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Composição dos tribunais (beija-mão é tradicional)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Composição dos tribunais
Beija-mão é tradicional
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Certa vez, há muitos anos, o cronista foi indicado em lista sêxtupla para compor o 5° constitucional de advogados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi uma experiência ruim. Ruim não, péssima. Levaram-no a conversar com um ou outro desembargador, pois era preciso, no mínimo, que o Órgão Especial conhecesse fisicamente o pretendente. Coisa constrangedora. No fim, era um pedido tradicionalíssimo conhecido como “beija-mão”. Viu-se depois o resultado: o cronista não obteve um voto sequer no Plenário, não por furtar dinheiros de viúva ou enganar órfão (pecados mortais que advogado não pode cometer), mas por ter gênio ruim e não fazer a corte. A recusa veio a calhar, permitindo ao escriba envelhecer com a beca às costas.

A lembrança vem à tona hoje, 03 de dezembro de 2012, quando os jornais trazem a notícia de que o respeitadíssimo ministro Luiz Fux, de quem, aliás, o cronista é fã, teria pedido os encômios de José Dirceu, no passado, para aproximá-lo da nomeação à Suprema Corte, condenando-o depois, sempre de mãos dadas com o agora presidente Joaquim Barbosa. Na verdade, funciona assim. Juristas competentíssimos, candidatos ao Olimpo judiciário, têm uma quase obrigação de chegança, porque as nomeações são criteriosas, é certo, mas há uma espécie de protocolo prévio. Na disputa, qualidades só aparecem quando o currículo é conhecido. Este escrevinhador, aliás, vinte e cinco anos vencidos, foi indicado ao Superior Tribunal de Justiça, obtendo votação razoável mas acanhadíssimo na aproximação com o Augusto Tribunal. Isso não dá certo. É preciso, além de qualidades morais e profissionais, uma dose grande de persistência. Assim teria acontecido ao Ministro Fux. Repita-se: é competentíssimo e distribui justiça com intensa obstinação, independentemente de ter ou não feito a via crucis de reverenciamento político. Lembre-se o caminho sofisticado trilhado pelos candidatos, não bastando, na hipótese da Suprema Corte, a simpatia dos possíveis confrades, visto que a indicação advém diretamente da Presidência da República, havendo apenas uma sabatina no Senado. Esta, a não ser em circunstâncias extravagantes, é formal.

Em cinquenta e dois anos de advocacia criminal exclusiva, o escriba soube de um só caso de convite aberto, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a que um advogado compusesse a lista de Desembargadores. Faz muito tempo. O colega, elegantemente, não aquiesceu. O nome dele não importa, mas aconteceu.

Dentro de tais contextos, não se veja com estranheza a notícia de ter o Ministro Fux, enquanto ainda no STJ, feito a caminhada rotineira em casos assemelhados. Isso não o impediu, mais tarde, de cumprir suas obrigações de consciência. No mais, as relações entre o cidadão e o Poder Executivo, desde o tempo dos césares, ou além, têm esses ademanes, sem que com isso se fale em comportamento menos ético. Há, é claro, um limite na aproximação. O Poder Legislativo, igualmente, sofre influências análogas. A título de exemplo, enalteça-se a tarefa do Ministério Público enquanto monta, em Brasília, lobby portentoso para dificultar, ou impedir até, a transformação em lei da PEC limitadora das atribuições daquela nobre Instituição. Isso já aconteceu, à época da Constituição de 1988, resultando da pressão a magnificência do comportamento censório do órgão de acusação referido. Valem, na particularidade, pressões de toda ordem, aquietando-se a OAB que, diga-se de passagem, deveria estar atenta para evitar, no futuro, o derrame de atividades terrivelmente violadoras da privacidade do cidadão e das garantias individuais anquilosadas, no entretempo, por múltiplas interceptações telefônicas e ambientais ilegalmente praticadas. Perceba-se a sofisticação da associação de ideias: começa-se com a aproximação entre o povo e o poder, passa-se à maior ou menor capacidade de receber atenção dos mandonistas e, no fim, pensa-se na pobre Constituição brasileira, atacada por todos os lados como se fora uma dama das camélias envilecida por cortejadores esfaimados. O Ministro Luiz Fux não tem nada com isso. Segundo afirmou, bateu na trave três vezes. Era merecedor do cargo. Precisou obstinar-se a obter. Além de tudo, é lutador de jiu-jitsu e toca razoavelmente uma guitarra. Mal, mas toca.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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