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Ministério Público de São Paulo legaliza espião eletrônico?

Em boa hora o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, deu extensa entrevista a jornal de grande circulação, afirmando que o Ministério Público estaria adquirindo um computador gigante vulgarmente denominado “Guardião”, destinando-o ao espiolhamento de suspeitos de prática de ações penais. Três questões importantíssimas sobrenadam: a) – deve ter havido licitação, porque hoje há, segundo consta, possibilidade de concorrência; b) – as interceptações serão ou não feitas após estrita autorização judicial? c) – quem há de controlar a extensão das milhares de comunicações decorrentes da primeira interpenetração do fluxo, sabendo-se que aquilo tem progressão ininterrupta? Todos aqueles números ligados umbilicalmente à primeira intervenção ficam pendurados naquela diabólica sequência.  E diabólica é. Paradoxalmente, há que ser feita licitação para a escolha do monstrengo. Aliás, o Ministério Público Federal teria adquirido há tempos, segundo noticiários de jornais, uma engenhoca do tipo, lá no sul do país, constando que dois moços pertencentes a uma universidade sulina teriam acionado a empresa vendedora porque o “software” lhes pertencia, não sendo honrado o contrato. Houve qualquer coisa do gênero, sim, a história é confusa, mas que aconteceu, aconteceu.

A legislação atinente à interceptação telefônica e ambiental, gerada com bons propósitos por processualistas de São Paulo, se transformou em manobras maquiavélicas. O chamado “grampeamento” virou rotina. Advogados criminalistas tiveram seus telefones espionados. Parlatórios de presídios foram objeto de grampeamento. Só faltou a colocação de microfones em consultórios psiquiátricos ou confessionários de padres.  Ou, não se perdendo a ironia, nas tendas do babalaô.

Evidentemente, se e quando o Procurador-Geral de Justiça levar a cabo a licitação, esta precisa ser aberta a todos, pois se aberta não for, licitação não será. Não existe concorrência secreta aqui. Ver-se-á então quais as características do objeto mefistofélico a ser adquirido. Afirmava-se que só havia no país uma empresa capacitada a produzir máquina do tipo pretendido.  Hoje em dia há outras. Vai ser, realmente, uma competição extravagante, porque o espiolhamento precisa ter características muito particulares. Comentários feitos por especialistas acentuam que o computador espião (vamos apelidá-lo de “Belzebu”) teria condições de acompanhar simultaneamente até quatrocentas mil ligações. Bons ventos o tragam.   Quando definitivamente implantado, na medida em que se está a divulgar a concorrência para aquisição, poder-se-á fazer um coquetel de inauguração, convidando-se ao ágape todos os advogados criminais paulistas. Hão de querer saber, por exemplo, se as interceptações dependerão de participação ou não das provedoras. Na hipótese negativa o Ministério Público ficará encastelado numa torre de marfim absolutamente blindada a qualquer curiosidade alheia, usando, nas emergências, o aparato que a Polícia Estadual deve ter. No fim das contas, criar-se-á um sistema ambivalente porque, parecendo legítimo, continuará na clandestinidade. O Procurador Geral, na entrevista, menciona o preenchimento de seiscentas vagas de assistente jurídico, carreira que não existia, dizendo-os bacharéis em direito. Sendo a afirmativa verdadeira, criar-se-ia uma situação curiosa, pois assistente jurídico advoga. Parecerista advoga. Se e quando não integrando a carreira do Ministério Público, precisaria estar inscrito na Ordem para poder advogar, a menos que se crie um advogado não advogado somente para efeito interno. Inexistindo previsão legal, ter-se-á um grande problema. E vamos ao banquete.

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