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A morte de Vladimir Herzog

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
A morte de Vladimir Herzog***

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Vladmir Herzog foi morto no dia 25 de outubro de 1975, ou poucas horas antes. Dias depois, apresentei à 36ª DP, mais conhecida como a da rua Tutoia, o moco Júlio Fernando Toledo Teixeira, até então foragido num dos recantos do enorme Brasil. Júlio era perseguido, sim, como outros, uns receosos das ações nefandas da repressão. O país inteiro se escandalizara com a morte do jornalista. Cuidava-se, portanto, de ocasião propicia a que o jovem pudesse entrar e sair da rua Tutóia sem grandes danos. Assim aconteceu, pois Herzog, embora defunto, era uma salvaguarda da indenidade física dos oposicionistas do regime. Escrevi, imediatamente depois daquele terrível acontecimento, um artigo em homenagem a Clara Herzog, mãe do repórter assassinado. A família não acusou leitura. Os parentes de Vladimir, supõe-se, estavam demasiadamente tristes para tanto. Júlio Fernando morreu quatro anos depois, de morte natural, cuidando-se de ser humano com invejável mistura de medo e destemor. Na verdade, enquanto lutando contra a ditadura, tinha medo imenso de ser pego e torturado, o que não o impedia de fazer o necessário para dar sua contribuição à redemocratização do país.

Lembro-me bem que o Jornal do Advogado, em edição concomitante ao assassinato de Herzog, publicou noticiário cuja primeira pagina trazia o titulo: “Brasil, antes e depois de Herzog”. Considerava-se o incidente um divisor de águas entre a tirania e a libertação.

Vem o assunto a propósito da recentíssima decisão em que o Poder Judiciário paulista determinou que fosse modificada, na certidão de óbito de Herzog, a “causa mortis”. Segundo noticias vindas de variados órgãos de divulgação, as razoes do óbito passaram a ser “morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército – SP (DOI-CODI)”.

O atestado de óbito primitivo trazia a expressão: “asfixia mecânica”. A divergência pode ser muita, alguma ou nenhuma, pois a asfixia pode, igualmente, não ser voluntária e sim provocada. Em outros termos, Vladimir Herzog foi assassinado. É quanto basta. O II Exercito era comandado, à época, pelo general Ednardo Dávila Melo (o caveirinha). Vi-o uma vez com Cid Vieira de Souza, estávamos a reclamar vigorosamente contra as atividades da repressão. Com o escândalo causado pelo assassinato de Herzog, embora disfarçado oficialmente pelo sistema, a reabertura do processo democrático veio devagar, mas veio. A Presidência da República havia sido passada a Ernesto Geisel. Geisel era mau. Foi até 1979. Veio então João Figueiredo. Largou os coturnos para Tancredo, morto no entremeio de uma diverticulite.

Sarney tomou conta. Sobrevive ainda, presidindo o Senado, milagre entre os milagres. É, no bom ou mau sentido, uma testemunha da historia do Brasil.

O assassinato de Vladimir Herzog, em função da dogmática penal e processual penal brasileira, fica impunível, embora emocionalmente todos os cidadãos estejam sentindo enorme vontade de revolver as sombras daquele passado negro. É assim, o que não impede o cronista de remeter à família, novamente, copia do “Ponto Final” escrito em abril de 1982, sob o titulo “Para Vladimir, Manuel e José”. Daquela época ao tempo de hoje passaram-se 30 anos. Um trintênio, é bem verdade mas, de repente o filho de Herzog, pela vez primeira, lê a lembrança de um velho marinheiro. Pode fazer-lhes bem.

Vídeo contendo o poema “Para Vladimir, Manuel e José”, escrito em 1986.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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