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Anatomia de um Crime (Anatomy of a murder)

Anatomia de um Crime (Anatomy of a murder)
(1959)

(Geórgia Bajer Fernandes de Freitas Porfírio)

O filme – adaptado de best seller com mesmo nome – foi inspirado em fatos reais e tem como diretor Otto Preminger. O livro foi escrito em 1956 por um juiz da Suprema Corte do Michigan, John Voelker (sob o pseudônimo de Robert Traver).

James Stewart é Paul Biegler, advogado que, após se dedicar por mais de dez anos à promotoria, vive de pequenas causas e se refugia na pesca e no jazz.

Voltando de viagem, trazendo alguns quilos de peixe na bagagem, Biegler é procurado por Laura (Lee Remick) para defender seu marido, Frederick Manion (Ben Gazzara), ex-combatente na guerra da Coréia, preso pelo assassinato de Barney Quill, dono do bar da pequena cidade.

A história é simples e linear. Manion matou Quill porque este teria violentado sua mulher. Como não há provas do estupro, a promotoria defende a tese de que Laura era amante de Quill. O homicídio teria sido premeditado e executado a sangue-frio.

O advogado enfrenta um cliente arrogante, soldado condecorado por atos de bravura, marido possessivo, violento e ciumento. Sua mulher, insolitamente sedutora, flerta o tempo todo, provocativa, sem pudor algum. O estereótipo do casal – marido ciumento/mulher insinuante – complica a defesa, mas não é obstáculo para a tese de Biegler.

Pouco importam as provas e os motivos do crime. Não são estes os argumentos do filme. “Anatomia de um Crime” se propõe, sobretudo, a discutir o crime pelo aspecto legal. E é por tratar de questões jurídicas controvertidas, táticas de inquirição de testemunhas e técnicas de argumentação que o filme é até hoje interessante.

Algumas discussões importantes sobre o sistema de precedentes do direito norte-americano e sobre o comportamento ético do advogado não cabem no processo penal brasileiro – o sistema americano, apesar da cláusula constitucional que não admite a self-incrimination, não tolera, sob pena de perjúrio, que o acusado possa mentir e que seu advogado o induza a faltar com a verdade no interrogatório -, mas nem por isso o jogo de cena perante o júri deixa de ser similar.

A defesa, estritamente jurídica, se destaca pela precisão. Enquanto o promotor procura destruir a imagem e a respeitabilidade da mulher, o advogado não se esforça em procurar a imagem oposta. O que impressiona é constatar que promotor e advogado, partindo dos mesmos fatos, da mesma lei e tendo as mesmas oportunidades de manifestação, chegam a verdades paralelas, que não se excluem no resultado final.

Quando exibido, ainda na década de 50, o filme causou polêmica. A linguagem empregada no julgamento, posta em termos técnicos e objetivos para abordar o crime sexual, chocou a opinião pública e desafiou certo código moral que até então vigorava no cinema de Hollywood. Consta que Lana Turner teria recusado o papel de Lee Remick em razão do figurino ousado e da linguagem pesada. Também a aparição momentânea de Duke Ellington, dividindo o piano com James Stewart, provocou reação na África do Sul, onde foi proibida a exibição.

Há outras curiosidades que enchem o filme de simbolismos. O papel do juiz não é representado por um ator e sim por Joseph N. Welch, advogado de Boston na vida real, famoso por ter defendido o exército contra as acusações do senador Joseph McCarthy, de infiltração de comunistas nas forças armadas. As audiências do comitê de investigações do Senado, em que McCarthy iniciava suas perseguições, das quais ninguém escapava (inclusive intelectuais, artistas, diretores de cinema e músicos), foram televisionadas em todo o país e todos ouviram o advogado acusar o senador de ser cruel e inconseqüente. Em um discurso explosivo, Joseph Welch dirigiu as seguintes palavras ao senador: “O senhor já foi longe demais. O senhor não tem nenhuma noção de decência? Depois de tanto tempo, não lhe restou nenhuma noção de decência?” O desabafo mudou a opinião pública. Em 1954, o senador foi condenado por conduta contrária às tradições do Senado.

O julgamento de Manion, cheio de objeções técnicas, mais a tentativa do advogado de afastar da causa questões de ordem moral, fazem do filme verdadeira desforra de Otto Preminger contra o macartismo. Cliente e advogado, logo no primeiro contato trocam as seguintes palavras:

Manion: “- A lei moral está do meu lado”.

Biegler: “- A lei moral é um mito. Não existe essa tal lei moral. Qualquer um que mate, contando com ela, acaba na cadeia, talvez para o resto da vida”.

Há outras curiosidades. A cidade de Ishpheming, Michigan, onde John Voelker viveu e onde os fatos aconteceram, foi utilizada como cenário e a residência do autor serviu como a casa-escritório do advogado Paul Biegler.  Existe até um roteiro turístico na cidade montado com base nas locações do filme (The “Anatomy of a Murder” Tour).

James Stewart foi premiado no Festival de Veneza por este trabalho (perdeu o Oscar de melhor ator para Charlton Heston, por Ben-Hur). O filme recebeu outras 6 indicações para o Oscar (melhor filme, melhor ator coadjuvante – Arthur O’Connell e George C. Scott -, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia em branco e preto e melhor edição).

A fotografia, com forte contraste, dá um toque de classe. A música de Duke Ellington é complemento perfeito. O DVD, com resolução e som de ótima qualidade, integra a coleção Columbia Classics. Há cópias em VHS.

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