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Ministro Peluso deixa a Presidência do Supremo

Paulo Sérgio Leite Fernandes

O Ministro Cezar Peluso deixa a Presidência do Supremo Tribunal Federal amanhã, 19 de abril de 2012. Será substituído por Ayres Britto, o jurista-poeta. Não costumo, já disse várias vezes, chegar perto de juízes, a não ser depois da aposentadoria. Abraço entre magistrado e advogado é considerado extravagância sujeita ao falatório malsão de uma imprensa geralmente voltada às coisas ruins. Quero declarar publicamente, entretanto, que gosto do ministro Peluso – não vale muito, mas advém, quem sabe, de um quase decano da advocacia criminal paulista. Somos, os dois, oriundos das praias santistas. Tenho um guardanapo grande, de linho bom, tirado de um restaurante de Salvador – Bahia, nos idos de mil novecentos e nada. Num dos cantos há marca do batom de Ana Maria. No meio, uma dedicatória de Dorival Caymmi, com “y”, sim senhor. Na memória bate o refrão conhecido: “– Quem vem pra beira do mar, ai, nunca mais quer voltar”. Costumo dizer que ainda tenho nas veias o salitre daquela água salgada, que dizem verde-azulada mas, no fundo, é cinzenta, é escura, é convidativa até à melancolia. Cezar Peluso se formou, como eu, na “Casa Amarela”, há meio século, da qual hoje resta só o frontispício, pois engolfada fisicamente pela Universidade Católica de Santos. Afirma-se que santista não desce a serra vencido. Pode, no máximo, ser enterrado lá, mas, quando sai, viaja pra vencer. Deve haver razão nisso, porque Saulo Ramos, Mário Covas e outros muitos palmilharam a montanha e tomaram assentos respeitáveis na Corte.

Lembrei de Cezar Peluso hoje de manhã, lendo um matutino paulista. Havia a imagem do Ministro recebendo uma comenda, ele que é avesso a essas coisas, porque o peito começa a ficar pesado com tanta condecoração. Fui procurar o término do seu mandato. Confirmei. É em 19. Depois, mais para o fim do ano, vem a aposentadoria compulsória, uma pena sim, pois os bandeirantes, enquanto desvendavam o matagal, não costumavam atingir a velhice. Agora é diferente, mantendo-se as criaturas atentas e longevas.

Antonio Cezar Peluso preside a Suprema Corte em período muito difícil, demonstrando comportamento liberal durante as sessões, embora controlando com dificuldade um temperamento forte. Tenho dele uma carta manuscrita em que justifica o fato de não colocar assento para advogados junto à tribuna do plenário do Supremo Tribunal Federal. Há atrás dos reposteiros, segundo escreve, alguma restrição ligada a tombamento do mobiliário. Perdoem-nos os ledores dos regulamentos, mas o advogado tem direito de falar sentado e não pode exercê-lo onde cadeira não houver. De qualquer maneira, este velho patrocinador guarda sem amassadura a epístola caprichada de Cezar Peluso, percebendo-se inclusive o alinhamento da frase sobre matriz pautada. Talvez o Presidente da Suprema Corte esteja a lamentar, no íntimo, a dificuldade de honrar a advocacia com um gesto significativo de reciprocidade no afeto que lhe dedicamos. Ontem mesmo, na transmissão de um dos julgamentos do colegiado, viu-se a tribuna da defesa vazia, porque a grande maioria dos defensores, excetuados o velho cronista e uns poucos, volta à plateia após as sustentações orais. Aquilo é triste, forçando-se o advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes, o mais velho de todos com certeza, a se manter ereto na tribuna durante as sessões de que participa, constrangendo-se a comunidade, certamente, mas ciente da demonstração de muda resistência ao descumprimento da lei.

Como disse, temos carinho pelo juiz Antonio Cezar Peluso, mas ainda quero, exijo, reivindico, reclamo, renovo, enfim, a dita expectativa de setecentos mil advogados brasileiros. Ayres Britto está em chegança, até novembro. Deixe-se-lhe a tarefa em testamento a ser cumprido.

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