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O Supremo Tribunal Federal, a OAB e o Ministro Joaquim Barbosa

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Qualquer cirurgião, sabendo de alguma intervenção sofisticada praticada por outro médico, tem natural interesse na arte, atento inclusive ao instrumental utilizado. Eu disse outro dia que havia obrigação ética, tocante ao chamado “mensalão”, a me impor o silêncio, porque o Estatuto da Advocacia impede intervenção, mesmo ideal, em causa entregue a outros advogados. Aquilo dá muita água na boca, pois existe acentuado debate entre acusação e defesa. Como tudo na vida, a disputa estimula o intelecto, cuidando-se, inclusive, de um dos processos criminais mais importantes da República.

A não intromissão no combate não evita, entretanto, um ou outro comentário sobre aspectos que ultrapassam o interesse de cada conflitante, atingindo os setecentos e poucos mil advogados brasileiros. Refiro-me a uma das preliminares decididas na introdução do voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa. Sua suspeição havia sido suscitada por um dos processados, sendo desnutrida pelo Pleno, unanimemente. Acontece que o Ministro, julgando-se pessoalmente ofendido, queria sanções severas contra o representante processual do réu em causa. Pretendia que a Ordem dos Advogados do Brasil processasse disciplinarmente o defensor que lhe atribuíra, em nome do acusado, parcialidade e interesse midiático. Foi vencido por ilustrada maioria, pontificando argumentos usados pelos ministros Celso de Mello, o decano, e Marco Aurélio. O primeiro teceu longas considerações sobre a inviolabilidade da advocacia, afirmando, a par de robusta doutrina, que o advogado não poderia sofrer censura, sob pena de prejudicar os direitos do cliente. O Ministro Marco Aurélio, em outras palavras, disse o mesmo, provocando risada geral ao afirmar que, se dependesse da mídia, estaria em má situação, pois frequentava quase diariamente a imprensa falada e escrita do país, fosse por declarações, fosse mesmo em consequência de manifestações durante os julgamentos.

O cultíssimo Ministro Joaquim Barbosa não gostou. Acentuou que as ofensas se consumavam contra todo o Poder Judiciário brasileiro. Usou, enquanto manifestava seu desagrado, duas expressões atinentes ao país: “Bacharelismo” e “Guilda”. Queria dizer, com certeza, que se dava muita importância à advocacia em si. Quanto às “guildas”, demonstrou cultura geral diferenciada. Nem todos conhecem a história, nos séculos da cavalaria andante, das associações de artesãos, construtores, pedreiros, marceneiros, armeiros enfim, fortificando-se nas lutas contra os senhores feudais. Diga-se, aliás, que as “guildas” foram precursoras do exame de ordem. Os aprendizes se submetiam a provas de capacitação. A Ordem dos Advogados do Brasil é uma “guilda”, sim, com muito orgulho, aliás, lamentando-se apenas que não consiga, hoje, articular a coligação dos setecentos e poucos mil advogados espalhados pelo Brasil. Diz-se que o mal produz, também, bons resultados. Nesse sentido, a corrupção tradicional havida no Ministério da Educação poderia, se e quando aproveitada a multidão de bacharéis, constituir força incoercível no sentido de obtenção de benefícios ligados à manutenção dos direitos e garantias individuais do cidadão. Na verdade, é preciso, para tanto, o surgimento de lideranças messiânicas, à maneira de um Mahatma Gandhi ocidentalizado, pronto ao martírio, se necessário for, mas arrastando multidões de bacharéis, todos vestindo seus mantos talares, ensandecidos na ânsia de recuperação da respeitabilidade. Tal criatura precisa surgir sim, preferentemente jovem, para que o sofrimento de um e de outro não se perca na imensidão da negligência da comunidade. Pensando bem, a grande maioria dos advogados não se preocupa muito com a briga do Ministro Joaquim Barbosa e uns poucos criminalistas. Cada qual faz esforço desnaturado para não ver o que deve ser visto e não reagir a vitupérios genéricos. O direito do cliente poderia ser prejudicado pela exigência de observância de prerrogativas profissionais.

Muito haveria a escrever, mas a síntese obriga ao encerramento. Vale, no fim de tudo, deixar muito bem assentado que o Supremo Tribunal Federal, com relevo para os dois ministros citados, deu ao país um recado extremamente importante quanto à posição atribuída à Ordem na Constituição e legislação subjacente. Aquilo soou como um abraço apertado entre a toga e a beca. Há, é óbvio, a desnutrição, no ponto nodal, das pretensões do Ministro Relator. Este, tocante à imagem, foi valorizado pela Corte. Ressalte-se que ele não cuida muito da linguagem morigerada. Na medida em que a Suprema Corte se abriu para o mundo, mostrando as qualidades e defeitos de cada qual, toda a família jurídica segue o comportamento processual do Plenário, ouve o que dizem e retruca, quando necessário, pelos meios e forma possíveis. A democracia tem preço. O Supremo Tribunal Federal, desenlaçando seus reposteiros, decidiu pagar para ver. As imagens exibidas nas telas de computadores e televisões constituem conduta dolosa, querida, assumida e declarada a cada exposição pública de um e de todos. Melhor assim que um julgamento fechado, seco, desalmado e revestido de segredo. O Ministro Joaquim Barbosa faz parte desse todo. Diz o que quer, lanceta um e outro, mas ouve o que não quer. É constitucional. Funciona assim.

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