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Polícia prende estudantes na USP

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Estamos, no Brasil, no meio da primavera. As alterações climáticas são, no mundo moderno, um tanto complicadas. Faz calor quando devia fazer frio e vice-versa. Do meu lado, sei quando o tempo vai mudar. Tenho no alto do crânio, mais precisamente no parietal direito, uma cicatriz de cerca de cinco centímetros. Aparece mais agora, porque a velhice me deixa com uma espécie de tonsura de padre. Sei que as duas estão lá, a clareira e a protuberância, embora procure esquecer de ambas, pois nenhuma delas é muito edificante. Quando o dia seguinte vai pedir uma roupa um pouco mais protetora, a cicatriz dói e a memória me traz o passado, quando estava na Faculdade de Direito e aprontava as minhas. Aquele machucado costurado equivocamente num pronto-socorro por um residente mal-humorado, isto nos idos de 1956, foi resultado da quina de uma mesa de ferro de um barzinho, durante uma chopada em que os calouros eram proibidos de beber. Veterano bebia. Novato não. Vai daí, um moleque que usava uns óculos amarelos com lentes de fundo de garrafa perdeu a compostura quando lhe tomei o terceiro chope das mãos. Atirou-me a mesa na cabeça e fugiu. Atrás dele fomos eu, sangrando copiosamente, e meia centena de acadêmicos enfurecidos. Não sei o que aconteceu com o menino, mas nunca mais frequentou as aulas. É um dos pecados que carrego comigo pelo resto da vida.

A prisão dos moços na reitoria da USP concorreu com o aviso do meu barômetro craniano de que o clima de hoje, 8 de novembro de 2011, ia mudar. Vem a notícia de que os moços foram presos e autuados em flagrante, no campus da Universidade de São Paulo, por desobediência, dano ao patrimônio público e crime ambiental, mantendo-se-os no cárcere enquanto não pagarem fiança de um salário mínimo. Valem algumas considerações:

a) – O problema começou lá atrás, quando três estudantes foram colhidos portando maconha. Revoltaram-se os outros porque, no fim das contas, um baseado, agora, é coisa insignificante à vista das substâncias terríveis postas à disposição da meninada. A polícia poderia ter negociado, mas não o fez.

b) – O desdobramento foi a ocupação do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas pelos moços e moças. Mais tarde, vencido na questão da manutenção da ocupação do prédio, o grupo dissidente ocupou a reitoria, encastelando-se ali.

c) – João Grandino Rodas, o reitor, aquele mesmo que está a discutir com a direção da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, buscou judicialmente reintegração na posse. Obteve-a. Os policiais foram lá e prenderam setenta e poucos alunos.

A Universidade de São Paulo é gratuita. Teoricamente, o vestibular constitui um dos mais severos do país. Logo, em princípio, universitário da USP é pobre e bem dotado intelectualmente. Nos idos de mil novecentos e nada, muitos dos grandes homens do mundo jurídico moderno moravam na “Casa do estudante”, ou nas proximidades. Era uma farra só. Depois, lá nos anos setenta, uma criatura de nome Erasmo Dias, chefiando policiais militares montados a cavalo e a pé, invadiu a Faculdade de Direito e fez igual incursão na PUC. Ainda sinto o cheiro do gás lacrimogêneo que jogaram dentro do vetusto centro de ciências jurídicas de São Paulo. Já se vê que o dia não é bom. Começou, para mim, com a minha cicatriz mordiscando o alto do crânio. Mais adiante, a memória me trouxe a figura do esbirro da ditadura, Coronel Erasmo. Por fim, alguém me diz que os meninos estão encarcerados em três ônibus na frente da 91° DP, ou no pátio, sob o sol e sem água, aguardando que cada um deles tenha um salário mínimo para pagar fiança. São quinhentos e quarenta e cinco reais. A não ser que haja doadores externos, não parece que os estudantes consigam desembolsar tal quantia. Independentemente disso, o estado de pobreza dos meninos e meninas aconselharia a liberdade provisória sem fiança, opção que qualquer juiz equilibrado há de tomar. Encerre-se com sintético comentário respeitante ao reitor João Grandino. Ele já não vinha bem, agora fica pior. Quando se cai em desgraça com a juventude é difícil consertar. Obtém-se decisão judicial favorável mas se perde a possibilidade de convivência. Esta é a questão.

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