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As eleições, Madame Guilhotina e o mensalão

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Poucos se dão, hoje, a estudo da Revolução Francesa, aquela mesma que resultou, num só mês, no guilhotinamento de dois mil cidadãos na Praça da Bastilha. A quantidade de líquido vermelho vertido daria para abastecer durante muito tempo todos os bancos de sangue do país. Foi-se, na lâmina ferrugenta da guilhotina, o pescoço do próprio inventor. Que coincidência macabra.

O trinômio liberdade, igualdade e fraternidade engalana, agora, qualquer texto sobre a ciência do direito em geral e o constitucionalismo em particular. É bom lembrar, entretanto, que a maré imaculada a invadir os pretórios brasileiros, a partir da chamada Jurisdição de 1° grau, merece exame que, se muito estruturado não é, vem revestido de um medo instintivo. Na verdade, o compulsivo comportamento de muitos juízes, enquanto coparticipando de interceptações telefônicas múltiplas realizadas por segmentos da repressão, é um bom aviso para que não se vá, na ânsia do vassouramento, além dos limites postos no que se chama de razoabilidade. Já aconteceu fenômeno assemelhado a muitas nações, lá atrás e em passado recente. Fixe-se, entretanto, a Revolução Francesa como parâmetro possível dessa até higiênica atividade saneadora: sem muito respeito à cronologia, basta alinhar Danton, Marat, Robespierre e Saint-Just, entre outros, como líderes decapitados, exceção feita a Marat, que dizem ter sido morto no banho por Charlotte Corday, mas com boa dose de desconfiança sempre que há mulher no meio. Parece atrevimento comparação desse tipo, mas a luz vermelha está perto, sempre acesa na advertência. A intenção saneadora corre a partir dos pequenos burgos, chegando às assembleias legislativas e ao próprio Senado Federal. Em suma, o Supremo Tribunal Federal dá o exemplo, parecendo o general estrelado a recomendar atitude igual ao esbirro subjacente. Vai daí, o chicote começa a zurzir desapiedadamente no costado dos perseguidos, a repressão à marginalidade agasalha porcentagem muito maior de mortos, os cárceres já não mais têm espaço lúgubre para prisioneiros, juízes têm medo de absolver e, em contraprestação, as sociedades criminosas partem desabridamente para o ataque – ou revide –, matando os prepostos da lei. Passeando perto de tudo, chegam a imoral aplicação da delação premiada, os magistrados sem cara, o artifício, o ardil, a charlatanice praticada pelos chamados homens bons. Na entressafra, o combate entre o bem e o mal aparece como se fora fruta apodrecida, cooperando a sociedade na derruição global da saúde do sistema. Evidentemente, os extremos hão de ser refreados mais tarde, pois a sanguinolência é episódica. Veem-se, apesar disso, ataques explosivos àqueles submetidos aos procedimentos criminais de estilo, endeusando-se um ou outro julgador. Diga-se, ao fim, que juízes, pelo simples fato de cumprirem o que deles se espera, não são heróis. São apenas magistrados atentos à obrigação funcional. Dentro de tal contexto, a integração dos pressupostos inerentes à Jurisdição merece equilíbrio contextual, classificando-se tal estabilidade numa vigilância cirúrgica sobre as próprias emoções. Urge trazer à tona, a título de lembrete, livro que já foi best-seller, chamado “Os sete minutos”. O escrivão deveria ler um trecho com voz inexpressiva, na medida em que se cuidava do tempo adequado a que alguém chegasse ao orgasmo. Entusiasmou-se. O julgamento foi anulado.

A semelhança com o estrepitoso julgamento que ainda absorve a atenção de muitos telespectadores parece ser nenhuma. Na verdade, o espetáculo representa disputa acentuada entre um e outro pretores, vendo-se a tribuna da defesa permanentemente vazia. O conflito, agora, é manquitolante, pois os advogados já disseram a que vieram, fechando-se para eles as portas da discussão. Sobra tristeza muito grande. A Suprema Corte cumpre seus atributos, deixando para o fim a crucificação do último réu. Fosse uma peça teatral e se teria a apoteose. Infelizmente, não é. Encerrados os trabalhos, a azáfama moralizadora há de continuar, pois assim funciona o chamado inconsciente coletivo. O país quer sangue dos meliantes, desde o hoje raríssimo batedor de carteiras ao sofisticado dilapidador dos dinheiros públicos. Há de tê-lo, só reclamando quando o esbirro, rotineiramente, destruir a fechadura da porta da casa de cada qual. Ver-se-á.

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