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O caipira

Roberto Delmanto

Esta estória foi contada pelo conceituado jornalista e cronista Percival de Souza. Tentarei reproduzi-la para preservar sua memória.

Na importante comarca do interior paulista, havia um promotor famoso pelas suas atuações no júri. Grande orador, de voz sonora, vasta cultura e muito aguerrido, era considerado imbatível, embora não gozasse da simpatia da população, que o considerava arrogante. Os réus por ele acusados já se consideravam de antemão condenados; e os advogados da região, via de regra, se sentiam intimidados pela sua presença em plenário.

Por esse motivo, o rico industrial da cidade, ao ser pronunciado por homicídio qualificado, achou melhor contratar um criminalista da Capital que fosse renomado, a fim de enfrentá-lo. O escolhido foi meu pai Dante, que assumiu sua defesa.

No dia do julgamento, o salão do Fórum estava lotado, com todas as cadeiras ocupadas e os corredores tomados por pessoas em pé. O júri foi memorável, um debate de titãs, no qual, pela primeira vez, o promotor foi derrotado.

Alguns meses depois, na outra sessão periódica do júri, marcado o primeiro julgamento, o promotor preparou-se com afinco maior do que o habitual, disposto a reconquistar o antigo prestígio.

Iniciados os debates, o membro do “parquet” mostrava-se mais brilhante e combativo do que nunca, enquanto o causídico da cidade que defendia o réu aparentava estar constrangido.

Foi quando, repentinamente, no auge da fala do promotor, um “caipira” que, em pé, assistia o julgamento, gritou com seu inconfundível sotaque: “Péra aí, que eu vou chamá o Dante…”. E, rapidamente, sumiu pela porta lateral…

As gargalhadas, espontâneas, eclodiram no plenário. O promotor, aturdido, ficou desconcertado, literalmente “perdendo o rumo” de sua acusação. O defensor, por sua vez, entusiasmou-se, fazendo uma grande defesa. E, pela segunda vez na comarca, o promotor acabou vencido.

O júri entrou para a história da cidade, mas, até hoje, não se sabe se o ocorrido deveu-se a uma encenação adrede preparada pelo defensor local ou se foi um ato espontâneo, digno da conhecida malícia e irreverência dos nossos “caipiras”…

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