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O milagre

Roberto Delmanto

O industrial do interior paulista, chegando em casa no início da noite, ao reagir a um assalto, foi morto a tiros.

Além dos executores do latrocínio e de co-autores, a polícia acusou um jovem comerciário de ter tido participação moral no crime, pois, frequentando a casa da vítima, teria dado aos comparsas informações sobre o comportamento dela. O comerciário negou, com veemência, ter fornecido qualquer informação  aos demais.

O juiz da comarca, em face da repercussão e da gravidade do delito, decretou a prisão de todos os acusados.

Durante a instrução do processo o magistrado foi extremamente duro com os réus que, durante as audiências, apesar dos protestos da defesa, permaneciam acorrentados pelos pés. Além disso, indeferia a maior parte das perguntas dos defensores, apesar de pertinentes e relevantes. Chegou até mesmo a omitir os nomes de testemunhas de acusação ouvidas, que restaram conhecidas da defesa apenas pelas suas iniciais.

Meu filho Roberto, que cuidava da defesa do comerciário, impetrou um habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, arguindo nada mais nada menos do que dez nulidades.

Enquanto isso, a mãe do cliente, muito religiosa, ia à igreja todos os dias rezar pelo filho. Acabou conseguindo falar com o Padre Marcelo Rossi, levando a petição do habeas corpus e uma fotografia do jovem. Ao vê-la, o Padre Marcelo disse-lhe que, antes do aniversário do filho, que se avizinhava, ele estaria em liberdade.

No dia do julgamento, em sua sustentação oral, Roberto, além da arguição das dez nulidades, pediu a soltura do rapaz por excesso de prazo que, àquela altura, já se verificara. A Corte acatou uma das nulidades  – a que dizia respeito à omissão dos nomes de testemunhas –  mandando reinquirí-las. Indeferiu, entretanto, o pedido de liberdade provisória do comerciário.

Ocorre que, ao comunicar o resultado do julgamento, o Tribunal o fez de forma um tanto confusa, não deixando claro se a liberdade fora de fato concedida ou apenas pedida pela defesa.

Ao receber a comunicação, o implacável juiz confundiu-se e determinou a imediata soltura do jovem.

Só veio a perceber isso cerca de uma semana depois, expedindo novo mandado de prisão.

Certamente nem o Tribunal nem o juiz ficaram sabendo do “milagre”, pois, afinal, o Padre Marcelo Rossi só não disse à desesperada mãe do rapaz que a liberdade dele, embora justa, seria fruto de um equívoco…

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