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Rita Lee tinha razão (Ou “A cerimônia do adeus”)

Paulo Sérgio Leite Fernandes 

         Rita Lee Jones de Carvalho nasceu em São Paulo no dia 31 de dezembro de 1947, último dia do ano, com certeza. Tem sessenta e quatro. Fez aniversário em trinta e um de dezembro passado, comemorando-o no último show em 30 de janeiro, na cidade de Aracaju, Estado de Sergipe. Havia uma multidão na praia de “Atalaia Nova”. Outros artistas se apresentavam. A tropelia se iniciou quando policiais teriam localizado espectadores fumando maconha, passando então a revistar alguns. A cantora reclamou. Era seu show de despedida, o último da carreira. Não se estava fazendo nada demais, apenas fumando um baseadinho. E assim por diante. Terminada a apresentação, a compositora-cantora foi conduzida a uma delegacia de polícia, sendo liberada com a interferência de terceiros. Em síntese, além de ofender os policiais, Rita Lee teria, teoricamente, praticado apologia de crime, infração posta no artigo 287 do Código Penal: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”. A pena é de detenção, de três a seis meses, ou multa. Havendo desacato concomitante, a sanção penal desta infração seria de seis meses a dois anos, ou multa. Os dois delitos estariam submetidos ao Juizado Especial Criminal, com suas regras especiais. No fim das contas, a cantora voltou da polícia como foi, desconhecendo-se o que houve na delegacia. Provavelmente fez-se a lavratura de termo circunstanciado, tudo acabando em paz.

         Não se aprecie o mérito do incidente. Conforme praxe do “site”, os aspectos jurídicos são deixados a exame daqueles advogados intervenientes, obedecendo-se inclusive aos ditames do estatuto profissional. Basta dizer, entretanto, que o mero uso de maconha não constitui crime. Portar, ter em depósito, entregar a consumo de qualquer forma e figuras outras tipificam, sim, infração penal constante do artigo 33 da lei 11.343/2006. Dentro do contexto, a menos que se localize parte do produto em poder do usuário, a conduta é atípica, justificando-se, quiçá, nas cidades praianas, o consumo do baseado entre as ondas do mar, sendo fácil a dispersão do produto à chegada de policiais.

         Rita Lee nasceu logo depois do término da 2ª Guerra Mundial. Tinha 23 anos nos idos de 1970. Já integrava “Os Mutantes” em 1966. Deu-se bem com o hoje ex-Ministro Gilberto Gil (v. III Festival de Música Popular Brasileira), o mesmo que foi incomodado, naquele tempo, por porte de maconha (1976, ano em que, coincidentemente, a cantora passou por idêntica provação). Vê-se que o passado imaculado não privilegia o ser humano. Buscando-se a expressão bem ajustada contida em “A dança da bailarina” (Chico Buarque e Edu Lobo), “procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. Não sei se tal citação é ou não invenção da dupla mas, sendo ou não, há de se incorporar à rotina popular, assim como aquele pedaço de música posta no mundo por Cazuza (“Faz parte do meu show”). Rita Lee tem alguma coisa fadada, igualmente, à preservação nos ditos populares (“Baila comigo”, por exemplo). Eu a vi lá atrás, ela menina e eu já amadurecido, porque aos setenta e seis tenho doze anos a mais. Reencontrei-a no palco no findar de 2011, sessenta dias passados, num evento patrocinado pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo. A mesma irreverência de sempre, a mobilidade menor, é certo, podendo-se identificar um pouco de “playback” nas canções, sinal indicativo de que Rita Lee queria, mesmo, descansar. Queixou-se de estar com fome, enquanto os demais jantavam bem. Não é, certamente, um Mick Jagger. Este é quatro anos mais velho. Tem sessenta e oito anos e algumas décadas de apronto. É feio como a mãe da peste, mas corre no palco feito um genial jacaré saltitante, afirmando a quem quiser ouvir que há muito tempo está absolutamente “limpo”. Que bacana!

         A vida é assim. Alguns viventes prosseguem teimosamente e outros “penduram as chuteiras” no meio do caminho, buscando sossego. A moça (há muitas assim denomináveis) fazia a sua despedida. Com plena ou alguma razão, merecia um pouco de paz. Bem fez o Governador de Sergipe em “deixar pra lá”. Era uma espécie de “Cerimônia do adeus” com ou sem confusão. Valeu a pena!

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