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Mataram um advogado

Paulo Sérgio Leite Fernandes

  Ontem, 18 de julho de 2012, no Fórum de São José dos Campos, um desesperado marido portando uma arma de fogo disparou contra a mulher, protegida pela Lei Maria da Penha, atirando também contra o advogado que a defendia, de nome José Aparecido Ferraz Barbosa. Um dos disparos foi repelido por colete blindado vestindo um dos policiais a interferir. O detector de metais não estava funcionando. Entenda-se bem: a pretensão dos advogados, tocante aos portais eletrônicos instalados nos edifícios usados pelo Poder Judiciário, não é no sentido de serem invalidados, ou desligados os aparelhos, mas sim, devem ser indistintamente aplicados a todos, sem exceção qualquer. Em síntese, os advogados pretendem que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo siga as determinações do Conselho Nacional de Justiça: advogados, advogadas, estagiários, testemunhas, réus, serventuários, povo em geral, juízes, promotores de justiça, policiais, enfim, precisam passar por aqueles identificadores de metais. O dia da caçarola se destina a tanto. Uma simples questão de obediência. Só. Não se entende por quais razões se excluem da prevenção os eminentes juízes e promotores de justiça. São seres humanos.

Morreram na tragédia o atirador e um dos trezentos mil advogados que o Estado de São Paulo tem. É exceção muito triste. A advocacia, como a magistratura e profissões afins, é atividade de risco. Os infectologistas podem picar os dedos em objetos não esterilizados; um ou outro psiquiatra é assassinado pelo paciente. Egas Moniz, premiado com o Nobel de medicina, foi assassinado por doente que ele havia lobotomizado. Faz parte. Um ou outro juiz morreu de morte não natural. É ruim, é lamentabilíssimo, mas faz parte, sim, da tragédia humana, cumprindo evitar que isso possa acontecer novamente, mas o contingente humano é submetido a esse tipo de coisa. Há quem mata, independentemente da borla, capelo ou das insígnias. Para não se dizer que o bacharel é protegido, vale lembrar Pierre Jacou, bastonário da Ordem dos Advogados em Genebra, condenado por homicídio tornado célebre (o crime do punhal marroquino). Existe, portanto, quem se desequilibra. O diferenciamento intelectual não nos livra da loucura. E nem das paixões. Os homens não se protegem plenamente por usarem a beca, a toga, a farda, a bata branca do cirurgião ou a batina do sacerdote (v. “O crime do Padre Amaro”). Então, submetamo-nos todos à vigilância plena, sem exceção da Presidente da República. Isso, no fim, é democracia. Nem Obama se livra disso. Ele passa obedientemente por dentro dos portais. Clinton o fez. Nixon o fazia e, se alguém no Brasil não o faz, deveria fazê-lo. Um chanceler brasileiro descalçou os sapatos num aeroporto dos Estados Unidos da América do Norte, tudo em função da regra geral. É só isto que os advogados querem. No Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo, segundo declarações do Presidente em recente sessão do Pleno, houve mais de cem pessoas retidas com armas nos portalós eletrônicos em poucos meses. Entre elas não havia um advogado sequer. Para evidenciar a universalização do requisito, valerá “o dia da caçarola”, a menos que o competentíssimo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atento à reivindicação, determine obediência à resolução do Conselho Nacional de Justiça. A OAB paulista lançou, a respeito do drama que nos faz aspergir a fronte com cinzas, nota pública cujo texto vem a seguir. Presa aos protocolos, exige nos limites da diplomacia. Nós não temos compromissos regimentais. Vamos ao que for necessário, observados estritamente os padrões legais.

 

NOTA PÚBLICA

A Advocacia de São Paulo está indignada com a morte do advogado José Apárecido Ferraz Barbosa, aos 62 anos, baleado dentro do Fórum de São José dos Campos, quando acompanhava uma cliente que iria depor contra o ex-marido, autor dos disparos que também atingiram outras pessoas.

Ao exercer sua atividade, o advogado contraria interesses, mas não se pode tolerar que, no exercício profissional, seja exposto a esse nível de insegurança dentro de um próprio do Judiciário, onde foi franqueada a entrada de indivíduo armado e que colocou em latente risco todos os que circulavam no prédio.

A OAB SP exige do Judiciário Bandeirante – incumbido da missão da distribuição jurisdicional – medidas de segurança efetivas que coíbam esse tipo de violência contra advogados, demais operadores do Direito e jurisdicionado. Para tanto, a OAB reclama dos Poderes Executivo e Legislativo a previsão orçamentária indispensável para propiciar segurança aos prédios forenses.

Certamente, as grandes tragédias também nos despertam para a busca de soluções. Assim sendo, entendemos que a segurança nos fóruns do Estado deve ser balizada de forma preventiva, reunindo força policial ostensiva em número suficiente e novos equipamentos de segurança.

Lamentamos profundamente a perda da vida valiosa de um colega e esperamos que, no interesse público, toda a família forense atue de forma convergente no sentido de prevenir crimes dessa natureza, que afrontam a dignidade humana e o sentido de justiça.

São Paulo, 18 de julho de 2012.

Marcos da Costa

Presidente em exercício da OAB/SP

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