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Os advogados e os grampos ilegais

Paulo Sérgio Leite Fernandes

        Noticiário capitaneado pelo jornal “Folha de São Paulo” descreve meio escândalo judiciário concretizado com a descoberta de central clandestina de interceptações telefônicas e ambientais mantida pela Secretaria de Segurança Pública em enlaçamento com a Polícia Militar e indícios de ligação com o Ministério Público do Estado de São Paulo. Segundo o jornal referido, aquela central havia sido montada a partir de 2006 pelo então Secretário da Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto. O objetivo maior seria monitorar presos do PCC. O encangamento entre a Secretaria da Segurança Pública, o Ministério Público e a Secretaria de Administração Penitenciária é elegantemente chamado de “parceria”.

         Em princípio, a espionagem se destinava, certamente, a interceptar atos da facção criminosa referida, cogitando-se, entretanto, no espalhamento da intromissão na privacidade alheia. Segundo o noticiário, o desmonte da central de escutas instalada na PM está sendo providenciado pelo Governo do Estado. O grupo de espiões seria constituído por cerca de quarenta policiais militares.

A abertura dos sujos reposteiros servindo de esconderijo às espúrias interceptações telefônicas e ambientais mencionadas chega a destempo e contém dados complementáveis por acontecimentos desconhecidos de comentaristas, críticos e interessados em geral. Na verdade, afirmar-se que tais interceptações começaram em 2006 constitui apenas uma parte do concreto. Tal comportamento já era praticado enquanto o Procurador de Justiça Rodrigo César Rebello Pinho era Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Sob o guante daquela autoridade, naquilo que é conhecido, o Ministério Público do Estado de São Paulo plantara no parlatório de duas penitenciárias paulistas (Presidente Prudente e Presidente Bernardes) artefatos eletrônicos permitindo a gravação de conversas entre advogados e seus clientes. Em razão daquilo, na medida em que um profissional do direito fora incriminado, impetrou-se Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, denunciando o espiolhamento ilegal. O impetrante daquele Writ foi este escriba. Durante a sustentação oral houve afirmativa no sentido de que o Ministério Público do Estado de São Paulo estipendiava policias militares para os trabalhos de interceptação, acentuando-se, “em alto e bom som, que a utilização de policiais militares pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, dirigido à época pelo Procurador Rodrigo Pinho, constituía atividade ilegal, visto que aqueles policiais ganhavam duplamente, uma vez na própria corporação, outra vez no Ministério Público, caracterizando-se, portanto, conduta ilícita”. Rodrigo César Rebello Pinho, provocado pelo Procurador de Justiça oficiante naquele Writ, de sobrenome Buono e fundador do GAECO, estimulou ação penal visando sujeitar o impetrante Paulo Sérgio Leite Fernandes às sanções do crime de calúnia. No fim de tudo, houve exceção da verdade, comprovando-se que o Ministério Público do Estado de São Paulo realmente remunerava policiais militares para a finalidade denunciada. A 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 13 de novembro de 2008, concedeu o Habeas Corpus à unanimidade, trancando a ação penal por falta de justa causa. Havia nos autos do processo criminal em questão prova inconteste, decorrente de depoimento prestado por um dos policiais envolvidos, no sentido de que tal soldado recebia para o fim apontado, independentemente do soldo advindo do exercício de suas funções específicas.

A ligação entre a Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Secretaria de Administração Penitenciária, a Polícia Militar e alguns setores do Ministério Público do Estado de São Paulo é por todos conhecida, inscrevendo-se na rotina da persecução penal. Mas não se diga que o estrépito forense atual chega sem raízes ou crepitar naquele conflito primitivo. Diga-se, a título de explicitação direta, que o Procurador-Geral de Justiça Rodrigo César Rebello Pinho, enquanto à testa do Ministério Público do Estado de São Paulo, conhecia as atividades praticadas, no mínimo, nos dois estabelecimentos prisionais do Estado de São Paulo mencionados e não se opunha, na melhor hipótese, a que o espiolhamento se realizasse. Aquilo valeu ao escriba, insista-se, uma ação penal porque teria acusado falsamente o Procurador-Geral de ilicitude enquanto sustentando Habeas Corpus para o companheiro. O trancamento do processo criminal foi a resposta adequada a tal contumélia.

O assunto é revivido agora. Quatro instituições começam a jogar a responsabilidade uma sobre o colo da outra. Secretaria de Administração Penitenciária, Ministério Público, Secretaria de Segurança Pública e Governo do Estado procuram abafar a relação de causalidade provocada pelo vazamento das operações secretas. Um fato é certo: não bastasse a discutida atividade no sentido de espionar suspeitos de pertencerem ao PCC, os tentáculos foram esticados em direção a escutas ilegais de diálogos entre advogados e seus clientes, chegando-se hoje, numa venenosa dose de contágio, a um comportamento multiplicado por todo o território nacional. Já se previra tal consequência maléfica, mas as advertências pousaram no vazio, transformando-se alguns magistrados em coonestadores da vigilância soturna sobre a privacidade alheia, violentando-se muitas e muitas vezes a própria legislação específica posta no mundo jurídico, aliás, pela ingenuidade de notáveis processualistas penais brasileiros, inconscientes estes da diabólica projeção da infantilidade com que se conduziam. O começo conhecido da satânica intromissão, praticada em nome da lei, nos lares e nas alcovas da cidadania, estava lá atrás, sim, sob os auspícios de um Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e, quem sabe, antes mesmo deste. Com um pouco de habilidade e astúcia, calando-se todos os encarregados da perseguição das anomalias, tudo volta à estaca zero: os escritórios de advocacia continuarão a ser varejados, os telefones, endereços eletrônicos e parlatórios prosseguirão sob escuta, os responsáveis serão absolvidos ou sequer processados e tudo continuará como dantes. Basta que o tempo passe. La nave va. Não se esqueçam todos, entretanto, de que o Procurador-Geral Rodrigo César Rebello Pinho o era à época do primeiro lancetamento público das prerrogativas do advogado. Se tatuagem houvesse para lhe marcar o corpo, ele já o veria tisnado pela repulsa da advocacia criminal paulista. O escriba, certamente, não deixará apagar-se o ferreteamento. Circunstância curiosa: Rodrigo César Rebello Pinho foi substituído, na Procuradoria-Geral de Justiça, por Fernando Grella Vieira, o mesmo que manda, hoje, enquanto chefiando uma Secretaria, desmontar a mefítica verrumação dos segredos da cidadania. O Governador, à época de Pinho, era Geraldo Alckmin. Passou-se o tempo. Voltou a sê-lo.

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