionalmente atribuído ao Chefe de Governo e seus auxiliares e que frente ao direito fundamental à tutela efetiva não há como ser negada a título de direito subjetivo na ordem jurídica interna. Tal reconhecimento implica em chamar à responsabilização órgãos políticos por política pública inconstitucional (na forma comissiva ou omissiva), o que vem sendo plenamente possível com as recentes mudanças veiculadas nas jurisdições administrativas européias, marcadas, principalmente, pela adoção de medidas cautelares suspensivas, injuncionais e anulatórias de atos praticados no exercício da função administrativa. Sob a perspectiva de direitos violados, não reconhecidos ou não prestados, particulares têm direitos de os invocar a partir do reconhecimento de relação jurídico-constitucional.

Tais funções não se referem diretamente a situações jurídicas subjetivas, nem mesmo se enquadram na esfera de auto-organização da Administração do Estado. Mas, a visualização de uma relação jurídico-constitucional, tornou possível reivindicações de resultados, subjetivação de interesses e responsabilização dos titulares de funções políticas (inclusive mediante medidas coercivas) perante a justiça administrativa[192]. Tal peculiaridade, é forçoso reconhecer, assemelha-se na prática a um controle constitucional, difuso, introduzido nos tribunais administrativos, incidente também sobre atos políticos[193]. Controle este implantado mesmo em países que adotam o controle concentrado ou político de constitucionalidade. O que faz pensar em reversão de atividades imunes ao controle jurisdicional e de reversão da própria presunção de constitucionalidade dos atos praticados no exercício da função política, pois não se os toleram mais quando inconstitucionais[194].

Nos países latino-americanos, que adotam o sistema difuso de constitucionalidade, com prejudicialidade constitucional a ser resolvida pelo próprio juiz da causa, mesmo com a presença de um Tribunal Constitucional, ou de Suprema Corte com competência para tratar de assuntos constitucionais, verifica-se, em contrário à tendência européia de separar organicamente as três funções judiciais, em jurisdição de conflitos, de controle de constitucionalidade e de autogoverno da magistratura, uma magistratura verticalizada, com estrutura administrativa hierarquizada.

Inicialmente concebida para garantir o statu quo e a vontade política do Estado, por meio do controle de legalidade formal e do controle de sentenças pela cúpula do judiciário, intimamente ligada ao executivo em razão da sistemática de nomeação de seus pares, a referida estrutura judiciária, posta em outro contexto, passou a ter eficácia em sentido inverso[195].

A justiça constitucional, concebida em termos democráticos, veio a impor ao juiz o dever de assegurar a constitucionalidade, o que teve como resultado independência interna, imparcialidade e autonomia do magistrado de primeiro grau, perante o qual passou a ser exercida, com maior intensidade e brevidade, a chamada jurisdição constitucional das liberdades (social e individual), dada a disponibilidade de remédios constitucionais e de tutelas cautelares cabíveis nos conflitos com o Estado. O Judiciário para garantir direitos sociais passou, inclusive, a interferir na implementação de políticas públicas. Note-se que a solução assemelha-se à norte-americana, mas dela difere porque o arsenal material e procedimental veio da Constituição e do legislativo, não da suprema corte.

Em outras palavras, a hierarquização apareceu como fórmula de controle do Judiciário extremamente ligada ao controle de legalidade formal e ao controle político. Contudo, a partir da compreensão da força normativa da Constituição e da implementação de direitos sociais no quadro dos direitos fundamentais, a magistratura de base, investida do controle difuso de constitucionalidade, tornou-se permeável ao controle de legalidade substancial, transformando-se em terreno fértil para a eficácia dos direitos fundamentais[196].

Nesses países latino-americanos, o controle difuso de constitucionalidade, mais a estrutura administrativa norteada pelo estrito cumprimento da legalidade, seja no que se refere ao procedimento, seja no que diz respeito ao direito material, existe a possibilidade de dirimir na jurisdição não só conflitos entre a lei aplicada e a Constituição, mas também entre o ato praticado e o ato constitucionalmente previsto. Tal perspectiva, antes válida no quadro do Estado de Direito Liberal, passa a ser utilizada no quadro do Estado Democrático e Social para controlar políticas públicas e atos de governo, sob a perspectiva dos direitos sociais[197].

Passou-se a incorporar, entre o controle concreto e o controle abstrato de constitucionalidade, um controle de constitucionalidade intermediário, com eficácia genérica para casos assemelhados, número de pessoas indeterminado, que se impõe, inclusive, às relações entre Estado e particulares.

O direito processual, fundamentalmente, eliminou a hipótese de questões políticas não jurisdicionalizáveis. Contudo, a jurisdicionalização de questões políticas é filtrada, como qualquer questão de direito material, pelos pressupostos processuais.

Se de um lado, no entanto, o sistema difuso pode parecer temerário por permitir adequação constitucional rápida e eficaz ao caso concreto e a situações genéricas em que se questiona um interesse social, de outro lado, é mais seguro e democrático, pois além da decisão não se impor autoritariamente, existe a possibilidade de reavaliação e sopesamento pelos tribunais superiores, não só pelo prisma das “questões de direito”, mas também com apreciação das “questões de fato”[198].

Nessa sistemática, a validade de atos políticos não se impõe simplesmente como relação de imputação, por um critério de autoridade ou por exercício de competência pelo titular de função política, pois exige-se adequação, formal e substancial. Admitir-se-ia, caso contrário, um poder de fato, com hierarquia igual ou superior ao poder constituinte originário. Este poder, que chega às vias de fato, também não cabe na função jurisdicional. Melhor ficar no entremeio.

José Afonso da Silva afirma que, no Brasil, existe técnica peculiar de controle de constitucionalidade que não comporta a teoria norte-americana, pelo menos em sua totalidade, pois existe presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do poder público que perdura no tempo até acionamento do mecanismo de controle jurisdicional constitucionalmente previsto[199]. Este entendimento cabe para os países latino-americanos com estrutura administrativa fundada no princípio da legalidade, mas com sistemática de controle de constitucionalidade assemelhada à norte-americana.

Outra peculiaridade desses sistemas: o controle de constitucionalidade confunde-se com o controle de legalidade na medida em que cabe aos juízes interpretar as leis a partir da Constituição. A presunção de constitucionalidade das leis sede junto à presunção de legalidade de atos. Parece inexistir a “dicotomia direito da Constituição e direito da lei” [200] quando se pretende a impugnação de um ato estatal não legitimado.

É plenamente compatível com a sistemática da ordem jurídica dos países latino-americanos a assertiva de que existe presunção de constitucionalidade das leis e de legalidade dos atos praticados por agentes do Estado, pois existe o dever funcional de cumprir a lei e a Constituição. São essas as premissas jurídicas. Por outro lado, existe sempre a possibilidade de questionamento e de ação jurisdicional em caso de condutas omissivas ou de ações materiais em desvio ou abuso.

Há, no entanto, posições extremadas. Alguns pensam que inexistiria presunção de constitucionalidade. Outros tendem ao entendimento contrário[201].

Complementando o tema da legalidade na atividade funcional, José Afonso da Silva explica que o regime de garantias constitucionais prescreve série de normas, que sujeitam a atividade administrativa à legalidade. Tais normas condicionam, externamente, os atos e procedimentos administrativos a modelo legal previamente estabelecido. Afirmam-se, assim, a tipicidade dos atos e procedimentos, o devido processo legal, o ato formal e a nominatividade dos atos[202]. Este raciocínio vale para o ato político. Ainda que não se tenha um procedimento constitucionalmente previsto para delimitá-lo, existe a previsibilidade constitucional e uma tipicidade substancial servindo como orientação. O controle de atos políticos, sob esta perspectiva, é jurídico.

6. Conclusões

1) Os atos políticos não se identificam mais com os atos incontroláveis.

2) Caminha-se em diversos sentidos para uma plenitude da jurisdição.

3) Nos países europeus, assiste-se a uma subjetivação dos interesses públicos na jurisdição administrativa. O controle da Administração é agilizado pela implementação das medidas cautelares. Reconhece-se a competência da jurisdição administrativa para tratar de política estatal.

4) Nos países latino-americanos, como no sistema norte-americano, o percurso é inverso. O controle surge na competência jurisdicional civil como um reflexo da publicização de direitos individuais (mesmo os direitos considerados sociais).

5) O direito inglês, ao criar tribunais administrativos para tratar de assuntos do Estado, segue mais perto da sistemática continental.

6) Existe a tendência de se associar responsabilidade política à criminal para destruir imunidades pessoais.

7) Presumem-se constitucionais os atos políticos previamente conformados. Há presunção forte quando o controle é político, ou anterior à prática do ato. A presunção é invertida no controle de constitucionalidade difuso, feito pelo juiz de primeiro grau (juris tantum). No controle difuso, por Tribunal Constitucional, a presunção vale para todos os juízes, com exceção da Corte Constitucional.

8) Medidas cautelares e remédios constitucionais invertem a presunção de constitucionalidade em favor de uma prefered position dos direitos individuais e sociais assim reclamados.

9) Atos políticos podem ser contestados tanto com fundamento na Constituição material, como em relação à Constituição formal, ou, ainda, em face de uma legalidade sui generis (tratado), tudo depende da perspectiva que se adota.

