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O Poder Judiciário e a recíproca destruição (Ou “Se tu faz pra mama, mama faz pra tu”)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

         Pensa-se, na maior parte das vezes, que as denominadas pessoas coletivas, entendidas como conjunto de indivíduos a demonstrar vontade própria, ou seja, desligada do ideário de cada qual, não são capazes do chamado comportamento maldoso. O ser humano carrega consigo, é certo, bem ou mal distribuída, uma tendência qualquer a atitudes que ofendem regras básicas de convivência. Espera-se, entretanto, que a coletividade possa anular ou dificultar a concretude de tal vocação. Embora as regras sociais colaborem eficazmente para a invalidação ou controle de pérfidas inclinações, surge eventualmente um contexto qualquer a contagiar o coletivo, invertendo-se então as posições, porque um pouco de maldade começa a vazar e manchar a destinação bondosa da comunidade em si. Isto vale, supinamente, para os chamados animais superiores, porque entre os seres menos favorecidos sobrenada certamente o instinto, vendo-se grupamentos de animais a se reforçarem astutamente enquanto caçam a presa desavisada.

         Não se cuida, aqui, de psicologia barata ou de zoologia extraída de livros afins.

         Trata-se, embora pareça desajustada, de explicação do que vem acontecendo nas esquinas do Poder Judiciário brasileiro. A rusga começou lá atrás, quando o Conselho Nacional de Justiça, ou melhor, quando a Ministra-Corregedora daquele órgão decidiu pesquisar sob os dosséis de alguns tribunais do país, sabendo-se que um ou outro exibia, certamente, demonstrações de menor dose de equilíbrio no trato do dinheiro público, um porque nunca incomodado e portanto menos atento, outro por entusiasmo desmedido na avaliação de benefícios a serem distribuídos. Na verdade, nenhum segmento do organograma instituído para o inafastável relacionamento entre o Poder Público e o cidadão pode subsistir sem censor externo, sendo necessário explicar que tal vigilante precisa ser absolutamente independente para o exercício do poder censório. Dentro da particularidade, no chamado Estado Democrático de Direito há uma delicada teia entrelaçando o todo, numa espécie de auscultamento recíproco. Aquilo funciona sinuosamente, assumindo contornos mais acidulados quando um setor belisca o outro. Evidentemente há hierarquia, mormente no Poder Judiciário, tudo na graduação das competências, inadmitindo-se que o inferior balance os pilares daquelas porções situadas no Olimpo. Cuida-se, entretanto, de divisão em que a atividade censória de um, mesmo estando abaixo, pode queimar a fímbria das vestes do outro. É o momento em que as coisas se complicam, porque não existe, mesmo na sacrossanta “Basílica de Pedro”, imaculabilidade total. É lembrar que o maior santo da cristandade teria negado Cristo três vezes, o que não o impediu de ser o avaliador da chegança, mais tarde, dos viajores deste mundo. Firmando-se nisto, qualquer intérprete pode escrever, sem pudor maior, que os tribunais pátrios têm, sim, defeitos maiores ou menores, mas certamente os têm, estes ligados a manuseio inadequado do orçamento, aqueles envolvidos, quiçá, em algum ato ilegítimo de algum agente menos precavido, circunstância esta a não enodoar o coletivo mas, seguramente, precisando de correção.

         O desate dos problemas do Poder Judiciário brasileiro é posto com a indispensável elegância, porque não se critica com palavras cruas, por exemplo, o “maître” do restaurante principal do “Hôtel de Crillon”,em Paris. Há limites a tanto.

         Em muito breve síntese, diga-se que a eminente Corregedora-Geral do Conselho Nacional de Justiça, direta ou indiretamente, obteve dados sobre vencimentos de magistrados de baixa, média ou alta divisão das competências. Tanto bastou, e é fato sabido, para providências jurisdicionais limitativas advindas da Suprema Corte, uma emanada do Ministro Marco Aurélio e a segunda proveniente do Ministro Lewandowski. As coisas estão assim, publicamente expostas em destemida disputa levada à imprensa, com realce a conhecido a conhecido programa de debates (“Roda viva”) e entrevistas oferecidas por Eliana Calmon.

         O texto não constitui novidade. Qualquer interessado, profissional ou leigo, conhece os desdobramentos. O enredo, ele próprio, não se arreda de qualquer briga mais acentuada entre indivíduos, grupelhos ou grandes comunidades: os atacantes passam a ser atacados, evidenciando-se a fragilidade eventual das polimorfas estruturas. Assim, quando se afirma que um magistrado recebeu indevidamente quantia vultosa, vem a recarga, porque o acusador teria, também, obtido benefício assemelhado. Vale a disputa em todos os setores, até mesmo em hipotética licitação mal dirigida. Às sobras do combate, diga-se de passagem, nem mesmo o Ministério Público escapa. Esta Instituição, acusadora por excelência, teve defeitos exibidos pelo respectivo Conselho Nacional, afirmando-se irregularidades na tramitação de procedimentos e quejandos. A Ordem dos Advogados do Brasil, pelo presidente do Conselho Federal Ophir Cavalcante, decidiu meter no conflito sua colher de pau, solicitando providências aqui e ali. Surgiu logo uma advertência: no frigir dos ovos, a OAB é o único colegiado, no país, isento de censura externa. A circunstância peculiar poderia espicaçar a curiosidade de um contendor qualquer ferido nos seus coturnos.

         Resta, após a triste dialética, a expectativa de se repetir o rotineiro ajustamento dos fenômenos humanos. Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Em outros termos, depois da tempestade vem a bonança. Acertam-se as engrenagens e “la nave va”. Pode demorar um pouco, mas o navio segue seu rumo. Assim caminha o Judiciário.

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