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O bom juiz

Roberto Delmanto

Na França, há alguns anos, o decano dos magistrados foi, conforme a tradição, convocado para saudar os novos juízes que acabavam de ingressar na nobre carreira. Surpreendendo a todos, prestes a se aposentar após longa e brilhante judicatura, recomendou aos jovens colegas que, em seus julgamentos, não tratassem a todos igualmente, mas aos desiguais, desigualmente. Assim, em uma ação movida por um pai contra o filho, olhassem mais para este; na de um marido contra a mulher, mais para esta; na de um patrão contra o empregado, prioritariamente para o último. Ou seja, procurassem sempre proteger os mais fracos…

O Brasil também teve um juiz solidário com os menos favorecidos e humano com os acusados: Eliézer Rosa, que atuou na primeira instância do Rio de Janeiro e depois no Tribunal de Justiça desse Estado, sempre na área criminal. Como juiz fez prevalecer o justo sobre o legal e preferiu ser mais humano do que justo, por acreditar que a humanidade está mais perto do verdadeiro ideal de justiça.

Certa ocasião, depois de ser convocado para atuar na Segunda Instância, retornou à 8ª Vara Criminal. Nela, apesar de ser à época vedado, concedeu liberdade provisória a um jovem e pequeno traficante que estava prestes a ser pai pela primeira vez.

Em sua decisão, de grande conteúdo humano, beleza e transcendência, escreveu: “Dou-te a liberdade, môço. Não tanto porque a mereças agora, mas porque tu serás pai dentro de algumas horas. Tua mulher e teu filho necessitam de tua presença. Vendo a beleza da maternidade e o rostinho de teu filho, talvez aches coragem para teres uma vida diferente. Vai e trabalha e assiste à tua mulher e à frágil vida que encherá teu pobre barraco de uma alegria que nunca tiveste. E tu, mulher sofredora, que hoje trazes no ventre o fruto do teu amor pelo homem a quem agora dou liberdade, lembrarás que teu filho foi gerado e cresceu dentro de ti, em sofrimentos. Nunca lhe digas que o pai esteve preso, para não lhe magoares o coração. Nem lhe digas que um velho Juiz teve piedade de ti, de teu filho e de teu marido, porque o humilharias.”

Em seguida, Eliézer deu conselhos ao rapaz a quem libertou “um tanto contra a lei, mas que a lei do amor deve ser maior que a dos homens”, ordenando que fosse expedido alvará de soltura e terminando com essas reflexões sobre si mesmo: “Espero que tenha sido para isso que eu tenha voltado ao lugar onde nunca mais pensava voltar. Nada é mais belo que dar um pouco de felicidade ao pobre que sofre. Se foi para isso, eu agradeço a Deus fazer-me voltar. Se foi para dar alegria, bendita seja a hora em que voltei, embora com grande sacrifício. Moço: quando chegares a teu barraco, ajoelha-te e pede a Deus que te ajude e que ajude ao velho Juiz. Tu sofres. Eu também. Expeça-se o alvará hoje, mas com urgência. Ele será pai e não deve estar preso. O mundo não perderá nada com essa pequena infração à Lei que acabo de fazer em nome de um sentimento maior de solidariedade humana. Afinal, o delito não é tão grave assim, deste pai preso”.

A respeito da atuação dos advogados nas audiências, Eliézer Rosa dizia: “Vi causas ruírem pela impertinência do advogado, vi causas aparentemente perdidas, irem-se erguendo, construindo, embelezando, ganhando formas empolgantes, a cada pergunta feita e a cada resposta dada. A prova é o campo de eleição do advogado. Um grande advogado é um grande artista da prova, é na prova que se prova o advogado.”

E, naquele que talvez tenha sido o maior elogio já feito por um juiz aos que exercem a tão incompreendida advocacia criminal, Eliézer Rosa, que entrou para a história como “o bom juiz”, afirmou, certa vez, que “todo criminalista tem um pouco de diabo e muito de anjo…

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