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As mulheres e a legalização do abortamento

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
As mulheres e a legalização do abortamento***

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Os jornais de domingo, 11 de dezembro de 2011, trazem notícia sobre encontro de mulheres para rediscussão da “legalização do aborto”. Diga-se, em primeiro lugar, que o título divulgado pelo “O Estado de São Paulo” a fls. A11, edição referida, está errado. Aborto, em Medicina Legal, é o produto da concepção. Abortamento é o ato de expulsão do feto. A expressão vem do francês: “avortement”. Afirmar-se que se pretende legalizar o aborto constitui locução teratológica, significando legalizar o feto, o que é absurdo. A incorreção, aliás, pode revelar brincadeira do responsável pela titulação. Redigir tais chamadas constitui especialidade a poucos deferida. Muitos anos atrás, já perdi a conta, conheci Samuel Wainer, jornalista genial que lançou um semanário chamado “Aqui São Paulo”. Saíram pouquíssimos números. Escrevi um “Ponto Final” num deles. Havia naquele tempo o “Pasquim” e outros, mas hoje se encontra, às vezes, uma tentativa de arremedo no “Piauí”, editado mensalmente, se a memória não falha.

Não se perca o assunto. O tema é o abortamento. A discussão, no mundo todo e no Brasil, é antiga. Evidentemente, as mulheres, com realce para as chamadas feministas, são as estimuladoras maiores do debate. Na medida em que são donas do próprio corpo, querem o domínio daquilo que se põe nas suas entranhas. Admite-se por enquanto o abortamento resultante de estupro ou aquele outro praticado para salvar a vida da gestante. Quanto ao primeiro, é raríssima a pretensão judicial a tal autorização. Tocante ao segundo, é praticado com extrema discrição, não se animando os obstetras e hospitais a comunicação às autoridades, mesmo porque o fator complicativo geraria problemas maiores à gestante e aos intervenientes.

Não se fale do abortamento correspondente a feto anencefálico. A sobrevivência do feto é nenhuma, a pequeno ou médio prazo. A Suprema Corte já entendeu o dilema, resolvendo-o pragmaticamente.

Cuida-se geralmente, nas discussões, do feto enquanto no início da assimilação à forma humana. Aí, na verdade, o conflito se torna mais acentuado, pois o produto da concepção, examinado dentro ou fora do ventre materno, exibe um sentido qualquer de gente, embora malformada. Lembro-me, uns trinta anos atrás, de debate em que discutimos (no bom sentido) eu e a diferenciada criminalista Zulaiê Cobra, ela partidária do abortamento sem restrições, eu posicionado na preservação da vida. Interferiu um representante qualquer do Ministério da Saúde. Chamei-o de infanticida. A certa altura, fiz de conta que havia no chão um fetinho com aproximadamente dez semanas, explicando à plateia qual o desenvolvimento físico, àquela altura, do fictício resultado da concepção. A imaginação costuma funcionar bem. Pisei o rebento, mostrando, também ficticiamente, o sangue e material biológico deixados no assoalho. Lembro bem: uma das mulheres, a mais entusiasta com certeza da legitimação do abortamento, vomitou. O debate terminou ali. Não é preciso dizer mais, valendo afirmar, apenas, que diariamente há no Brasil milhares e milhares de abortamentos provocados pela chamada “pílula do dia seguinte”, vendida livremente por aí. O DIU, antes muito usado, deixou de ter preferência entre as mulheres. Afirma-se que pode produzir consequências danosas ao aparelho genital feminino. Quando escrevi “Aborto e Infanticídio”, na primeira década da minha advocacia, assentei que o dispositivo citado era abortivo, porque impedia a nidação do óvulo no útero. Disputa-se tal característica até hoje.

No fim das contas, três entre dez mulheres já abortaram, no país, ao menos uma vez, umas por necessidade, outras por conveniência. Aqui não é como a China. Naquele país há gente em demasia, implantando-se regras limitativas da natalidade. Chinês, se necessário for, come cães. Tenho um sharpei, o Baltazar Sete-Sóis, que dizem ser de raça oriental. Já vi em algum lugar que na Coréia (do sul ou do norte, pouco importa) ainda se veem espécimes da raça pendurados em ganchos nas barracas parecidas com as feiras-livres brasileiras. Tenho um amigo, o Antonio Costela, que passeou com seu cão “Chiquinho” pelo mundo inteiro. Decididamente, não se animaria a levá-lo àquelas plagas…

Voltando-se ao abortamento, é preciso sempre consultar o pai, se conhecido for e se tomar conhecimento da gestão. O homem tem contributo físico muito pequeno no resultado, mas um dos espermatozóides, na corrida, terá chegado primeiro ao destino. Enquanto não houver na raça humana o fenômeno equivalente ao do cavalo-marinho (o macho guarda os óvulos na barriga), as mulheres farão seus debates com absoluta primazia. Ai do homem que meter sua colher de pau nos conclaves.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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