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Julgamento do “Mensalão” (Um samba erudito)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Ontem, 21 de agosto de 2013, houve a esperadíssima sessão em que, de um lado, o Presidente do Supremo Tribunal Federal poderia desculpar-se por ter alegado que seu revisor fazia chicana. De outra parte, milhões de brasileiros prediziam o que faria o Ministro Lewandovski em legítima defesa. No fim de tudo, Joaquim Barbosa não se escusou. O Vice-Presidente, provavelmente instado por muitos, deu o assunto por superado depois de passear, elegantemente até, sobre a manifestação do Presidente da Corte. Vai daí, Celso de Mello, o decano, desagravou o colega, sempre educado em considerações nas quais, em certo sentido, repreendia o agressor. Joaquim Barbosa retomava a palavra quando Marco Aurélio, ágil, praticamente lhe cassou a iniciativa, falando sobre a independência dos juízes e a liberdade que cada qual tinha, inclusive, de proferir voto minoritário. Passou-se ao julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Bispo Rodrigues (nome de guerra). No frigir dos ovos, três foram os votos vencidos: o próprio Lewandovski, Toffoli e Marco Aurélio. A discussão básica se prendia à data de cometimento, pelo embargante, da denominada corrupção passiva: antes ou depois da promulgação da lei que aumentou as penas de tal infração penal. Lewandovski afirmava que a corrupção, no fim das contas, é crime formal. O recebimento da vantagem seria apenas o exaurimento. E tinha razão, respeitada profusa jurisprudência de todas as cortes brasileiras. Verificou-se, no contexto, uma diferença marcante entre o mínimo e o máximo previstos na lei primitiva e naquela usada como parâmetro da tese vencedora. À falta de melhor definição, o velho escriba sugere, quanto à disputa, um novo nome a acrescer às diversas teorias sobre a tradicional tipicidade advinda dos penalistas alemães, um nome comprido, aliás, não valendo a pena insistir no tema, porque aquilo, sob Adolf Hitler, virou um salseiro, repetido às vezes por nossos tribunais (v. teoria do domínio do fato). Na medida em que, para acompanhar o voto do Ministro Presidente, foi preciso dançar entre a data da solicitação e aquela do recebimento da vantagem, o cronista inventa a tipicidade geleiosa, porque escorregadia e assentada no fato à vontade do intérprete. Geleiosa ou geleienta, tanto faz, mas sempre elucidativa. Houve tempo, lá atrás, em que o infra-assinado, enquanto estudioso do direito penal e quejandos, era criativo. Referindo-se a inquérito policial, acentuava existir, naquele procedimento, o chamado “contraditório mitigado”. Hoje, muitos doutrinadores conspícuos usam a expressão, perdida, quem sabe, num velho escrito embolado no que já passou. Fique, portanto, à disposição dos doutos, o codinome sugerido: tipicidade geleiosa. Há, na expressão, até uma certa dose de voluptuosidade.

Finde-se o escrito, que não pode ser longo, com manifestação de tristeza quanto à participação do novo Ministro, o Barroso, meu ídolo. Comparava-o, em competência, capacidade verbal e mesmo comportamento, ao padre da minha igreja. A equiparação não vale mais. Lavou as mãos, como na música de Paulo Vanzolini (“Samba erudito”). Aquele governador da Judéia, prensado, deixou aos hebreus a decisão. Há uma diferença: meu ícone destronado, pragmaticamente, rejeitou os embargos, pois precisaria reavaliar a prova toda e, no fim das contas, até pouco tempo atrás, era um estranho no ninho…

Não se surpreendam os Ministros com o teor da crônica. É prerrogativa dos decanos. Aqui, indiscutivelmente, o escriba é o mais velho.

Luís Roberto Barroso e o padre da minha igreja – Paulo Sérgio Leite Fernandes – 28/05/2013

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