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A tragédia de Santa Maria

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
A tragédia de Santa Maria ***

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Há muitos e muitos anos, houve incêndio num circo, em Niterói. Foi terrível. Ivo Pitangui já era célebre. Evaldo Bolívar de Souza Pinto, hoje dos maiores cirurgiões plásticos que o mundo tem, começava a especialidade, no Rio de Janeiro. Meteram todos as mãos na massa, auxiliando a redenção dos feridos e recompondo o possível no restolho daquele inferno. De lá a esta data, houve outras tragédias menores no país, mas um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, compete em quantidade e qualidade com tudo que já aconteceu de ruim no Brasil. O saldo: 233 mortos e 131 feridos, a maioria composta por jovens de ambos os sexos. Morreram sufocados, antes da queimação. Há sobreviventes sim, muitos deles deformados pelo calor. Pouco se sabe sobre a existência ou não de saídas de emergência, mas resta o conhecimento daquilo que o ser humano pode fazer quando encarcerado no entremeio das chamas, pois o desespero também mata.

Há nos jornais, dois ou três dias depois, fotografias terríveis do velório e do enterro coletivo. É difícil uma reza abrangente do todo. Procure-se, na ânsia da individualização, um destinatário maior da oração: senhores e senhoras comportados teriam conseguido safar-se, porque ocupando lugares vips. A bruxa, então, escolheu os moços, aqueles mesmos misturados, antes, no ensurdecedor batuque das músicas eletrônicas, aquele mesmo barulho bailando com a primeira fagulha. Os músicos saltaram no meio da pirotecnia. Salvaram-se, perdendo seus instrumentos. Um deles, entretanto, de nome Danilo Jaques, voltou correndo àquele fogaréu satânico. Não queria a destruição da sua sanfona, aquela mesma que ele chamava de “minha criança”. Imolou-se. Provavelmente, morreu com ela nos braços. Oremos por ele e por todos.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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