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Há tanto tempo que te amo

(Il y a longtemps que je t’aime - 2008)

 

Lucas Andreucci da Veiga

         A personagem central do filme, Juliette Fontaine, é ex-presidiária que acaba de cumprir sua pena, indo viver com a irmã em cidade provinciana francesa. Necessitando arranjar emprego como parte das exigências à reinserção na sociedade nos moldes exigidos pela lei, de imediato se depara com o preconceito. O fato de possuir uma condenação criminal em seu passado se mostra como óbice à admissão em trabalhos variados, ficando ainda mais evidente a repulsa das pessoas quando indagada sobre o delito que a levou à prisão: a morte do próprio filho, ao tempo com 6 anos. Entre idas e vindas, acaba-se descobrindo a motivação de tal ato, em princípio tido por hediondo e desumano, pois se apresentava como inexplicável. No entremeio, destaque-se passagem na qual, reunida com algumas pessoas em uma mesa de jantar, perguntada sobre seu passado misterioso, Juliette diz ser egressa do sistema prisional. À colocação segue-se risada generalizada, aceitando todos a afirmativa como gracejo, talvez desacreditando na possibilidade de alguém “normal” ter estado na cadeia.

         Embora se afastando um pouco do tema central e apenas a título de reflexão incidental, perceba-se que é possível traçar um paralelo com a visão histórica do pensamento jurídico, mais precisamente dos estudos de São Tomás de Aquino. Para o filósofo, o bem ou o mal não se traduzem em um ato isolado do ser humano, mas no hábito de se praticar atos bons ou ruins. Assim, o criminoso eventual, aquele que praticou um único delito e o fez impulsionado pelas emoções humanas, não seria essencialmente alguém merecedor de grave censura social.

Trazendo-se a ideia medieval ao contexto moderno, justamente aquele exibido no filme, percebe-se que a prisão descumpriu com sua finalidade. O delito, enquanto fator humano (na visão de ao menos parcela relevante da criminologia), envolve circunstâncias e detalhes que escapam à interpretação literal da lei, da qual decorre, em regra e infelizmente, a aplicação da pena, convertida em um equação aritmética e relegando a plano inferior a aferição das particularidades de cada caso.

Relembre-se que a pena, quanto a sua finalidade, possui três teorias: a retributiva, a preventiva geral e a preventiva especial. A punição aplicada na situação em comento não atendeu a qualquer delas. Não se caracterizou pela retribuição, pois a motivação do crime era humanitária e a eutanásia – entende-se ser esta a conduta praticada por Juliette –, para alguns, não é passível sequer de censura, pelo contrário, sendo ato elogioso e o esperado; assim sendo, um ato não reprovável ou irretocável não merece reprimenda. Não serviu à prevenção geral, pois a situação era particular e muito específica, fugindo às previsões genéricas estabelecidas em norma e, se e quando analisada, deveria a Justiça se pautar antes pelos princípios constitucionais concernentes à tutela do indivíduo e da liberdade e não na legislação repressiva; e tampouco bastou à prevenção especial, uma vez que, independentemente de não possuir mais filhos – o que é irrelevante –, Juliette não é aquela que, na teoria clássica da criminologia de Ferri, se classificou como criminosa habitual, sendo antes impelida pela paixão. Por isso, entendendo-se a paixão como elemento fundamental do delito, é impossível de ser prevista ou reprimida na seara criminal, pois caracterizando-se por atos repentinos e inesperados. Concluindo o raciocínio, percebe-se pelo exemplo do caso concreto, talvez hipotético mas ainda assim factível, a falência do sistema de penas, acompanhado, é certo, do sistema prisional e de execução das punições.

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