10) O costume internacional tem sido cogitado como fórmula para invalidar ou conformar atos políticos.

11) Há conformação, nos diversos ordenamentos, de uma zona política, especial para assuntos do Estado, no âmbito da segurança interna, externa e da cooperação judiciária internacional, com atividades não tipificadas e sequer publicizadas. A delimitação constitucional é duvidosa.

12) A presunção de constitucionalidade do ato político está ligada à noção de delimitação constitucional prévia da atividade funcional. Não confere privilégios ou imunidades, ou seja, inquestionabilidade do poder exercido. Não existe, portanto, um princípio favor potestade.

13) Em países onde existe vasta oferta de instrumentos processuais de impugnação, ágeis e eficazes, a presunção de constitucionalidade dos atos políticos tem um significado efêmero, pois pode ser a todo momento questionada.

14) Problema maior existe em relação a atos e atividades não publicizados. É impossível conferir-lhes, a priori, legitimidade constitucional. Daí a associação das duas responsabilidades, política e criminal como mecanismo de controle.

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[1] Giuseppe di Gaspare, Considerazione sugli atti di governo e sull’atto politico. L’esperienza italiana e francese nello stato liberale, Milano: Giuffrè, 1984, p. 235.

[2] Ao discorrer sobre o valor jurídico do ato inconstitucional, Marcelo Rebelo de Souza firma o entendimento de que a tradicional classificação da doutrina constitucional quanto às inconstitucionalidades (formal, material e orgânica) está em crise, pois não serve a apontar vícios de elaboração contemporânea, como o de desconformidade concreta do conteúdo do ato do poder político em relação à Constituição, a incoerência do conteúdo do ato, o excesso de poder, o desvio de poder, os vícios da vontade, os vícios de não correspondência entre a vontade e a declaração de vontade e o vício de incompetência que não se traduz em usurpação da competência de outro órgão mas na falta absoluta de poderes para o ato praticado. Melhor seria considerar os vícios de constitucionalidade a partir de pressupostos e elementos do ato, no contexto específico. Assim, analisar-se-ão vinculação à Constituição, à lei, sujeito, competência, livre formação da vontade,coerência quanto ao conteúdo, proporcionalidade dos meios em relação à finalidade, adequação do conteúdo e dos fins ao ordenamento constitucional e correspondência entre a vontade e declaração de vontade (O valor Jurídico do Acto Inconstitucional, Lisboa, 1988, p. 141/145).

[3] Cf. Giuseppe de Vergottini, Diritto Constituzionale, CEDAM, 1997, p. 551). Afonso Rodrigues Queiró assim visualizou a problemática em torno da diferenciação: “.não nos parece viável qualquer tentativa de encontrar nos ‘actos de governo’um conteúdo diferente dos actos administrativos, legislativos ou jurisdicionais da competência do Executivo. Qualquer acto da competência da Administração, seja de natureza propriamente administrativa, seja de natureza legislativa ou jurisdicional, pode ser elevado à categoria de acto de governo pelo só facto de a lei o excluir do controlo contencioso administrativo para deixar à Administração toda a liberdade (Estudos de Direito Público, V. I, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1989, p. 609).

[4] Giuseppe de Vergottini, Diritto Constituzionale, CEDAM, 1997, p. 552.

[5] Leia-se Eugênio Raúl Zaffaroni: “Há tendência européia de separar as três funções judiciais: solução de conflitos, controle de constitucionalidade e autogoverno- processo de separação orgânica da função de controle de constitucionalidade” (Poder Judiciário. Crise, acertos e desacertos, São Paulo: RT, 1995, p. 75).

[6] O Devido Processo Legal e a Responsabilidade do Estado por Dano Decorrente do Planejamento. Revista Trimestral de Direito Público no. 11, São Paulo, Malheiros, 1995.

[7] Assinala ainda a autora referida que a definição de ato político, como ato que fugiria ao controle jurisdicional não se sustenta face ao artigo 5º, XXXV,da Constituição brasileira: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” ( Direito Administrativo Moderno, São Paulo: RT, 1996, p.48, 49, 170 e 171).

[8] Consultem-se Cristina M. M. Queiroz, Os actos políticos no Estado de Direito. O problema do controle jurídico do poder, Coimbra: Almedina,1990, p. 147. Antonio Embid Irujo, La justiciabilidad de los actos de Gobierno. De los actos políticos a la responsabilidad de los Poderes públicos, In: Documentación Administrativa no. 220, outubro/dezembro de 1989, Instituto Nacional de Administração Pública, p. 55. Nicolas Serrano, Tratado de derecho politico, Madrid: Editorial Civitas, 1984, p. 412. A maior parte da doutrina italiana se refere a funzione di governo ou de indirizzo politico, no exercício da qual o ato político se enquadra (Cf. Paolo Barile, verbete Atto di governo (e atto politico), in Enciclopedia del Diritto, V. IV, Giuffrè, 1959, p. 221).

[9] V. Temistocle Martines, verbete indirizzo politico, In: Enciclopedia del Diritto, Giuffrè, V. XXI, p. 134.

[10] V. Antonio M. García Cuadrado. Aproximación a una teoría de los actos constitucionales. Afirma o autor que os atos constitucionais se diferenciam dos atos administrativos de conteúdo político e dos atos políticos simples, categoria inserida na de ato administrativo, porque além de serem atos de governo, das Câmaras e do Rei, afetam o processo político de forma vital. Por esta razão são atos diretamente subordinados à Constituição (in Revista de Derecho Político, Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia, n. 46, 1999, p. 52 e 53). Parece, no entanto, que a nomenclatura ao reforçar o vínculo à Constituição para esses determinados atos enfraquece a força obrigatória da Constituição para os demais atos jurídicos, pois a Constituição é regramento aplicável a todos atos jurídico públicos, entre eles os atos jurídico-constitucionais, da função política-legislativa e governativa, bem como os atos de garantia jurisdicional da constitucionalidade (V. Jorge Miranda, Funções,., p. 126/129).

[11] Cf. Jorge Miranda, Funções, órgãos e actos do Estado, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990, p. 19/29. A noção de função política stricto sensu, em Portugal, é sintetizada nas competências dos órgãos políticos de soberania e das regiões autónomas (V. Jorge Miranda, Funções., p. 37). Também do mesmo autor Manual de Direito Constitucional, T. V, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 24).

[12] Cf. García de Enterría, Democracia, jueces y control, p. 283.

[13] Cristina M.M. Queiroz afirma que a Constituição portuguesa opta pela constitucionalização da política (Os actos políticos no Estado de Direito. O problema do controle jurídico do poder, Coimbra: Almedina, 1990, p. 181). Em Portugal, Gomes Canotilho afirma que a redução da complexidade da fiscalização concreta conduz o “judicial review a um direito de exame incidental sem poderes decisórios”, transformando-se tribunais em “instâncias de trânsito de questões concretas de constitucionalidade” (Jurisdição constitucional e intranquilidade discursiva, in Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, V. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 876). Carlos Blanco de Morais, de seu lado, afirma que a Constituição portuguesa não trata do controle jurisdicional da constitucionalidade dos atos políticos, nem de sanções por inconstitucionalidade dos mesmos. Daí falar-se em um inexplicável “défice processual” da Constituição no tratamento da matéria (Justiça Constitucional, T. I. Garantia da Constituição e controlo da constitucionalidade, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 530). No Brasil, assiste-se à politização do judiciário, dada a interação do controle difuso e concentrado de constitucionalidade, tanto na justiça federal, como na estadual, mais a fomentação da tutela coletiva e individual com instrumentos processuais que viabilizam a garantia de constitucionalidade (A função das cortes supremas na América Latina, Cândido Rangel Dinamarco, Relatório Latino-americano para o Congresso Internacional do Direito Processual, Tessalônica, 21-25 de maio de 1997).

[14] Carl Schmitt, no polo extremo da controvérsia, foi contra a jurisdição contitucional, pois o controle de legitimidade constitucional deveria ser atribuído a órgão político, ao Chefe de Estado. A assertiva foi severamente refutada por Kelsen, o qual desenvolveu estudos vigorosos em favor da justiça constitucional. Radbruch, de seu lado, mecionou afirmação de Heinrich von Treitschke no sentido de que todo ato de dizer a justiça é uma função política. Considerada a jurisdição como força política autônoma em relação às outras forças políticas (Consulte-se Mauro Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, p. 380/385).

[15] Mauro Cappelletti, Il controlo giudiziario di constituzionalità delle leggi nel diritto comparato, Milano: Giuffrè, 1978, p. 5, 102/104.

[16] A advertência é de Cappelletti, fundamentado, também, em estudo de Pierandrei, onde afirma, por exemplo, que o tratamento dos ilícitos constitucionais na jurisdição constitucional pode levar à supressão do princípio nullum crimen nulla poena sine praevia lege poenali (Mauro Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1974, p. 368).

[17] Cf. Karl Loewenstein. Teoría de la constitución, Barcelona: Editorial Ariel, p. 313 e Giuseppe di Gaspare, Considerazioni sugli atti di governo e sullátto politico. L’esperienza italiana e francese nello stato liberale, Milano: Giuffrè, 1994.

