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OAB Federal – Se tu faz pra mamma, mamma faz pra tu

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Todas as atividades humanas, em qualquer terreno, passam por vagarosíssimo mas fatal processo de aprimoração. Tivemos a roda, a idade da pedra, a descoberta do ferro, as máquinas a vapor, a revolução industrial, o balão a gás inflamável, o dirigível, as primeiras tentativas de voo à imitação dos pássaros, o avião hirondelle, a disputa com os irmãos Wright, até chegarmos às naves espaciais e quejandos. Tocante ao desenvolvimento do Direito, isso vem dos primeiros tempos da comunicação entre os homens. Persiste a lei do mais forte, sempre, primeiramente com uso do machado de sílex, depois outras formas de luta pela dominação, valendo inclusive entre os predadores. Funciona assim. No meio do caminho, inventamos uma porção de nomes retumbantes, ressoando melhor se vierem em latim, nosso berço romanístico mas já sofrendo influxos sérios dos saxões, dos quais estamos copiando, inclusive, essa horrível, abjeta, repugnante delação premiada. Coisa muito feia cuja permanência vem sendo assegurada pela diferenciada comissão elaboradora do projeto de novo Código Penal para o Brasil, tendência muito surpreendente, aliás, pois um dos membros era René Ariel Dotti. Na medida em que Dotti, dos maiores penalistas que o Brasil tem, deixou aquele grupo, só pode tê-lo feito por dissidência, embora o afastamento surja discreto, à maneira da conduta tradicional daquele emérito sulista. Certa vez, num debate com criminalista diferenciado, dele ouvi que não se ajustara a determinada tendência de comissão redatora de um dos projetos de Código de Processo Penal andando por aí. Disse-lhe em bom português que a história cobra tudo. Assim, quando se diverge de dispositivo a viger, é preciso assentar objetivamente as razões, porque no futuro não se saberá o que aconteceu. Em termos de política, pesquisas científicas e departamentos outros da manifestação cultural, vale o que ficou escrito. Eu tinha um amigo que, quando reptado, dizia: “– Só falo com doc”. Achava que ele só falava com doutor, mas não era isso. Só se manifestava com documento na mão.

Esgotada a digressão, volte-se ao título: “– OAB Federal – Se tu faz pra mamma, mamma faz pra tu”. É nome de peça musical levada ao cinema, sob o nome “Chicago”. Richard Gere é um dos principais. Ali, naquele filme, uma criatura diz a frase burlesca. Longe dos meus propósitos tecer críticas à Ordem dos Advogados do Brasil, dentro da qual sou um dos mais antigos sobreviventes daquilo que já foi. Tenho-a como sagrada matrona à qual dediquei, lá dentro, quarenta anos da vida profissional. Os doze restantes são lucro. Já se vê que o escrito tem relação direta com litígio, travado no Conselho Federal, entre o presidente Ophir Filgueiras Cavalcanti Júnior e um conselheiro posto sob averiguação de comportamento cuja realidade não vem ao caso. Brigaram os dois em plenário, com acusações recíprocas, defendendo-se o investigado afirmando não transparência nas contas da entidade. Relativamente a tal aspecto, a OAB já era assim há cinquenta anos atrás e há de ser assim sempre, porque a autonomia, a estrutura fechada e a confiabilidade dos bastonários sempre fez parte daquela “guilda”. Nunca tivemos um presidente e uma diretoria descomprometidos com a honestidade. O uso da beca lhes dá o carimbo da imaculabilidade. Assim deve ser. Isso não significa, entretanto, que eu goste do bâtonnier Ophir Cavalcante. Não o estimo. Há razões. Intrometeu-se em ação penal em que eu defendia alguém, em Brasília, acusado de alguma coisa mas mantendo o estado de inocência constitucionalmente garantido. Fê-lo enquanto integrando o Conselho Nacional do Ministério Público, pondo a corporação a secundá-lo, fortalecendo-o mais ainda e dificultando o contraditório. Cuidava-se de ação penal ainda no nascedouro, cumprindo a qualquer advogado respeitar a intangibilidade da atividade desenvolvida pelo confrade. A OAB, ali, deveria ser o fiel da balança, fiscalizando a paridade de armas. Encostou-se extravagantemente na acusação pública, fato nunca antes acontecido, a não ser quando se pretendeu o impeachment de um presidente da República, fato insólito sim, mas imprescindível às aspirações de recomposição democrática do Brasil. Não, não gosto dele, circunstância, de resto, a não incomodar, porque tivemos e temos amigos e desafetos, com razão ou sem razão. Isso faz parte da convivência.

Insista-se no título e nas considerações intermediárias. Todas as conquistas da oratória e retórica advêm, é claro, da experiência. As bases do debate público podem mesmo se misturar nas cantigas de amor e bendizer da velha portucália ou mesmo dos bardos, menestréis ou jograis da idade média, tudo impregnando a alma dos nossos vates populares. No contexto, nossos cantantes modernos (Edu Lobo e Chico Buarque) entoam o estribilho: “– Procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina é que não tem”. E lá de longe, da peça “Chicago”, vem outra afirmativa parecendo advir das hostes mafiosas italianas incrustadas nos cantos escuros da importante cidade norte-americana: “– Se tu faz pra mamma, mamma faz pra tu”. Eis aí.

Conflito entre o cronista e o presidente do Conselho Federal da OAB. Áudio. Clique aqui.

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