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O homicídio e a privação de sentidos

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
O homicídio e a privação de sentidos***

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Antes do Código Penal de 1940, falava-se muito na “privação de sentidos” como justificativa para os chamados “homicídios passionais”. Ali, mais comum era o homem, por paixão, matar a mulher adúltera que o tivesse abandonado. Havia o contrário, mais raramente entretanto: a mulher traída mandava o amante desta para a melhor (ou pior?). Põe-se dúvida quanto à ascensão para o céu, porque Vinícius de Moraes, a certa altura de uma de suas composições famosas, afirma não acreditar muito na outra vida. Ele dizia em repetição livre: “– Vida é uma só. A outra, só com papel passado e assinado ‘Deus’. E com firma reconhecida”.

A tal privação de sentidos ainda hoje serve de explicação para os chamados “homicídios passionais”. Alguns psiquiatras denominam a paixão amorosa de “obcecação psicoemotiva”, cuidando-se de obsessão como outra qualquer. Só muda o objeto. A causa seria o amor desenfreado ou mesmo o ódio. Tocante ao primeiro, os estudiosos costumam explicá-lo, hoje, pela descoberta ou pelo aprofundamento dos estudos sobre o sistema hormonal. Dizem que homens e mulheres se gostam principalmente pelo aspecto físico, é claro, numa simbiose às vezes curiosa: fazem-se casais feios numa espécie de acasalamento por má formação. Vale o mesmo para a boa aparência. Entretanto, há considerações, na ciência, ligadas aos denominados “feromônios”. Em tradução livre, é o cheiro mesmo.

É muito difícil explicar o homicídio por paixão, a não ser no terreno das anomalias psíquicas. É aí que se apoiam os amantes desgovernados. Ainda presentemente, em algumas oportunidades, o assunto é posto a conhecimento e debate dos jurados no tribunal do júri. Já se viu a morte do ou da adúltera, isto em maior profusão no primeiro quarto do século XX, enfraquecendo-se a premissa na mesma medida em que se mudaram os costumes no Brasil, bastando dizer que os divórcios consensuais se fazem em cartório, sem grandes formalidades. Curiosamente, admitindo-se a chamada “união homoafetiva”, surgem problemas no desfazimento de relações dessa natureza (homem com homem, mulher com mulher). Alguém, há algum tempo atrás, escreveu livro a respeito dos apaixonados (“A paixão no banco dos réus”). Não recordo o nome do autor, mas provavelmente cuidou do assunto.

Não se faça menção a casos particulares. Diga-se apenas que aqui e ali, no país, têm surgido hipóteses assemelhadas àquelas versadas antigamente. Aquela falada “privação de sentidos” melhor ficaria, na modernidade, dentro do respectivo incidente de insanidade mental.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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