[18] Pressupostos são condições prévias e exteriores ao ato, base para sua existência e formação; elementos são partes integrantes do ato que lhe dão especificidade; requisitos são pressupostos e elementos analisados para ato específico sob o prisma constitucional, atendendo a valores, interesses e finalidades . (V. Jorge Miranda, Funções,.p. 135 e Manual., T. V, p. 104). Ainda conforme Jorge Miranda, é preciso atender muito mais à limitação material do poder político e não mais à puramente formal (Fiscalização da Constitucionalidade. Uma visão Panorâmica, in Sciencia Ivridica, T. XLII, 1993, n. 244 e 246, p. 163).

[19] Justiça Constitucional, T.I, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 529.

[20] Atos Inconstitucionais, Campinas: Russel, 2003, p., 118.

[21] Atos Inconstitucionais, Campinas: Russell. 2003, p. 105 e 106.

[22] V. Gomes Canotilho, Direito Constitucional: Almedina, 2002, p. 540.

[23] Table Ronde, Immunités Constitutionnnelles et Privilèges de Jurisdicion, texto sobre Portugal desenvolvido por Jorge Miranda, in Annuaire international de justice constitutionnelle, XVII- 2001, p. 300 e 301. A lei que define os crimes de responsabilidade no Brasil, lei 1079 de 1950, estabelece, como exemplo, o crime de celebrar tratados, convenções ou ajustes que comprometam a dignidade da Nação; de declarar guerra, salvo nos casos de invasão ou agressão estrangeira ou fazer a paz, sem autorização do Congresso Nacional.

[24] Ibidem, p. 304. A imunidade do Chefe de Estado, no entanto, permanece em muitas legislações, justificada para garantir a independência dos titulares de funções políticas e assegurar a separação de poderes (Jorge Miranda, Table Ronde. Immunités Constitutionnelles., p. 303; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 199).

[25] Em pronunciamento sobre o impeachment brasileiro Geraldo Ataliba fixou: “Se, a República se caracteriza pela responsabilidade dos que exercem função política é preciso levar em consideração que, a definição dos crimes de responsabilidade e o cuidado constitucional em tratar do seu processo, são medidas de proteção das instituições em primeiro lugar “ ( in Impeachment. Aspectos Jurídicos, Revista do Advogado, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, setembro/92, p. 35). No Brasil, vigorou por muito tempo a Súmula 394, editada em 1964 pelo Supremo Tribunal Federal. Entendeu-se que mesmo que esgotado o exercício da função pública prevalecia o foro privilegiado para a responsabilização penal por crimes praticados no exercício da função pública. Protegia-se a função pública garantindo-se a imparcialidade e o julgamento pelos tribunais. Em 1999, o STF entendeu que a Constituição não contemplava a hipótese de competência originária da Suprema Corte para processar e julgar crimes comuns praticados pelo Presidente, Vice-Presidente, membros do Congresso Nacional, Ministros e Procurador Geral da República quando não mais estiverem no exercício da função pública. Cancelou, assim, a Súmula 394. No entanto, em 26.12.2002, foi publicada a lei 10.628 alterando o Código de Processo Penal para estender a prerrogativa de função à responsabilização criminal por atos praticados no exercício de função administrativa, mesmo que cessado o exercício da função. E mais, estendeu a prerrogativa de função às ações cíveis de improbidade administrativa, tratadas pela lei 8.429/92. Questão sobre a delimitação constitucional da lei não foi ainda tratada pelo STF (Consulte-se Hugo Nigro Mazzilli, O Foro por Prerrogativa de Função e a Lei n. 10.628/02, artigo disponível na internet no endereço www.damasio. com.br).

[26] Cf. J.M. Blanquer, Un Jeu Central: La Responsabilité des Ministres. Ou Coment Éviter les Pièges de I’Illusoire VI e. République, in Revue du Droit Publique de la Science Politique en France et à l’Étranger, numéro spécial: La VI e. République?, n. 1/2, 2002, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence,

[27] Consulte-se J.M. Blanquer, op cit. Atesta, neste particular, Gomes Canotilho que a responsabilidade político-constitucional não tem vínculos com a responsabilidade penal no que se refere à verificação da culpa ou dolo e mesmo que um titular de cargo político não seja disciplinar ou criminalmente responsável por decisões erradas, falhas no serviço ou comportamentos ilegais dos funcionários sob sua responsabilidade não impedirá a constatação da responsabilidade política ( Direito Constitucional., p. 551).

[28] Neste sentido Kelsen já se posicionara contra o pensamento de Karl Schmitt, pois entendeu não se poder partir do pressuposto de que função jurisdicional e função política são substancialmente incompatíveis. A oposição do jurídico ao político só se justificaria ao se conceber o exercício do poder contraposto ao exercício do direito. Ainda conforme Kelsen, um conflito é “não arbitrável” ou político não porque sua natureza não o permite converter-se em um conflito jurídico, mas porque existe a recusa de o submeter a uma instância objetiva (Chi dev’essere il custode della constituzione?, in La giustizia constituzionale, Milano, Giuffrè, p. 243). A questão se assume ainda mais relevância quando se pensa na existência do poder constituinte derivado, sem ruptura com a ordem constitucional anterior, com funções constituintes formal e materialmente limitadas pela própria Constituição a ser alterada (V. Tércio Sampaio Ferraz, Constituinte. Assembléia, Processo, Poder, São Paulo: 1986, p. 31).

[29] Consulte-se Garcia de Enterría sobre a alternância entre justiça constitucional e revisão constitucional e a importância dos papéis do Poder Constituinte, como limitador da função do Tribunal Constitucional, e do Poder Constituinte derivado, como controlador das decisões do Tribunal Constitucional e fixador de novos padrões constitucionais (La constitución como norma., cit., p. 201).

[30] Cf. Bacelar Gouveia, a ausência de sanções e responsabilização do responsável pelo ato político ou a sua inaplicabilidade, bem como a impossibilidade de responsabilizar civilmente o Estado determinariam o valor positivo do ato político inconstitucional. Em relação aos efeitos, o ato político (stricto sensu) constitucional e inconstitucional, quando incontroláveis, são similares, pois não suscitam reprovação do ordenamento jurídico. (O valor positivo do acto inconstitucional, Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, p. 39). Marcelo Rebelo de Souza prefere dizer que o ato inconstitucional permanece, nestas hipóteses, válido, pois a Constituição preferiu salvaguardar a função política da intervenção jurisdicional, o mesmo não se diz quanto à inexistência, v.g. os praticados sob coação física, os incoerentes, os que violem direitos fundamentais (O valor jurídico do acto inconstitucional, p. 303).

[31] Manuel Cavaleiro de Ferreira entende que pressupostos podem ser analisados de forma positiva ou negativa, não se distinguindo por isso. Tudo é questão de perspectiva (Curso de processo penal. Lisboa: Danúbio, 1986., V. I, p. 13.).

[32] Giuseppe Vergottini, Diritto constituzionale comparato, Padova: CEDAM, 1981, p. 4.

[33] Ibidem, p. 5.

[34] A fiscalização da Constitucionalidade. Uma Visão Panorâmica, in Sciencia Ivridica, T. XLII, 1993, n. 244/246, p. 166.

[35] Não se trata nem de um controle de constitucionalidade por via principal, como o originário da Áustria, nem do controle via incidental, não abstrato, desenvolvido nos Estados Unidos da América. Trata-se de um controle normativo concreto, com eficácia inter partes (Mauro Cappelletti, Il controllo giudiciario di constitucionalità delle leggi nel diritto comparato, Milano: Giuffrè, 1978, p. 101/103 e nota 21).

[37] A presunção iuris et iuris serve como obstáculo ao controle jurisdicional dos atos estatais em matéria constitucional. A presunção encobre possíveis violações da Constituição pelo legislador e impede a análise de atos de agentes estatais sob o prisma constitucional. A presunção de constitucionalidade seria verdadeira ficção, introduzida no ordenamento jurídico para impor coerência e uniformidade na interpretação da lei (Cf. A . Vanwelkenhuyzen La présomption de constitutionalité de la loi et du décret en droit belgue, in Les présomptions et les fictions en droit, Bruxelas: Établissement Émili Bruylant, 1974, p. 69/279 e Ch. Perelman, Présomptions et fictions en droit, essai de synthèse, in Les présomptions et les fictions en droit, Bruxelas, Établissement Émili Bruylant, 1974, p. 347).

[38] A presunção de constitucionalidade das leis e de atos de autoridade, conforme Cappelletti, é incompatível com sistemas jurídicos que adotam o controle de constitucionalidade difuso, como o norte-americano (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992, p. 77, 78 e 85).

[39] V. Cappelletti, O controle de constitucionalidade…, cit., p. 77,78,85.

[40] Consulte-se sobre o “tipo”como forma do pensamento Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 428, 670 e seguintes.

[41] A presunção de validade constitucional em favor de leis e atos de poder perdura no tempo até o acionamento do mecanismo de controle jurisdicional constitucionalmente previsto. Qualquer juiz tem competência para o exercício da jurisdição constitucional, seja por ação (remédios constitucionais, seja por exceção, razão pela qual a presunção não se traduz em privilégio mas em delimitação legal e constitucional de função) (V. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 53).

