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Ainda a condenação do juiz espanhol – Ou “O espiolhamento merece castigo (Ou ainda “Contágio pelo Phthiraptera”)

Paulo Sérgio Leite Fernandes*

O juiz espanhol Baltasar Garzón foi submetido a julgamento na Suprema Corte espanhola, saindo condenado a incapacitação para o exercício de função pública por onze anos. Um esquisito julgamento, vendo-se os ministros usando aquelas perucas cacheadas abandonadas em outros países, sem exceção do Brasil. Evidentemente, ao tempo da dominação portuguesa e mesmo sob a intervenção holandesa no nordeste, aquela cabeleira artificial pode ter servido a pretores, nobres ou funcionários públicos de categoria superior, sabendo-se que uma rainha de Portugal aqui desembarcou careca, pois a nau em que viajava, a exemplo de outras, estava repleta de piolhos. Há quem sustente, com razão, que o hábito de se usar peruca constituía prevenção contra o bichinho safado. Fui olhar, movido pela curiosidade, o comportamento desses insetos. Descobri, por exemplo, que os negros tinham especial resistência ao gênero, ficando inteirado, analogamente, de particularidade extravagante: os piolhos que atacavam os escravos assumiam coloração diferente daquela que revestiam quando sugavam sangue dos brancos. Nenhuma superioridade racial dos últimos ou preconceito, é preciso deixar bem claro, devendo-se o fenômeno, suspeita-se, a uma imunidade maior dos africanos. Pensando bem, uma vantagem…

Volte-se ao magistrado Garzón: pouco se me dá que um dos motivos da condenação possa ter sido o extrapolamento da legalidade enquanto aquele juiz apurava crimes de corrupção. É coisa deles. Ele mereceu, sim, condenação por ter violado segredo de advogados que teriam dialogado com clientes em oportunidades diversas. Dentro de tal contexto, se e quando a razão ou razões da condenação tiveram tal justificativa, Garzón terá sido inculpado justamente, porque o sigilo do médico, do padre e do advogado constitui fundamento maior dos respectivos ministérios. Isso deveria valer de precedente no Brasil, conhecendo-se escancarada atividade, emanada de um ou outro juiz, violentando segredo profissional em parlatórios de presídios, aquietando-se todos, entretanto, à descoberta da repugnante conduta jurisdicional. Não se sabe, após escândalo contido correspondente a um desses criminosos comportamentos, se nos subterrâneos da repressão isso continua acontecendo à sorrelfa. O panorama se aquietou. Os atos de espiolhamento, se e quando existentes, estarão escondidos em apensos discretamente desentranhados das ações principais. Já se percebem duas diferenças marcantes entre a Corte espanhola e julgadores brasileiros: em primeiro lugar, o magistrado andaluz sofreu pesada condenação. Aqui, não se fala no assunto. Em segundo plano, os juízes espanhóis usam perucas, protegendo-se de eventual espiolhamento. No Brasil, dispensamos o adereço capiloso e corremos o risco do contágio advindo dos insetos pertencentes à ordem “Phthiraptera”. No resto, fica tudo quase igual. Entenda-se muito bem: a magistratura nacional é e deve ser respeitadíssima pelos advogados. Há exceções individuais, merecendo profundo repúdio. A carapuça, já que se fala em perucas, serve a quem se sentir insultado.

*Paulo Sérgio Leite Fernandes é advogado criminal em São Paulo há 52 anos.

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