Home » Ponto Final » A Líbia pós-Kadafi

A Líbia pós-Kadafi

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
A Líbia pós-Kadafi***

_________________________________________________________________________________

Abdel Rahman, membro do Conselho Nacional de Transição da Líbia, referindo-se a Kadafi, afirmou: “– Mostramos a você quem nós somos, Kadafi, faraó dos tempos. Você está na lixeira da história”. Em outros termos, “rei morto, rei posto”. Busca-se, agora, uma reforma da legislação existente, mas sempre estruturada nas regras da “Sharia”. Alguma coisa, com certeza, ligada ao chamado fundamentalismo, vigendo preceitos rudes correspondentes a alguns tipos de infrações penais, sem exceção do tratamento rigorosíssimo quanto ao adultério, a subtração e outros tipos, incluindo-se proibição ao consumo de álcool. Isso tudo acontece há alguns dias do trucidamento do ditador que, lá atrás, teria sido de alguma forma uma espécie de libertador, ou herói nacional. Diz o comandante do setor encarregado de invadir e administrar a retomada de Sirt, depois de localizado o ex-ditador num tubo de esgoto, que não conseguiu identificar o autor do disparo homicida. Realmente, o vídeo que registrou os últimos momentos de Kadafi mostra multiplicidade de manipulações do corpo meio desnudo, vendo-se o que parecia ser uma faca a lhe espetar as carnes. Há, na criminologia, um sem número de obras sobre a multidão criminosa. Ali, não há a vontade de um só, mas uma espécie de consciência coletiva engordando uma pessoa na direção da outra. Kadafi não foi o primeiro nem será o último “Régulo” – ou Imperador – a morrer assim. A história está cheia de alternativas análogas. Dentro de tal contexto, a nova Líbia erigirá seu futuro sobre o sangue do líder vencido, o que é tragicômico paradoxo. A multidão ulula nas ruas, os cães latem na penumbra, amigos e inimigos traçam planos políticos e alguém, mais adiante, há de surgir para tomar assento no trono já gasto sobre o qual o velho títere ditava sua vontade. Muita gente vai morrer ainda. Não se iludam os intervenientes ocidentais que, subrepticiamente, lambiam nas areias o restolho do ouro negro misturado no vermelho vertido pelos conflitantes. Repensando bem, aquela gente toda, os chamado estrangeiros, têm os mantos manchados do petróleo que constitui, ainda, uma das maiores fontes da economia do país. Sobre as nuvens, se e quando verdadeira a lenda advinda tempos depois da morte de Cristo, Maomé, o Profeta, deve estar cofiando a barba hirsuta, arrependendo-se do que deixou acontecer. No fim de tudo, Muamar Kadafi nasceu e viveu sob a visão do Profeta. Merecia, quem sabe, um final menos cruento, mas isto nem o símbolo maior do Islamismo quis ou pôde evitar.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

Deixe um comentário, se quiser.

E