[42] No Steel Seizure case (1952), a Suprema Corte fixou o entendimento de que a princípio o Poder Executivo não está imune ao Judiciário, nem mesmo nas hipóteses de emergência, em que cabe unicamente ao chefe de governo efetivar medidas de urgência. Adnitir-se-ia, no contrário, supremacia do poder presidencial sobre a Constituição (V. Bernard Schwartz, American Constitutional Law, Cambridge: University Press, 1955, p. 204).

[43] V. Bernard Schwartz. Direito Constitucional Americano, Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 190/193.

[44] V. Jacques Lenoble, Crise du juge et transformation nécessaire du droit, in: La crise du juge (ed. J.Lenoble), Paris/Belgique: L.G.D.J.-Bruylant, 1996, p. 149.

[45] Fábio Konder Comparato. A “questão política” nas medidas provisórias, Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n. 10, 1º semestre de 2001, Rio de Janeiro: AMB.

[46] More Supreme than court? The fall of the political question doctrine and the rise of judicial supremacy, Rachel E. Barkow, in Columbia Law Review, V. 102, no. 2, março de 2002, p. 253.

[47] Robert J. Pushaw Jr, The presidential election dispute, the political question doctrine, and the fourteenth amendment: a reply to professors Krent and Shane, in: Florida State University Law Review, V. 29, p. 603.

[48] V. Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, cit., p. 505/506.

[49] Cf. Clelia Piperno, La corte constitizionale e il limite di political question, Milano: Giuffrè, 1991, p. 114.

[50] V. Mauro Cappelletti, El “Formidable problema”del control judicial y la contribucion del analisis comparado, in Revista de Estudios Políticos, n. 13, enero/febrero 1980, Centro de Estudos Constitucionales, p. 61. Já se afirmou que a Constituição americana garante a vida, a liberdade e a propriedade, mas não a inviolabilidade. Da cláusula do devido processo legal decorre que a liberdade das pessoas não poderá ser restringida de forma arbitrária ou caprichosa. Isto não significa, contudo, que o Estado jamais privará as pessoas da vida, liberdade ou propriedade. A atuação do Estado deve ser previsível, limitada em concreto, não se podendo garantir, todavia, que violações não aconteçam. Basta pensar que a luta contra a escravidão em alguns Estados americanos só foi possível mediante legislação complementar que possibilitou discernimento quanto às hipóteses de discriminação racial (Cf. Charles D. Cole, A proteção das liberdades., Revista Especial do Tribunal Regional Federal da Terceira Região.São Paulo:1999, p. 115/120). Também é consistente a afirmativa de que a idéia de limites materiais a uma mudança constitucional não existe no pensamento americano (V. Tércio Sampaio Ferraz, fundado em Loewenstein, Constituinte. Assembléia, Processo, Poder, São Paulo, RT, 1986, p. 68).

[51] É exemplo o caso Monica Lewinsky, no qual se pretendeu abalar mediante perseguição penal a força política do Presidente Clinton e que serviu a desencadear um movimento contra as imunidades de Presidentes, Ministros e titulares de função política ( Cf. J. M. Blanquer, Un jeu central: la responsabilité des Ministres. Ou comment éviter les pièges de l’illusoire VI e. Republique, in Revue du Droit Public de la science politique en France et à l’étranger, numéro spécial 1 /2, 2002). Outro exemplo recente pode ser o do Recall realizado na California, para destituição e substituição do Governador do Estado. O Governador Gray Davis foi preterido por Alnold Schwarzenegger (Folha On Line, BBC Brasil, Saiba mais sobre as eleições na Califórnia, da BBC, em Londres- texto obtido na internet, endereço:http://www.1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u24859.shtml24/10/2003).

[52] Rachel E. Barkow, op. cit.,p. 273.

[53] Consulte-se a decisão na internet no endereço <<http://pacer.mad.uscourts.gov/dc/cgi-bin/recentops.pl?filename=tauro/pdf/iraqappendix.pdf>>.

[54] Cf. James V. Calvi e Susan Coleman, op. cit., p. 11/15.

[55] Cf. Bernard Schwartz, Direito Constitucional Americano, cit., p. 190.

[56] Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1999, p. 26 e 27, mais p. 147 e Kelsen, Teoria Geral das Normas, cit., p. 359.

[57] Note-se, ainda, que tanto os juízes da Supreme Court como os juízes das Federal Courts são nomeados pelo Presidente, com o apoio e consentimento do Senado (Mauro Cappelletti, Il controlo giudiciario di constituzionalità., p. 79).

[58] Embora o sistema norte-americano de controle de constitucionalidade seja comparável ao espanhol e ao alemão, dado o controle em casos concretos, via incidental, e, em geral, à sistemática das cortes de cassação européias (como entende Cappelletti), existe uma peculiaridade que o faz se aproximar muito mais do modelo austríaco, pois não compete à Suprema Corte americana a função de cassação (V. Eugênio Raúl Zaffaroni, Poder Judiciário. Crise, acertos e desacertos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 66). Dalmo de Abreu Dallari, de seu lado, com fundamento em Allan Farnsworth (Introdução ao sistema jurídico dos Estados Unidos), afirma que o sistema de precedentes reduziu a autoridade das decisões individuais, mas que a doutrina do stare decisis nada mais propaga senão a idéia de que é preciso apoiar decisões e não investir contra pontos pacíficos. Assim, a doutrina tem autoridade relativa, pois o tribunal pode se recusar a usar o precedente (O poder dos juízes, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 70 e 71). É preciso atentar, no entanto, que o precedente tem eficácia erga omnes, o que o faz se aproximar do sistema concentrado (V. Cappelletti, Il controlo.,cit., p. 66).

[59] Bernard Schwartz, cit., p. 194.

[60] Cf Clelia Piperno. La corte constituzionale e il limite di political question, cit., p. 115.

[61] Recentemente, a Suprema Corte anunciou, em resposta a ação movida por 16 prisioneiros detidos em Guatánamo, em razão de operação militar no Afeganistão, que irá julgar o direito desses prisioneiros a submeterem-se à justiça norte-americana. A manifestação da Suprema Corte é criticada, por uns, por implicar em risco de interferência nos principais poderes de guerra do presidente, por outros é apoiada porque a intervenção acolheria a defesa de direitos humanos (artigo veiculado na Folha de São Paulo, terca-feira, 11 de novembro: “Prisioneiros capturados no Afeganistão e detidos em Cuba na luta para serem ouvidos na justiça americana. Suprema Corte vai analisar Guantánamo”). A decisão, parece, fixará novos limites à doutrina da political question, pois o caso é ambíguo: diz respeito à política de guerra e aos direitos e garantias individuais.

[62] Giovanni Bognetti. Introduzione al diritto constituzionale comparato (il metodo), Torino: G. Giappichelli Editore, 1994, p. 148/151.

[63] Ibidem, p. 155, nota 18.

[64] Cf. Eugênio Zaffaroni, Poder Judiciário. Crise, acertos e desacertos, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 106.

[65] José Luis Carro y Fernández-Valmayor, La doctrina del acto politico (especial referencia al derecho italiano), in Revista de Administración publica, no. 53, maio/agosto de 1967, Madrid: Instituto de Estudios Politicos, p. 104/105.

[66] Cf. C.M.G. Himsworth, La tutela cautelar en los procedimentos de judicial review en el Reino Unido, in La justicia administrativa en el derecho comparado (org. Javier Barnes Vazquez), Andalucia: Civitas, p. 538/541.

[67] Cf. Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, cit., p. 500/504.

[68] Lei sobre a Marinha Mercante, aprovada pelo Parlamento em 1988, que condicionava a utilização da bandeira britânica a navios de pesca de propriedade de empresas britânicas. Empresas espanholas estariam impedidas de pescar em mares britânicos pela nova lei.

[69] Cf. Fausto de Quadros, A nova dimensão do direito administrativo. O direito administrativo português na perspectiva comunitária, Coimbra: Almedina, 1999, p. 30.

[70] C.M.G. Himsworth, La tutela cautelar en los procedimentos., cit., p. 542.

[71] Ibidem, p. 543.

[72] Note-se que na Inglaterra expandiu-se uma jurisdição administrativa da competência de ministros e outros órgãos do Executivo (V. Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, cit., p. 395, nota 45).

[73] Cf. Dawn Oliver, Pourquoi n’y a-t-il pas vraiment de distinction entre droit public et droit privé en Englaterre?, in Revue Internationale de Droit Comparé n. 2, avril/juin 2001, p. 330.

[74] Idem, p. 337.

[75] Santaolalla López, cit. p. 126 e 127.

[76] Mauro Cappelletti, Il controlo giudiziario di constituzionalità delle leggi nel diritto comparato, Milano: Giuffrè, 1978, p. 5.

[77] Em 29 de outubro de 1997, promulgada a lei de reforma do service national, o Conseil Constitutionnel se negou a aferir a constitucionalidade da lei (Cf. Catherine- Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: analyse comparative de deux conceptions du constitutionnalisme, in Revue du Droit Public n. 4, 2001, p. 1170).

[78] Cf. Catherine-Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: analyse comparative de deux conceptions du constitutionnalisme, in Revue du Droit Public n. 4, 200.

cit. p. 194.

[79] Essas foram as palavras de Jacques Chirac, em 5 de janeiro de 2001, ao invocar o espírito de justiça e o respeito por aqueles que dizem o direito. Cf. Catherine- Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: analyse comparative de deux conceptions du constitutionnalisme, in Revue du Droit Public n. 4, 2001, p. 1168.

