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Fórum João Mendes – Bandidos acertam o coração da Justiça

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Fórum João Mendes – Bandidos acertam o coração da Justiça***

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Desde 1954, ano em que o cronista teve seu primeiro contato com a justiça penal, a atividade profissional do criminalista se mistura em emoções diversas (as quatro principais são a ira, o medo, o amor e o dever). Isso tudo vem banhado ou em cupidez ou em sangue, pois o crime ou é patrimonial ou é dilapidador da integridade física. Enfim, a advocacia criminal é, sempre, um bailado entre perseguidores e perseguidos, num equilíbrio precário mas constante. Isso diz lá atrás, muito tempo atrás, com machados e flechas providos de pontas aparadas do sílex, lanças afinadas no cobre ou no bronze, mais tarde no ferro, depois no aço. Vieram os projéteis de chumbo arredondado depois que os chineses inventaram a pólvora. As entranhas das armas de fogo começaram a receber estrias e assim por diante. No começo dos tempos, o vencido perdia as armas para o vencedor ou para o chefe da tribo. Agora também é assim. Nada mudou, sabendo-se que instrumentos vulneráveis apreendidos são guardados em lugares especiais ou, enquanto não se decidir o destino final dos mesmos, ficam nas gavetas dos cartórios ou nos cofres das repartições. Houve época em que armas apreendidas eram recebidas em depósito por juízes e promotores públicos. Ficavam com eles por tempo indeterminado. Isso aconteceu, repita-se, nos anos 50 (tudo acontecia nos anos 50, agora não). Vai daí, os cartórios criminais de São Paulo dão água na boca de muito delinquente sofisticado, porque as apreensões vão desde uma faca de lâmina embotada até uma arma de fogo precisa e moderna. Dentro do contexto, o fim do ano sempre foi propício a infrações sofisticadas, pois é a época em que a vigilância se reduz e todos, inclusive a bandidagem, vão tomar um champagne nacional ou estrangeiro para comemorar o nascimento de um deus ou a discutível passagem de um ano para o outro, havendo quem fique em dúvida, em voos internacionais, sobre a hora certa da comemoração, sabendo-se que o consumo de álcool é proibido a motoristas daqui de baixo e a pilotos lá de cima.

Volte-se aos miúdos: delinquentes, aproveitando o intervalo entre 21 e 24 de dezembro último, subtraíram 41 revólveres de uma sala posta no 22º andar do Fórum João Mendes Júnior, em São Paulo, o maior da América Latina. Consta que em julho criminosos teriam invadido o cartório da 5ª vara cível, do mesmo edifício, ateando fogo em processos e subtraindo dois computadores. Não havia vestígios de arrombamento. As armas pertenceriam a uma empresa de segurança cujo contrato havia sido rescindido ou terminado. Farta munição também foi objeto do furto.

Tais acidentes são tragicômicos. São dramáticos porque, no fim das contas, o bandido furta o mocinho na própria casa deste; são cômicos porque, no fim das contas, significam um desafio aberto aos defensores da lei e da ordem, valendo notar uma notícia não muito antiga no sentido de que computadores do Gaeco, em Campinas, teriam sido furtados dos gabinetes. Que coisa esquisita: aqueles que, em tese, seriam os autores de interceptações diversas e penetração nos segredos dos outros tiveram a carteira surrupiada…

Cartórios criminais em geral e salas de audiência em particular são o relicário de centenas de disputas referentes à liberdade. Esporadicamente, some um ou outro processo, comportamento mais difícil agora, após com implementação de processos digitalizados, pois sempre haverá uma cópia de uma cópia guardada num armário eletrônico qualquer. No fim de tudo, bastaria ao dono da casa furtada procurar dentro da própria as primeiras anotações do distúrbio doméstico. Isso não acontece à toa, basta indagar bem. Ponto final.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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