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Espionagem norte-americana no Brasil (Ou “o espião que entrou numa fria”)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

         Há alguns anos, escrevi um romance chamado “Dolores”, relativo à prisão, em São Paulo, de uma boliviana. A moça foi autuada em flagrante porque teria trazido ao país noventa quilos de cocaína, deixando-os num “malex” do aeroporto de Guarulhos. Localizaram-na no antigo Othon Palace Hotel. Dentro da bolsa da mulher havia a chave do armário referido. Logo, a cocaína lhe pertenceria. No fim de tudo, havia um plano para a desmoralização do governo boliviano, cujo Ministério da Agricultura procurava erradicar campos de coca, substituindo-os por sementes de cereais e grãos diversos.

Escrevi, no meio do livro, que havia em São Paulo um grupo de trabalho norte-americano com estreitas ligações no Brasil, espionando e combatendo o tráfico de drogas da Bolívia para cá. Em outros termos, as comunidades da chamada “inteligência” estavam muito ativas na cooperação, cuidando-se de tarefa até saudável, não estivesse alavancada a missão em atribuições outras. Sabiam portanto nossos órgãos de investigação que havia aqui série grande de interceptações telefônicas e até ambientais, circunstância, aliás, admitida agora, segundo noticiário jornalístico. Dentro do contexto, a indignação manifestada pelo Poder Executivo Federal quanto à espionagem internacional praticada pelos Estados Unidos da América do Norte não tem grande dose de razoabilidade, pois o fato era e é do conhecimento de todos os que minimamente lidam com o assunto.

A questão veio a lume depois das indiscrições do antes espião Edward Snowden, agora homiziado em zona de trânsito situada no aeroporto de Moscou. O rapaz era funcionário de uma empresa terceirizada pelo Governo norte-americano, encarregando-se do espiolhamento de milhares e milhares de cidadãos e, quiçá, de segredos de muitos países. O delator é tratado como trânsfuga mas, num certo sentido, é um herói a desafiar todo o potencial da CIA, FBI e setores policias dedicados a investigar as intimidades alheias.

Há notícia de que a ONU está a intervir nessa delicadíssima questão correspondente à interceptação telefônica, ambiental e cibernética, recomendando aos conveniados um retrocesso nessa compulsão. Isso estouraria mais cedo ou mais tarde, com reflexos profundos em movimentação assemelhada praticada internamente por nossos policiais, hoje acolitados pelo Ministério Público. Tocante à última Instituição, há admissão expressa de disposição a tais atividades, confessando-se, inclusive, a propriedade de instrumental adequado e servidores a tanto dedicados, pertencendo ou não a quadro próprio. É preciso entender, então, que a provocação advinda do desvestimento das atividades espiolhadoras da América do Norte deveria servir como exemplo para nossas autoridades. Em outros termos, o Brasil é, na atualidade, um verdadeiro bordel eletrônico, enlaçando-se órgãos oficiais com empresas privadas, nisto cooperando alguns magistrados desavisados e acusadores entusiasmados injustificadamente com resultados provisórios, na medida em que o Supremo Tribunal Federal, embora vagarosamente, está a cuidar do assunto. É possível que a intromissão norte-americana nos nossos assuntos venha a criar uma pequena crise diplomática mas, no fundo, eles se entendem, porque colaboram nisso há muito tempo, embora os norte-americanos sempre aproveitem a mão aberta, tomando conta do resto. Isso passa. A chamada comunidade de “inteligência” se entende, porque trabalha na sombra. Resta, no aeroporto de Moscou, o confitente Edward Snowden. Aquilo está virando uma briga de gato e rato, não se conhecendo a extensão da vigilância exercida contra o fugitivo. Parece um capítulo da trilogia “Bourne”. Naqueles romances, ainda sem final, o mocinho sobrevive. Quanto a Snowden, é rezar para que ele não escorregue num degrau de escada e, em consequência, viaje para outra dimensão. Acontece.

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