[80] Considerazione sugli atti di governo e sull’atto politico. L’esperienza., cit., p. 123/124.

[81] Cf. Jérôme Montes, Le retour du “gouvernement des juges”. Analyse comparée de la juridicisation de la vie politique dans la France et l ‘Espagne contemporaines, in Revue de Science Criminelle et de Droit Pénal Comparé n. 2, avril/juin 2002, p. 294.

[82] Cf. Michel Fromont, Les pouvoirs d’injonction du juge administratif en Allemagne, Italie, Espagne et France. Convergences, in Revue Française de Droit Administratif, Paris: Dalloz, ano 18, no. 3, maio/junho de 2002, p. 552.

[83] Cf. Gérard Teboul. Nouvelles réflexions sur le droit international non écrit dans la jurisprudence du juge administratif et du juge judiciaire français, in Revue du Droit Public de la Science Politique en France et à l’Étranger, n. 4, Juillet/Août 2001, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, p. 1112.

[84] Cf. Gérard Teboul, op. cit., p. 1138.

[85] Mas, conforme a doutrina, a decisão do Conseil Constitutionnel recebeu influência momentânea, direta, do caso Lewinsky, pois a decisão teria sido proferida logo no momento em que o Presidente Clinton estava ameaçado de perder o cargo. Decidiu-se, então pela manutenção da imunidade penal dos Chefes de Estado em exercício (Consulte-se Élisabeth Zoller, La justice comme contre-pouvoir: regards croisés sur les pratiques americaine et française, in Revue Internationale de Droit Comparé, n. 3, juillet/septembre 2001, Paris: Centre Français de droit comparé, p. 572).

[86]Conforme Gérard Teboul, cit. p. 1118.

[87] Cf, Jérôme Montes, Le retour., p. 294, nota 6.

[88] Cf. Jérome Montes, cit., p. 298.

[89] Vários juízes de intrução declararam-se incompetentes para ouvir o Presidente como testemunha ou para o processar penalmente.

[90] Cf. Jérôme Montes, Le retour du ‘gouvernement des juges’. Analyse comparée de la jurisdicisation de la vie politique dans la France et l’Espagne contemporaines, p. 300 e 301, in Revue de Science Criminelle et de droit Pénal Comparé, n. 2, avril/juin 2002 e Valentine Buck, Chronique de droit constitutionnel pénal comparé, in Revue de science criminelle et de droit pénal comparé, n 3, 2002, p. 678.

[91] Ibidem, p. 1123.

[92] Michel Fromont, Les pouvoirs d’injonction ., cit., nota 23.

[93] V. García de Enterría Democracia, jueces y control., cit., p. 281.

[94] Mauro Cappelletti, Il “formidable problema”del control judicial y la contribucion del analisis comparado, p. 76.

[95] Tal orientação, em linhas gerais, pode ser explicada pelos pensamentos de Kelsen e Radbruch (Cf. Winfried Hassemer, Control de Constitucionalidad y Proceso Político, in Persona y Derecho 45, 2001, p. 119/121.

[96] Jutta Limbach, op. cit., p. 118/119.

[97] Cf. Peter Häberle, op. cit., p. 200.

[98] V. García de Enterría, Democracia, jueces y control., p. 282.

[99] Artigo 93.

[100] Karl Loewenstein, op. cit, p. 322.

[101] A “questão política” nas medidas provisórias, in: Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n. 10, 1º semestre de 2001, Rio de Janeiro: AMB, 103.

[102] Cf. Jutta Limbach, Papel y poder del tribunal constitucional, In Teoría y realidad constitucional, no. 4, 2º semestre de 1999, Universidad Nacional de Educación a Distancia, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, p.99; Peter Härbele, El recurso de amparo en el sistema germano-federal de jurisdicción constitucional, in Revista Jurídica de Macau, O Direito de Amparo em Macau e em Direito Comparado, no. especial, 1999, p. 216. Afirma Winfried Hassemer que o Tribunal Constitucional não pode simplesmente renunciar a se manifestar sobre questões políticas a ele submetidas e invocar a teoria da political questions, mas pode desenvolver um proceder de forma a não entrar diretamente no âmbito da decisão política (Control de constitucionalidad y proceso político, Persona y Derecho, Revista de las instituciones jurídicas y de derechos humanos, no. 45, Universidad de Navarra, 2001, p. 129/130.

[103] Certa margem residual é deixada em favor dos atos reservados aos órgãos constitucionais e aos atos de governo, como os atos de relações internacionais, pois só a eles seriam creditados interesse legítimo e lesão a direito próprio (V. García de Enterría, Democracia, jueces y control., p. 282, nota 8).

[104] Posição semelhante foi adotada pelo Tribunal Supremo espanhol nos casos de atos de classificação de documentação secreta, como se verá adiante (V. García de Enterría, Democracia, Jueces y control., p. 329, nota 3).

[105] Ibidem, p. 202 e 221.

[106] Winfried Hassemer, op. cit., p. 131.

[107] Jutta Limbach, op. cit., p. 93

[108] Cf. Peter Härbele, op. cit., p. 184.

[109] Cf. Jutta Limbach, op. cit. p. 96.

[110] Enrique Garcia Llovet, Control del acto politico y garantia de los derechos fundamentales. El derecho a un proceso sin dilações indevidas, in Revista Española de Derecho Constitucional, ano 12, no. 36, setembro/dezembro de 1992, Centro de Estudios Constitucionales.

[111] Cf. Michel Fromont, “Les pouvoirs d’injonction du juge administratif en Allemagne, Italie, Espagne et France. Convergences”, in Revue Française de droit administratif, Paris: Dalloz, ano 18, no. 3, mai/juin 2002, p. 551/560.

[112] Cf. Giuseppe di Gaspare, Considerazione, cit., p. 156 e José Luis Carro y Fernández-Valmayor, La doctrina del acto politico (Especial referencia al Derecho italiano), in Revista de Administração Pública 53, Mayo/Agosto 1967, Madrid: Instituto de Estudios Políticos, p. 93. Incluíam-se na categoria os decretos-leis, os decretos legislativos e apreciação de fundamentos para a declaração de estados de exceção.

[113] Cf. José Luis Carro y Fernández-Valmayor, La doctrina del acto politico (Especial referencia al Derecho italiano), in Revista de Administração Pública 53, Mayo/Agosto 1967, Madrid: Instituto de Estudios Políticos, p. 89.

[114] Ibidem.

[115] Nascida no âmbito da atividade policial repressiva entre 1974 e 1978, firmado na atividade judiciária no final de 1979, com as leis antiterrorismo, ampliado nos anos oitenta à repressão da máfia, trafico internacional de drogas e de armas, da criminalidade econômico –financeira, da corrupção política e administrativa (V. Luigi Ferrajoli. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, (trad. Ana Paula Zomer e outros), 2002. P. 656/659).

[116] Cf. Luigi Ferrajoli. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, (trad. Ana Paula Zomer e outros), 2002, p. 564/565.

[117] As garantias processuais de liberdade e de verdade servism aos processos ordinários, não àqueles chamados excepcionais. Idem, p. 667.

[118] V. Cappelletti, Proceso, ideologías, sociedad, p. 504 e 505.

[119] Ibidem, p. 506.

[120] V. Giuseppe Vergottini, Diritto Constituzionale, Milani: CEDAM, 1997, p. 549.

[121] Giuseppe di Gaspare, Considerazione., cit., p. 184.

[122] Fábio Konder Comparato, A “questão política”nas medidas provisórias: um estudo de caso, texto obtido na internet, ANPR on line (Associação dos Procuradores da República on line cit.

[123] Paolo Barile, op. cit., p. 224.

[124] Consulte-se Temistocle Martines, op. cit.

[125] De tal forma que a decisão política precede e dá contornos à legislação, à jurisdição e à execução (administração), sucessivamente.

[126] Consulte-se Paolo Tonini, A prova no processo penal italiano, São Paulo: RT, 2002.

[127] Mauro Cappelletti, “El formidabile problema”., cit., p. 82.

[128] Pasquale Pasquino, Tipologia della giustizia constituzionale in Europa, in Rivista Trimestrale di Diritti Publico, n. 2, 2002, (dir. Sabino Cassese).

[129] Cappelletti, Proceso, ideología, sociedad, cit., p. 516.

[130] Ibidem, p. 518.

[131] Consulte-se Giuseppe Tarzia, Providências Cautelares Atípicas (uma análise comparativa), in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XL, n. 1 e 2, 1999, Coimbra: Coimbra Editora, p. 244.

[132] Cf. Michel Fromont, Les pouvoir., p. 554.

[133] Ibidem, p. 368.

[134] Antonio Embid Irujo, La justiciabilidad de los actos de Gobierno (De los actos políticos a la responsabilidad de los Poderes públicos), in: Documentación Administrativa n. 220, Octubre/Diciembre 1989, Instituto Nacional de Administración Pública, p.23 e 24.

[135] Ibidem, p. 26 e 27.

