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Ellen Gracie se aposenta – Competente, discreta, elegante, amável, bonita e distante

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer

Ellen Gracie se aposenta – Competente, discreta, elegante, amável, bonita e distante***

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A Ministra Ellen Gracie chegou ao Rio Grande do Sul partindo do Rio de Janeiro, onde nascera, começando os estudos de Direito na Universidade do Estado da Guanabara. Não se conhece a razão da mudança. A biografia oficial não a esclarece. Diga-se que a Ministra se tornou desembargadora no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ocupando uma vaga aberta no 5° constitucional do Ministério Público. Foi guindada ao Supremo Tribunal Federal por Fernando Henrique, Presidente da República à época (novembro de 2000). Chegou à Presidência do Supremo Tribunal Federal, sucedendo a Nelson Jobim, também oriundo de Porto Alegre. Uma boa coincidência, aquele maravilhoso Estado encaixar dois entre os maiores juízes que a pátria tem.

Advogados, principalmente os criminais, não se aposentam. Dias atrás, numa sustentação oral perante diferenciado Tribunal, pude dizer que ali na Corte, frente aos eminentes Desembargadores do Órgão Especial, eu era o mais antigo, pois aos setenta e seis anos continuava suportando em pé, na tribuna, cansativas sessões, sem assento para descanso. Menos mal. Vinha, a título de consolo, a imagem da proa do navio “Titanic”, um homem agarrado à amurada, enlaçando moça que, simbolicamente, poderia representar a Justiça. O homem, ali, sussurra à mulher: “– Trust me” (“– Confie em mim”). Pode não ser assim, ou não. Tanto faz.

Na verdade, o assunto principal é Ellen Gracie deixando a ribalta aos sessenta e três anos. Do meu tempo de criança lembro meu pai, arrastando as chinelas aos sessenta e cinco, rumo à padaria da esquina. Hoje, pouco ultrapassando o marco dos sessenta, a Ministra é uma menina. Com imenso respeito, digo-o, certamente é.

Voltando-se ao merecido descanso dos magistrados, estes geralmente não repousam. Vale a observação, mais ainda, para a excelsa Magistrada que tem, evidentemente, outros objetivos a cumprir porque, eu já o disse, vive um momento do mundo biopsíquico em que o ser humano se põe saudável muito além dos limites antes marcados. Anos atrás, enquanto o cronista despontava para a advocacia (faz mais de meio século), Ministros do Supremo Tribunal Federal eram objetos intangíveis. Voejavam nas alturas, sob a proteção do Cristo Redentor. Sustentei pela vez primeira naquela Corte Superior aos quarenta e poucos anos. Era a hora em que advogados amadureciam o suficiente. Conheci Evandro Lins e Silva depois que este voltou a advogar, pois fora afastado em 1969, com Victor Nunes Leal, no Ato Institucional número 6, constando dos anais boa companhia com Hermes Lima, Lafayette de Andrada e Gonçalves de Oliveira, ligando-se os dois últimos a protesto contra a ditadura. De Evandro tenho uma foto com ele, pendurada à entrada do meu escritório. Certa vez, chamou-me de “menino”. Era um elogio.

Servem as reminiscências a justificar as reflexões, simples embora, sobre a aposentadoria da Ministra Gracie. Vimo-nos algumas vezes, só durante julgamentos, a uns vinte metros de distância. Nunca me aproximei de juízes, por respeito, orgulho, timidez ou recato natural de advogado que sabe manter distância, pois pode vir a brigar mais tarde. Ocasionalmente é ruim. O magistrado pode ser amável, simpático, afável. Acontece que o Supremo Tribunal Federal é na atualidade Colegiado absolutamente aberto à visão da classe jurídica em geral e do povo também. Eros Grau, competentíssimo advogado em São Paulo, foi para lá e voltou a manter escritório aqui. Tem gênio enérgico. Brigou sério com Joaquim Barbosa, largando o Plenário no meio de sessão. Todo mundo viu. É público. Resulta disso tudo que os Ministros, tradicionalmente encasulados, se mostraram avidamente ao Brasil inteiro, exibindo qualidades excelsas e defeitos igualmente, porque todo mundo os tem. Daí a saudação atípica à Ministra Gracie, sabendo-se que o título acompanha o jurista até e depois do passamento. Faz parte das regras jurídicas. Ministro é sempiterno.

Tenho colegas, todos competentíssimos, que ultrapassam os cancelos dos Tribunais, misturando becas e togas em abraços efusivos. Nunca me atrevi a tanto. Aqueles obstáculos, fabricados em madeira nobre aqui em São Paulo, mantêm entre advogados e a Jurisdição um muro a não ser ultrapassado. Melhor assim. Uns e outros voltam à advocacia, sendo recebidos de braços abertos. Guardei a beca de um advogado durante vinte e cinco anos, enquanto ele se devotava à magistratura. Devolvi-a ao retorno numa sessão solene do Conselho da Ordem dos Advogados. Não tentou vesti-la, mas lhe serviria ainda, com certeza. Mantivera-se esbelto.

Deixando a toga, os juízes pedem um pouco de sossego. Conheço eminente Desembargador recém-aposentado, morador de uma casa com um grande quintal. Por enquanto, cuida das flores de seu jardim. Dia desses redesperta e reexperimenta as vestes talares. Será bem recebido, como a Ministra. Se a advocacia não foi, antes, um hábito da juventude, pode sê-lo agora, pois saúde, competência e honorabilidade não lhe faltam. Ou então, volte aos roseirais. Pode fazê-lo com tranquilidade. Quem sabe, seria melhor?

 

 

 

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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