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O Ministro Joaquim Barbosa não é tão doente assim

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
O Ministro Joaquim Barbosa não é tão doente assim***

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O Ministro Joaquim Barbosa tem problemas na coluna vertebral. Talvez seja a única ligação que mantém com o cronista, dependendo, é preciso dizer, das vértebras afetadas. Leu mil páginas do voto. Cada página possui cerca de 26 linhas. Cada linha, em média, admite onze palavras. Cada palavra, contada uma pela outra, tem cinco letras. Fazendo conta de chegar, o Ministro Barbosa tinha à frente 26.000 linhas, 286.000 palavras e 1.430.000 letras. Fonoaudiólogos contariam com mais precisão, mas a língua de Sua Excelência, contados os vocábulos simples e duplos, mexeu-se em movimentos assemelhados, ou seja, contadas as pausas, deglutições e pigarros, aquele órgão inerente a todos os vertebrados trabalhou, na respectiva caixa de ressonância de Sua Excelência, movendo-se da esquerda para a direita e de baixo para cima, em aproximadamente 2.000.000 de oportunidades. Nem se pense no intricadíssimo sistema, composto pelos 85.000.000.000 de neurônios e suas sinapses, emitindo sinais eletroquímicos ao aparelho fonador do cultíssimo Ministro. O relator, na última sessão da Suprema Corte, leu durante cinco ou mais horas, sentado em cadeira dura ou em pé. Apareceram audivelmente no mundo físico, enquanto se desenvolvia a atividade própria, símbolos vocais relativos a vários personagens. Aquilo tinha imediata transcrição no cérebro de quem os conhecesse fisicamente ou por fotografia, guardando na memória, portanto, parâmetros apropriados. Espectadores diversos fariam tentativa de adaptação, segundo padrões hauridos aqui e ali, na rua, num restaurante, no cinema ou alhures. O relator tomou muita água, fenômeno explicável, aliás, por dispêndio extravagante das dopaminas.

O Supremo Tribunal Federal adota a chamada “meia-toga”, ou seja, uma capa negra presa aos ombros por cordão da mesma cor. Aquilo cai, sai de posição e embaraça os ministros. Há os que dão um jeitinho para deixar o manto meio escondido no torso. Melhor seria a clássica toga inteira. O Plenário tem ar condicionado, propiciando conforto adequado.

O regulamento dos tribunais saxônicos, até pouco tempo, exigia que os juízes usassem peruca. Há, segundo consta, justificativa antiga para o costume: no século XVIII toda a Europa era infestada por piolhos. Os homens – e até as mulheres – raspavam a cabeça para se livrarem deles, colocando as perucas na solenidade pois, no final das contas, um homem calvo, ressalvadas exceções, não fica bonito. Quanto às mulheres, há um livro chamado 1808, explicando que uma rainha desembarcou no Brasil com os cabelos tosados rente. A viagem de noventa dias a forçara a tanto.

Volte-se ao Ministro Joaquim Barbosa. A exposição de todos à mídia, opção democrática do STF, permite inclusive a análise biopsiquíca do diferenciado juiz. Chegou à Corte determinado a se fazer ouvir, palavra por palavra, letra por letra, aspiração por aspiração, respiração por respiração, tosse por tosse, trejeito por trejeito, gesto por gesto, resmungo por resmungo, imprecação por imprecação. Não se sabe se brigaram lá dentro. Há de ter havido confusão, porque a disputa em comunidade vai desde os animais inferiores à raça humana. No fim de tudo, há um ponto de interrogação porque, no último ato, serão recolhidas as 50.000 páginas correspondentes à ação penal 470, acumulando-se 1.300.000 linhas, 14.300.000 palavras, 71.500.000 letras, tudo isso correndo nos 85.000.000.000 de neurônios postos no crânio do Ministro. Só isso, não se contando que o conjunto corre etereamente no ventre dos computadores de cada qual. Entocados adiante, trinta e poucos advogados examinam o todo. Alguém disse, num dos intervalos, que a tarefa de separar o joio do trigo era impossível, respondeu um experiente criminalista: “- vai no jeitão.” É isso mesmo. Ao se apagarem as luzes da ribalta, o resultado sai no jeitão, pois é muito para administrar.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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