[136] Cf. García de Enterría seriam os atos do Chefe de Estado, do Conselho de Ministros com as Cortes e o Parlamento. Tratam-se de atos não imputados à Administração, mas ao Estado, pessoa jurídica de direito internnacional e titulares de funções supremas da Administração em cumprimento de funções constitucionais (La lucha contra las immunidades del Poder en el derecho administrativo, Madrid: Editorial Civitas, S.A., 1989, p. 60 e 61.

[137] Ibidem, p. 61.

[138] Ibidem, p. 66.

[139] Ibidem, p. 30.

[140] V. Eduardo García de Enterria, Democracia, jueces y control de la Administración, Madrid:Edittorial Civitas, 4ª ed, 1998, p. 160 e 161

[141] Catherine-Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: Analyse comparative de deux conceptions du constitutionnalisme, in Revue du Droit Public n. 4, 2001, p. 1205. O recurso de amparo constitucional traça uma linha fronteiriça entre jurisdição e administração. Visa acautelar com máxima proteção jurisdicional direitos fundamentais e liberdades públicas (Antonio Fernández de Buján, Los principios informadores de la jurisdicción voluntaria: una propuesta de futuro. In: Derecho y Proceso, Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de Madrid, n. 5, 2001, p. 89/147).

[142] O Tribunal Constitucional, em uma de suas decisões, permitiu ao governo basco manter uma repartição junto às comunidades européias, mesmo contra disposição constitucional que atribui ao governo central promover relações internacionais. Também foi política a decisão de anular pena imposta pelo Tribunal Supremo a acusado de colaborar com o ETA (V. Jerôme Montes, Le retour du “governement des juges”de la vie politique dans la France et l’Espagne, p. 296).

[143] V. Catherine-Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: Analyse comparative de deux conceptions du constitutionnalisme, Revue du Droit Public n.4, 2001, p. 199/1202.

[144] V. Enrique Garcia Llovet, Control del acto politico y garantia de los derechos fundamentales. El derecho a un proceso sin dilaciones indebidas. A propósito de la STC 45/1990, de 15 de marzo, in Revista Española de Derecho Constitucional, Año 12, n. 36, Septiembre- Diciembre, 1992, Centro de Estudios Constitucionales, p 277/297.

[145] Já era polêmica a qualificação como ato político do ato de classificar informações como secretas, impedindo-se-as de serem difundidas e transmitidas a terceiros, inclusive o judiciário (V. García de Enterría, Democracia, Jueces y control., cit., p. 305, nota 1).

[146] Relatado por Fernando Santaolalla López com críticas no sentido de se fazer necessária a defesa do Estado de Direito, da ordem constitucional e da liberdade social ( Actos políticos, inteligencia nacional y estado de derecho, in Revista Española de Derecho Constitucional, Año 22, n. 65, Mayo/Agosto 2002, Madrid: Centro de Estudios Políticos Constitucionales, p. 109).

[147] Note-se que o Defensor de Pueblo insurgira-se em 1995 contra lei de 1978, antterior à Constituição, que criava uma zona de imunidade ao judiciário, penal e contencioso-administrativo, na investigação de delitos muito graves ao prever a incontrolabilidade dos atos de classificação de segredos oficiais, atribuídos ao Conselho de Ministros e à Junta de Chefes do Estado Maior (Cf. García de Enterría, Democracia, jueces y control., p. 278 e 279, nota 3).

[148] Michel Fromont, Les pouvoirs d’injonction., cit., p. 558.

[149] Cf. Santaolalla López, cit., p. 118 e 119.

[150] Curso de Direito Administrativo Comparado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 156 e 157.

[151] Diritto constituzionale comparato, Padova: Cedam, 1981, p. 124.

[152] É o caso dos atos institucionais da ditadura brasileira e do governo militar argentino (Cf. Agustín Gordillo, Tratado de Derecho Administrativo, T. 2, Belo Horizonte: Del Rey y YF.D.A, 2003, capVIII, p. 2. Sobre a condição humana como limite ao cumprimento de acordos em cooperação internacional, ver Raúl Cervini e Juarez Tavares, Princípios de cooperação judicial penal innternacional no protocolo do Mercosul, São Paulo: Revista dos Tribunnnais, 2000, p. 199.

[153] El Control Jurisdiccional de la Constitucionalidad de las Leyes. Una Constribuición de las Américas a la Ciencia Política, Publicación de la Faculdad de Derecho de México, 1963.

[154] Il controllo giudiziario di constituzionalità delle leggi nel diritto comparato, cit., p. 28.

[155] Idem, p. 50, nota 1.

[156] Idem, p. 51, nota 3.

[157] Proceso, ideologias, sociedad, Buenos Aires: Ediciones juridicas Europa-América, 1974, p. 30.

[158] Cândido Rangel Dinamarco, A função das cortes supremas na América Latina, Relatório latino-americano para o Congresso de Associação Internacional de Direito Processual. Artigo colhido na internet no dia 25.02.03, no endereço <<http://www.forense.com.br/atualida/artigos_dgd/ef08b9.htm>>.

[159] Impulsionada principalmente sob a perspectiva do Mercosul, projeto incipiente de formação de um mercado comum entre Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, que, ainda longe de se fixar como ente supranacional, tem significado apenas como organização intergovernamental e resultados práticos apenas no âmbito aduaneiro. A conformação atual do Mercosul não implica em aplicação direta de princípios e normas nele fixados, nem primazia destes sobre o direito interno. Inexistem um espaço jurídico integrado e instância jurisdicional, consultiva ou contensiosa (Cf. ( Raúl Cervini e Juarez Tavares: Princípios de cooperação judicial penal internacional no protocolo do Mercosul, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 26 e 27).

[160] Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de 1969.

[161] Está no artigo 25 da Convenção o direito a recurso efetivo contra violação de direitos fundamentais, mesmo que tal violação tenha sido cometida por pessoas atuando no exercício de suas funções oficiais.

[162] Cf. Dinamarco, A função das cortes supremas na América Latina, cit.

[163] Consulte-se Pablo Pérez Tremps, La justicia constitucional en la actualidad. Especial referencia a América Latina, in revista eletrônica do Instituto de Derecho Público Comparado de la Universidad Carlos III de Madrid, n. 2, 2003, p. 2, obtido no endereço: <<http://www.uc3m.es/uc3m/inst/MGP/JCI/revista-02art-pptl.htm>>.

[164] Idem.

[165] Rui Barbosa, a partir de estudo de Jhering, de que nos tribunais eclesiásticos, no direito canônico, podia-se encontrar a utilização de um interdito possessório, de forma sumaríssima, para a defesa da posse de coisas incorpóreas, direitos, pôs em prática procedimentos de subjetivação do direito natural. Tratavam-se tais procedimentos de verdadeiros mandados de manutenção, expedidos contra a turbação de direitos incorpóreos e pessoais. A prática da argumentação nos foros brasileiros serviu a solucionar casos de cativeiro civil, escravidão, perda absoluta do direito à liberdade, relações entre senhor e escravo e levou a estender o remédio possessório a invasões no domínio da liberdade, inclusive no âmbito político, em que Rui Barbosa sustentava a utilização do mandado de segurança para a manutenção do titular de cargo político no exercício de suas funções (Rui Barbosa, Posse de direitos pessoais, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 1-60). Atesta Paulo Bonavides que as conclusões de Rui Barbosa, no contexto do liberalismo, são plenamente aplicadas à proteção e garantia de direitos no plano social (Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 292).

[166] Consulte-se Cândido Rangel Dinamarco. Instrumentalidade do processo, in Ciclo de Conferências para juízes federais, Série de Cadernos do Conselho da Justiça Federal (Centro de Estudos Judiciários), n. 8, 1995, p. 115. Na Argentina, a denominação que se dá a este fenômeno é : “derechos de incidencia colectiva” (Cf. Gordillo, Tratado de derecho administrativo., cit., Cap. VIII, p. 15.

[167] Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, ao analisar o mandado de segurança brasileiro, se referiu ao habeas corpus no direito brasileiro como um recurso que associa três recursos distintos: o de inconstitucionalidade, o de proteção às garantias e o de cassação de atos e/ou rescisão de julgados (El mandato de seguridad brasileño. Estudios de teoría general e historia del proceso (1945-1972), Tomo II. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992, p. 653). Sobre a abrangência do habeas corpus e do mandado de segurança como contramedida de execução, leia-se Luís Eulálio Bueno Vidigal, Do mandado de segurança, São Paulo, 1958, p. 60, 61 e 111 (ressalvando que o mandado de segurança só é possível contra autoridades judiciárias quando estiverem praticando ato meramente administrativo); Alfredo Buzaid, Juicio de Amparo e mandado de segurança, in Estudos de direito processual in memoriam do ministro Costa Manso, São Paulo: RT, p. 52 e seguintes; Alcalá- Zamorra y Castillo, El mandato de seguridad brasileño, in Estudios de teoría general e historia del proceso (1945-1972), México, 1992, Tomo II, p. 656/657.

[168] V. Francisco Fernández Segado, El control de la constitucionalidad en Iberoamérica: sus rasgos generales y su genesis en el pasado siglo, in Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, (org. Jorge Miranda), Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 967.

