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Cláudio Antonio Mesquita Pereira morreu

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Ibiúna é uma cidadezinha curiosa. Tem vários condomínios escondidos nos morros circundantes. Foi palco, anos e anos atrás, do incidente que resultou na prisão do então líder estudantil José Dirceu, durante encontro contestador do regime autoritário em desenvolvimento no país. Lembro bem daquilo por algumas razões. Entre outras, fui depositário do ancinho com que um investigador do DOPS deu voz de prisão àquele moço que, bem ou mal, recebeu publicidade grande à época e ainda a tem na atualidade. Aquela ponta de instrumento agrícola ganhou ferrugem no passar dos anos. Devolvi-a faz meses, pois tinha dono. Ao lado dessas particularidades diferenciadas, Ibiúna sediou a casa de Fernando Henrique Cardoso, I e Único, rei do Brasil, vizinho meu num condomínio rústico e amigo íntimo de José Gregori, que foi ministro da justiça ao tempo. Lá adiante, ainda numa curva da montanha, morava Angelo Taccari, dos maiores ceramistas que o país já produziu, autor de esculturas lindíssimas – sempre as ninfas – das quais possuo cerca de dezesseis. As últimas, Taccari perdendo a visão, continuavam graciosas no torso, mas não havia rostos. O grande escultor esgrimia razoavelmente o cinzel, mas não conseguia moldar minúcias. Adiante, numa construção agora em decadência, vivia Ruth Escobar, atriz longeva, ela e um ou outro familiar. No meio do caminho moravam os irmãos José Eduardo e Leonardo Mônaco, dois advogados diferenciados partilhando a mesma casa e unindo as famílias. Eduardo de Carvalho Tess, antigo residente, sobrevive bem.

Alguém afirmou que nós matamos o tempo mas ele nos enterra. Nesse contexto, a grande maioria dos vizinhos já foi. Fernando Henrique, rei do Brasil, continua lépido, embora não mais morando lá. Angustiou-se depois da viuvez. Cláudio Antonio Mesquita Pereira, ocupando uma construção carinhosamente mantida, era vizinho. Sua casa dava diretamente na represa. Teve um barquinho a remo. Cruzávamos na água às vezes, ele remando, eu aproveitando o vento no veleiro Graziela.

Surge, nesta manhã de 21 de agosto de 2013, notícia de que Cláudio Antonio Mesquita Pereira viajou definitivamente para o Valhala. A bruxa é sempre surpreendente, embora esperada e fatal, o que não nos impede de frequentar velórios e chorar no túmulo de parentes e amigos, numa espécie de confiança na perpetuação. Cláudio Antonio era amigo dos tempos em que a ditadura vicejava no país. A Ordem dos Advogados se formava com dezoito conselheiros, mais seis do Instituto dos Advogados. Jantávamos, depois das reuniões do Conselho, no restaurante “Ouro Velho”, num declive próximo à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Foram-se quase todos: Cantidio Salvador Filardi, Cid Vieira de Souza, Carmo Domingos Jatene, José de Castro Bigi, Ruy Homem de Melo Lacerda, postos em desordem no texto, partiram para outra morada. Cláudio Antonio Mesquita Pereira lhes faz companhia. Mário Sérgio Duarte Garcia, destemido, comanda a Comissão da Verdade da OAB paulista. Usa uma fina bengala de junco, parecendo não precisar dela. Do meu lado, resta especial preferência pelo poeta Vinícius de Moraes, igualmente transeunte nesse pedaço misterioso. “Quem pagará o enterro e as flores, se eu me morrer de amores?”. É, enquanto o sol desponta, a hora da nostalgia. A resistência à grande harpia traz espécie de culpa escondida. Por isso, quem sabe, o velho ri pouco…

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