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O Rábula Estivador

Roberto Delmanto

Para suprir a falta de advogados no final do século retrasado e início do século passado, leigos com conhecimentos jurídicos e/ou dotes de oratória recebiam autorização para advogar. Eram os rábulas.

Um dos mais famosos e, certamente, o mais pitoresco foi João da Costa Pinto, estivador no porto do Rio de Janeiro.

Quando houve um homicídio no cais, não encontrando nenhum advogado para defender o acusado, o juiz lembrou-se daquele portuário falante e atuante nas assembléias do sindicato, e nomeou Costa Pinto defensor.

 O sucesso foi tão grande que, em pouco tempo, ele largou o trabalho no porto para dedicar-se com exclusividade à advocacia criminal. Sua irreverência, verve e presença de espírito eram insuperáveis.

Certa vez, defendia um acusado que tinha a alcunha de “Navalhada”. Na primeira vez que, em sua acusação, aproveitando-se desse comprometedor apelido, o Promotor o mencionou, Costa Pinto de imediato lhe deu um aparte: “Por favor, Dr. Promotor, se refira ao meu cliente pelo nome, pois apelidos nada significam. V. Exa. mesmo tem um apelido neste Fórum”. Surpreso, o Promotor perguntou-lhe que apelido era esse e Costa Pinto disse que preferia não falar.

O incidente repetiu-se uma segunda e uma terceira vezes, com o Promotor chamando o acusado pela alcunha, Costa Pinto dizendo que ele também tinha um apelido e este desafiando-o a revelar qual era. A esta altura, os jurados já estavam mais curiosos em saber qual seria, afinal, o apelido do Promotor do que interessados na prova de acusação.

Quando o representante do Parquet, por descuido, voltou a chamar o acusado de “Navalhada” e Costa Pinto tornou a lembrar que ele também tinha um apelido, o Promotor perdeu de vez o controle e gritou: “Diga de uma vez qual é meu apelido”. Costa Pinto, calmamente, perguntou-lhe: “Se eu disser, V. Exa. não vai brigar comigo? Porque nos conhecemos há muitos anos e eu prezo demais a nossa amizade”. Ante a permissão do acusador público, Costa Pinto, com voz pausada, cadenciando as sílabas, em alto e bom som, falou: “Ca-re-ca”!

A gargalhada do público foi imediata e Costa Pinto mais uma vez logrou absolver o acusado.

Depois de alguns anos, já era considerado um dos maiores criminalistas cariocas. Quando faleceu, vários colegas foram até a casa de Costa Pinto querendo ver como seria a sua biblioteca. Para sua surpresa, constataram que ela só tinha três livros: o Código Penal, o Código de Processo Penal e As Espumas Flutuantes de Castro Alves. Com eles, fazia todos os júris, vencendo a grande maioria…

 

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