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Tio Sam deu ideias ao Ministério Público?

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Rogério Seguins Martins Júnior

A Casa Branca admite que os órgãos de investigação federais, nos Estados Unidos da América do Norte, gravaram milhões de ligações telefônicas entre cidadãos, suspeitos ou não da prática de infrações penais. Não se sabe exatamente quando começou aquilo, mas parece ter sido herança do Governo Bush, especializado nesse tipo de coisa, sem exceção das torturas praticadas em Guantánamo. Obama chegou à Presidência com ideais de restauração dos chamados direitos e garantias individuais, mas o desastre das Torres Gêmeas, lá atrás, aterrorizando o povo, parece tê-lo feito mudar, ou esconder suas pretensões sob o travesseiro, enquanto dorme ou finge. A interceptação telefônica e ambiental, naquele país e no Brasil, tem fundamentos não muito complicados. Há, além da escuta monitorada, palavras-chave. Por exemplo: “bomba” (em Portugal, é “petardo”), “terrorismo”, “islã”, “profeta”, “trinta mil virgens” (se virgem houver, ainda, por lá), havendo captação automática no sistema. Não se pense que tal fenômeno só acontece na América do Norte. Aqui, o aprisionamento de assuntos ligados a temas afins já é coisa de criança. Explique-se: cada vez que é empregado o vocábulo “Dilma”, um órgão qualquer de inteligência capta espontaneamente aquele símbolo e manda à interpretação de peritos ou, melhor dizendo, analistas. A escolha não é aleatória. O episódio dos índios “Terena” é bastante ilustrativo. Alguns, ouvidos abafados por fones, hão de ter interesse despertado pela descrição do conflito começado lá em Sidrolândia, Mato Grosso do Sul. Funciona assim.

Não se sabe onde a Polícia Federal brasileira e o Ministério Público, Estadual ou Federal, buscaram as primeiras linhas adequadas à rotinização da interceptação telefônica, mas o nacional, nesse e noutros aspectos, não difere muito do chinês e do paraguaio, embora a clonagem, no último país, seja de péssima qualidade. A China ainda quebra o galho. Vai daí, temos no Brasil milhares e milhares de músicas cantadas e compostas por norte-americanos, bastando lembrar que isso vem de longe. O cronista mais antigo chegou à adolescência aprendendo a dançar “blue moon”, “night and day” e “stranger in the night”. Por sorte, o heroico Tom Jobim pôs no mundo “Garota de Ipanema”, afirmando-se que a canção compete com “Let it be”, que é inglesa, aliás. Bom para os herdeiros do maestro, com a ressalva de que a versão ciclópica é norte-americana.

Consta do noticiário que o Conselho Nacional do Ministério Público, investigando quais e quantas unidades da Federação adquiriram o mefítico “Guardião” (ou análogo), versão tupiniquim de um trambolho qualquer posto a viger na América do Norte, obteve, até agora, 17 respostas positivas. Em outros termos, quem não tem, nos órgãos de investigação, o computador-espião passa vergonha, prenotando-se que parece haver, por parte de empresas destinadas ao fim, uma espécie de reserva de mercado, porque no Ministério Público paulista, respondendo ao pregão, só compareceu um pretendente, ausente, diga-se de passagem, em outros Estados. Em suma, não há conflito de interesses mas, provavelmente, entendimentos subliminares, circunstância prevalecendo, de resto, em centenas de licitações e concorrências públicas postas no comércio por segmentos estatais.

O fenômeno, no Brasil, corre muito sério risco de transformação em atividade risível (dir-se-ia ridícula). Outro dia, pesquisando a jurisprudência, os cronistas leram acórdão verrumando severamente piada de português, levando o humorista Jô Soares a reclamar, dizendo que tais pantomimas existem na brasilidade desde o século XVI. No fim de tudo, se a interceptação telefônica persistir, aqui, sob a atual tonalidade obsessiva, há de surgir, logo, projeto de lei federal criminalizando a conduta de quem inventa anedota sobre espionagem eletrônica, valendo a alternativa de punição a quem usar celular criptografado, sobrelevando, até nisso, o fenômeno da “transparência”. Como diziam os poetas lusitanos, “Eia pôis”. Deve ser porque nossos descobridores, enquanto atendem ligações telefônicas, dizem: “Está lá?”. Nunca entendemos a razão, mas que dizem, dizem. E temos dito: “Está lá?”.

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