[169] São os chamados interesses de massa (defesa do ambiente, tutela do consumidor, saúde, informação.) que, “por sua configuração coletiva e de massa, caracterizam-se por uma conflituosidade, também de massa, que não se coloca no clássico contraste indivíduo X autoridade, mas que é típica das escolhas políticas” (V. Ada Pellegrini Grinover, A problemática dos interesses difusos, in: A tutela dos interesses difusos. São Paulo, Max Limonad, 1984, p.31). Tais instrumentos processuais foram moldados conforme o direito norte-americano e o italiano, contudo, têm sido utilizados na América Latina como instrumentos primários de implementação de políticas públicas, não como instrumentos subsidiários, o que implica em ausência de mediação legal ou política. A ação jurisdicional passa a ser concebida como principal instrumento de participação política. Um problema de ineficácia do poder legislativo ou do poder executivo se transforma diretamente em um problema de controle jurisdicional de constitucionalidade de funções políticas, com extensão às vezes ilimitada. Prevalece, nessa sistemática a supremacia do judiciário sobre os demais poderes. A Constituição brasileira é sintomática ao estabelecer como crime de responsabilidade do Presidente atentar contra leis e decisões judiciais (art. 85, VII).

[170] V. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Políticas públicas. A responsabilidade do administrador e o Ministério Público, São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 111/116. No Brasil este fenômeno é potencializado em razão da previsão na Constituição dos direitos sociais junto aos direitos fundamentais clássicos. Tratamento este não comum na maior parte das Constituições e que tem como resultado evidenciar a eficácia dos direitos sociais a partir da garantia jurisdicional e não por meio de implementação das diretivas constitucionais ( V. Peter Häberle, Dignità dell’uomo e diritti sociali nelle constituzioni degli stati di diritto, in Constituzione e diritti sociali. Per un approccio interdisciplinare, Institut du Fédéralisme Fribourg Suisse: Éditions Universitaires Fribourg Suisse, Etudes et colloques, V. 2, 1989).

[171] Efeito contrário à jurisdicionalização da inconstitucionalidade das políticas públicas é a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo, prevista na emenda 3 à Constituição brasileira, de 17.3.93, que impossibilita preventivamente ações de inconstitucionalidade futuras em relação a política a ser empreendida (V. Fábio Konder Comparato, Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. Direito administrativo e constitucional, (org.) Celso Antônio Bandeira de Mello, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 357).

[172] Il controllo giudiziario di costituzionalità., cit., p. 63.

[173] Note-se, conforme Zaffaroni, o Judiciário, na América Latina, ao contrário do Judiciário do pós-guerra na Europa, sempre teve seus órgãos de cúpula controlados pelos políticos e ditadores que jamais sentiram a necessidade de horizontalizar, ou distribuir organicamente o poder dessas cúpulas. O órgão jurisdicional hierarquicamente inferior era submetido a intenso controle vertical (Cf. Zaffaroni, Poder Judiciário., cit., p. 119). Daí a importância conferida ao controle difuso e à independência do magistrado singular na interpretação da Constituição. À primeira vista concebida como temerária, ou causadora de intranqüilidade, a politização do judiciário surgiu como fuga da estrutura hierarquizada e afirmação da independência e autonomia do Judiciário frente aos demais poderes. A situação, no entanto, tem mudado. São exemplos do papel das cortes constitucionais na luta pela democracia: a corte da Guatemala, ao reagir contra o golpe de estado pelo próprio Presidente Serrano e a oposição dos juízes constitucionais no Peru à ditadura do Presidente Fujimori. Embora o último caso tenha resultado em expulsão dos magistrados pelo Congresso e o Tribunal Constitucional tenha se negado, em amparo, a entrar na questão com fundamento na doutrina das political questions, os magistrados foram, posteriormente, reintegrados (V. Pablo Pérez Tremps, cit., p. 2 e César Landa, Justicia constitucional y political questions, in Anuario iberoamericano de justicia constitucional, 4, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2000, p. 174). Na Venezuela, o controle da Corte Suprema pelo atual Presidente Hugo Chávez, é utilizado como garantia à oposição, articuladora de referendo para o afastar do cargo. Em 24 de outubro de 2003, a maioria parlamentar aprovou a ampliação do número de juízes da Corte Suprema. Os novos juízes serão indicados por partidários de Chávez, o que permitirá bloquear a convocação do referendo (Cf. artigo veiculado na Folha de São Paulo, em 25 de outubro de 2003, Sábado, sob o título: “Chávez aumenta número de juízes na Corte Suprema venezuelana). Na Argentina, o movimento é em sentido contrário dado o critério de nomeação dos juízes da Corte Suprema (pelo Executivo). Desde a posse do presidente Néstor Kirchner três juízes nomeados por Carlos Menem não se sustentaram no cargo. A Suprema Corte passa por reformas de modo a firmar sua independência perante o Executivo. O novo membro da Suprema Corte, Eugênio Zaffaroni, passou por período de aprovação pela sociedade civil e, ao ser sabatinado pelo Senado, afirmou: “O Poder Judiciário cumpre uma função política. Cada sentença é um ato de governo” (Artigo de autoria de Elaine Cotta: Cai outro ministro do Supremo argentino, veiculado na Folha de São Paulo, Sexta-feira, 24 de outubro de 2003). No mesmo país, em agosto de 2003, o Senado anulou leis de anistia de torturadores do regime militar (“lei da obediência devida”) usurpando da competência da Suprema Corte de Justiça. Tal conduta do Senado foi entendida como forma de pressionar a Suprema Corte a declarar a inconstitucionalidade da lei e de possibilitar o julgamento de anistiados na Argentina, dada a negativa de extradição dos mesmos à Espanha e à França pelo Presidente atual (artigo de Elaine Cotta: “Senado da Argentina anula leis de anistia”, veiculado na Folha de São Paulo, Sexta-feira, 22 de agosto de 2003). No Chile, em 1990, a Corte Suprema julgou constitucional a lei de Anistia que estabelecia imunidades retroativas para os crimes cometidos na ditadura durante o período de 1973 a 1978. Em julho de 1999, a Corte Suprema reinterpretou a lei de Anistia para excluir o caso de 19 pessoas desaparecidas, o que configuraria um seqüestro continuado. A Comissão Interamericana de direitos humanos tem recebido reclamações de familiares das pessoas morta durante a ditadura por violação do direito de acesso à justiça. Há decisões no sentido de que o Estado chileno violou disposições da Convenção Americana de Direitos do Homem (internet,http://www.cidh.oas.org/annualrep/2003port/Chile.11725.htm, obtido em 25/11/2004).

[174] Cf Raúl Cervini e Juarez Tavares, Princípios de cooperação judicial penal internacional., cit., p. 109. Assentam, ainda os autores, que tais unidades administrativas seguem o modelo daquelas introduzidas no direito europeu pela Convenção de Haia sobre “Reconhecimento e notificação de atos no estrangeiro em matéria civil e comercial”, de 1965. Entre outras funções, seria atribuição destes órgãos servir como órgão de tramitação de rogatórias, em substituição à via diplomática ou consular, eficácia de sentenças estrangeiras, cumprimento de medidas cautelares, como buscas e apreensões (op. cit., p. 109, nota 13).

[175] Ibidem, p. 139/139.

[176] A situação é ainda mais grave quando o acordo entre “Autoridades Centrais” objetivar prisão ou detenção de pessoas (sem processo de extradição), busca e apreensão de crianças, obtenção de provas, traslado de testemunhas ao Estado estrangeiro, entrega de documentos sob sigilo e seqüestro de bens. Medidas irreversíveis sem a contramedida ou responsabilização. E tudo isto com a possibilidade da presença de funcionários estrangeiros durante o cumprimento das medidas (V. Raúl Cervini e Juarez Tavares, Princípios de cooperação., cit., p. 146/148).

[177] Vêm de longe iniciativas nos países latino-americanos para esclarecimento de mortes, desaparecimentos, torturas e perseguições realizadas durante os regimes militares. Informações sobre a “Operação Condor”, em que Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia teriam cooperado para a perseguição de opositores aos regimes militares (entre 1970 e 1989) foram publicizadas pela liberação de relatórios produzidos pela agência de inteligência dos Estados Unidos (Consulte-se Folha de São Paulo, 22 de maio de 2000 “Telegrama confirma ação com Uruguai”, de Luiz Antônio Ryff e Mário Magalhães. A fim de esclarecer e reparar abusos cometidos nestes períodos, informações têm sido solicitadas pelos judiciários dos diversos países).

[178] Denominado na doutrina estrangeira como o ”direito à autodeterminação informativa, sobre a informação ou informacional “ (Recht auf informationnelle Selbstbestimmung), definido pelo Tribunal Constitucional alemão como “um direito fundamental que garante ao indivíduo a competência para em princípio ser ele próprio a decidir sobre a utilização e divulgação dos seus dados pessoais”, conforme José Eduardo Figueiredo Dias, Direito à informação, protecção da intimidade e autoridades administrativas independentes, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001.

[179] Senado da Argentina anula leis de anistia, por Elaine Cotta, Folha de São Paulo de 22 de agosto de 2003.

[180] Leia-se Folha de São Paulo, 28 de outubro de 2004, “Ministros discutem mudança em lei para ampliar acesso a arquivos”, por Eliane Cantanhêde e Folha de São Paulo, 17 de novembro de 2004, “Bastos quer abertura sem ‘traumas’e ‘sustos’”, por Iuri Dantas.

[181] Basta pensar que o atual Presidente segue a política de autoproteção do governo e de seus membros conformada no final do anterior governo. Aproveitando-se da lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002, publicada em governo anterior, o Presidente equiparou, por meio da Medida Provisória 207, o cargo de Presidente do Banco Central ao cargo de Ministro, garantindo-lhe foro privilegiado para ações criminais e mandado de segurança. O Foro privilegiado mais o segredo quanto à política econômica programada, assegurado no decreto sobre sigilo, garante, por assim dizer, proteção quanto à responsabilização. Note-se, ainda, que quanto aos documentos da ditadura há, em tramitação, ação civil pública em que liminar foi concedida para que se analisem frente à Constituição os motivos da decretação do sigilo de cada documento. Ver Folha de São Paulo, 13 de novembro de 2004, “Sigilo protege militares, diz procurador”, por Fábio Amato.

[182] A ausência de tais condições implica em extinção do procedimento sem julgamento de mérito. No direito argentino Gordillo se refere a denegação in limine litis dos juicios de amparo e das ações ordinárias (Tratado., cit., Cap. VIII, p. 8). Dalmo de Abreu Dallari se refere a um “legalismo formal” agravado na América Latina pela influência da Teoria Pura do Direito de Kelsen (O Poder dos Juízes, cit., p. 82 e 83).

[183] Assim, na América Latina, sobretudo, a implementação da Constituição e o reconhecimento de direitos subjetivos dela decorrentes não se verifica com a ampliação do direito material constitucional, mas com o direito processual.

[184] V. Peter Häberle, Dignità dell’uomo e diritti sociali nelle constituzioni degli stati di diritto, in Constituzione e diritti sociali. Per un approccio interdisciplinare, Institut du Fédéralisme Fribourg Suisse: Éditions Universitaires Fribourg Suisse, Etudes et colloques, V. 2, 1989.

[185] Tratado., cit., cap VIII, p. 30.

[186] O controle de constitucionalidade difuso foi adotado pela Alemanha na Constituição de Weimar e na Itália no período entre 1948 e 1956 (V. Mauro Cappelletti, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, trad. Aroldo Plínio Gonçalves e revisão de José Carlos Barbosa Moreira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992, p. 77 e 78).

[187] Cf. Mauro Cappelletti. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, cit., p. 85.

[188] V. Garcia de Enterría, La constitución como norma., cit, p. 154. Consulte-se, também Catherinne- Amélie Chassin, Conseil constitutionnel français et Tribunal constitutionnel espagnol: analyse comparative., p. 1190.

[189] Mesmo que se recorra à idéia de constituição material, como limite ao ato político (no caso, ratificação de tratado) há de se prever instrumentos que lhe garantam eficácia. Outra solução seria a de se caracterizar a incompatibilidade como um problema de ilegalidade sui generis, entre lei e tratado, rejeitando-se a qualificação de inconstitucionalidade. A cláusula constitucional aberta para a incorporação de tratados não equivaleria à constitucionalização formal (V. Jorge Miranda, Manual., T. VI, p. 25 e 26). Nesta perspectiva, a invalidade de atos políticos não se esgotaria toda em inconstitucionalidade, mas, também em ilegalidade “sui generis”.

[190] Gomes Canotilho, Direito Constitucional., p. 922 e 933. O menos aceitável, segundo Jorge Miranda, seria conceber uma questão de inconstitucionalidade como questão prejudicial a ser resolvida perante o Tribunal de Justiça das Comunidades (Manual., T. VI, p. 170).

[191] V. Jorge Miranda, Manual., T. VI, p. 170.

[192] Note-se que a atividade política de governo se materializa e se executa através da Administração que ele dirige. Função administrativa não se distingüiria de função governativa na medida em que ambas se concertizam pela atividade administrativa (V. Carmen Chinchilla, Blanca Lozano e Silvia del Saz, Nuevas perspectivas del derecho administrativo. Tres estudios, Madrid: Editorial Civitas S.ª, 1992, p. 192. F. Garcia de Enterría, a posição do direito comunitário também refuta a doutrina dos atos de governo, em matéria política e internacional (Democracia, Jueces y control de la Administración, Madrid: Civitas, 1998, p. 283)).

[193] V. Robert Alexy sobre vícios jurídico-constituionais, de subsunção e de ponderação, de procedimento (meios utilizados) ou de resultado (antijuridicidade material), por violação de direitos fundamentais ou de outras normas constitucionais ( Vícios no exercício do poder discricionário, in: Revista dos Tribunais, no. 779, setembro de 2000, São Paulo: RT, p. 31/43).

[194] A incorporação de remédios constitucionais ou de medidas cautelares garantidoras de direitos dos particulares tem como conseqüência a valoração e extensão da liberdade jurídica no ordenamento, em conformidade com o sentido constitucional (liberdade negativa, liberdade participação e liberdade positiva) e a reversão de imunidades ou presunção absoluta de constitucionalidade (V. sobre as conseqüências de se assumir a preferred position dos direitos fundamentais Garcia de Enterría, La constitución., p. 144 e seguintes). Alerta Robert Alexy para o fato de que toda negativa de jurisdicionalização de conflitos ou de problemas jurídico-constitucionais, se resolve em abolição do direito constitucional. Só com ampla jurisdicionalização, garante-se a força vinculativa da Constituição (Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático, in Revista de Direito Administrativo n. 217, Rio de Janeiro, julho/setembro de 1999, p. 74).

[195] Cf. Eugenio Zaffaroni, Poder Judiciário. Crise, acertos e desacertos, cit., p. 75.

[196] A jurisdição constitucional numa versão substancial permitiu uma abertura de horizontes tal qual sintetizada por Ferrajoli. Leia-se: “El constitucionalismo, tal como resulta de la positivización de los derechos fundamentales como límites y vínculos sustanciales a la legislación positiva, corresponde a una segunda revolución en la naturaleza del derecho que se traduce en una alteración interna del paradigma positivista clásico. Si la primera revolución se expresó mediante la afirmación de la omnipotencia del legislador, es dicir, del principio de mera legalidad (o de legalidad formal) como norma de reconocimiento de la existencia de las normas, esta segunda revolución se há realizado com la afirmación del que podemos llamar principio de estricta legalidad (o de legalidad sustancial). O seja, com el sometimiento también de la ley a vínculos ya no sólo formales sino sustanciales impuestos por los principios y los derechos fundamentales contenidos en las constituciones. Y si el principio de mera legalidad había producido la separación de la validez y de la justicia y el cese de la presunción de justicia del derecho vigente, el principio de estricta legalidad produce la separación de la validez y de la vigencia y la cesación de la presunción apriorística de validez del derecho existente” (Luigi Ferrajoli, Derechos y garantías, cit., p. 66).

[197] Note-se que Paulo Bonavides entende ser plenamente possível a subjetivação de direitos sociais com a utilização de instrumentos reservados à proteção dos direitos individuais (Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 292).

[198] V. Castanheira Neves, no sentido de que toda questão de fato é correlativa a uma questão de direito, pois ambas se unificam na perspectiva do direito em abstrato (Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 165. C Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 292). Consulte-se Dalmo de Abreu Dallari sobre o controle intra-órgão de constitucionalidade no poder judiciário (O controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, In: O Poder Judiciário e a Constituição. Coleção Ajuris n. 4. Porto Alegre: Ajuris, 1977, p. 160)

[199] Curso de direito constitucional positivo, cit., 1994, p. 53.

[200] Terminologia utilizada por Gomes Canotilho, Direito Constitucional., p. 919.

[201] Vicente Greco Filho esclarece a divergência: “Interessante notar a posição de AGUSTIN GORDILLO, que nega a própria presunção de legitimidade do ato administrativo e consequentemente a executoriedade, que fica reduzida aos casos expressos em lei, com fundamento no sistema administrativo anglo-saxão, e as garantias individuais. Esta posição, porém parece-nos extremada e mesmo inaceitável. A Administração, porque tutela interesses públicos, está em situação de desequilíbrio jurídico em face dos particulares que se encontram resguardados pelas garantias e direitos individuais. Em tudo o que não afetar esses direitos e garantias, predomina o interesse geral de que o Estado é instrumento, em relação ao qual vigora o princípio da isonomia, aplicável entre particulares. Como bem diz JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, a Administração assume posição de privilégio perante o administrado, podendo, por isso, executar seus próprios atos, coativamente, sem apoio em título prévio expedido pelo judiciário. E, acrescentamos, esse privilégio é a regra, presume-se, ressalvados certos limites que a seguir veremos. Além disso, quando se fala em presunção de legitimidade não se exclui a possibilidade de existência de atos nulos, justamente porque a natureza da presunção é relativa (juris tantum) e não absoluta (juris et de jure). Os casos de ilegitimidade, portanto, ao contrário de destruir, somente afirmam a presunção e as conseqüências dela decorrentes. Endossamos, pois, as palavras de MANUEL MARIA DIEZ, aplicáveis ao sistema brasileiro: entre nós o ato administrativo emanado do poder executivo tem, como a própria lei, presunção de validade constitucional”.

[202] Curso de direito constitucional positivo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 573. A redação e a assertiva foram alteradas nas edições posteriores à Constituição de 1988, com a previsão explícita do princípio da legalidade na Administração.

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