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Instituto “Royal”: Ficamos tristes e compramos um beagle

 Paulo Sérgio Leite Fernandes

O exercício constante e antigo da advocacia criminal leva os especialistas a conhecerem um pouco de tudo, inclusive sobre medicina, veterinária, botânica e zoologia em geral. Parece brincadeira, mas não é: certa vez, muitos e muitos anos passados, houve uma epidemia de ratos nas linhas do metrô, invasão nos túneis daquele meio de transporte, prejudicando a saúde de muitos e de funcionários. Para quem não sabe, rato tem memória. Foi uma trabalheira danada para erradicar o problema, provar a adoção anterior de medidas sanitárias e alternar os venenos, pois as colônias daquele bicho, à notícia de envenenamento de um, mandam cobaias a provar a isca. Se as ratazanas-laranjas não morrerem, o resto vai atrás, provocando-se, então, a fabricação de substâncias de efeito retardado, para enganar a comunidade. Já se vê que penalistas precisam saber dessas coisas. Diz o texto, evidentemente, com o escândalo canino divulgado nos jornais impressos e na televisão, dizendo respeito a uma Instituição chamada “Royal”, situada nas cercanias de São Roque, voltada a testes com cães, sobretudo da raça beagle, a saber da cura de doenças diversas dos seres humanos, sem exceção de alergias geradas pela cosmetologia. Aquilo estourou na mídia televisiva, vendo-se muitos cãezinhos da espécie em amostragem, sabendo-se que existe, não muito longe, um criador dedicado à manutenção desses cachorros e justificadamente enraivecido, pois alheio a tais particularidades. Vai daí, ativistas da defesa de animais invadiram o instituto científico identificado e furtaram todos os cãezinhos encontrados no local, uns parecendo saudáveis, outros doentes, não se sabendo se os malefícios eram naturais ou provocados pelos cientistas. Os jornais divulgaram moços e moças fugindo com os rebentos no colo.

É furto, em tese, talvez qualificado pela remoção de obstáculos. Os proprietários daquela imitação canina de Auschwitz ou Dachau, destacando-se muitos doutores, saem a campo informando que os cães e animais outros servem à proteção da saúde dos seres humanos, havendo lei regendo a espécie (Lei número 9.605, de 12 de fevereiro de 1998). Ali, no artigo 32, pune-se a prática de abuso, maus-tratos, ferimentos ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Adiante, é castigado quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. As penas são agravadas se ocorre a morte do bicho.

Tocante aos cães, há psicólogos afirmando que uma das diferenças entre estes e o seres humanos (são muitas, é claro) é o fato de o homem (e por consequência a mulher), ter consciência da própria existência, ou seja, não só sabe que existe, mas projeta ao redor a ciência desta realidade, coisa que o animal não tem. Ou será que tem? Certa vez, um dos cronistas, que não é “cachorreiro”, perguntou a uma cliente se cachorro pensava. A moça deu uma resposta curiosa: “- ele pensa que pensa!”. É o suficiente para que se consiga entender as razões pelas quais os cães de estimação, quando grandes o suficiente, carregam à cama de seu dono o jornal “O Estado de São Paulo” de domingo, balançando a cauda e aguardando um carinho. No meio disso tudo, lá no Instituto “Royal”, os experimentadores (médicos ou veterinários) enfiam agulhas nos bichinhos, provocam-lhes doenças artificialmente, causam-lhes dor e, às vezes, a poder de acidente de percurso, executam os animais, em benefício da humanidade. Ligando-se a isso, dizem muitos alunos de escolas de veterinária respeitadas que a preocupação dos orientadores não é muito grande, principalmente porque provocação de dor é uma das finalidades de medicação contra a mesma.

Ainda respeitando aos cãezinhos furtados da empresa sacrificante, não se pode, evidentemente, aplaudir a conduta do moço ou da moça a sair com um bichinho daqueles no regaço. Os cachorrinhos, machos ou fêmeas, olham em torno, com certeza, pedindo socorro, mesmo porque começam a reconhecer o carrasco a lhes chegar à cela de bata branca. O animal conhece cores e identifica facilmente seu assassino, também pelos feromônios, bastando lembrar, ao tempo da inquisição, e em contra-argumento antecipado, a existência de verdugos que choravam enquanto torturavam suas vítimas.

Os penalistas, principalmente os subscritores, têm as emoções à flor da pele. Não suportaram ver aqueles animaizinhos expostos à visitação pública como se fossem conformados candidatos a fornos crematórios. Não enaltecem quem furtou os cachorrinhos, mas há naquilo tudo, diga-se de passagem, relevante valor moral e coragem diferenciada. De outra parte, ouviram as reclamações do criador mantenedor daquele canil localizado a alguns quilômetros do instituto. Aquela família cria beagles há trinta anos e não tem nada com isso, repudiando veementemente qualquer ligação com o campo de concentração canino em evidência. Dentro de tal conjuntura, tocados pelos acontecimentos, os subscritores resolveram comprar do mantenedor um beagle, com pedigree e certificado de vacinação. Vão mantê-lo no escritório (vantagem de ser uma casa). Na verdade, Bush viajava com seu cão de estimação (Barney) no “Air Force One”, realçando-se que o cãozinho, aliás, era o primeiro a desembarcar. Obama e familiares desfilam com um animalzinho, de raça nobre, muito simpático, por sinal. Infeliz de quem fustigar “Bo”. Termina os dias em Guantánamo. Tocante à presidente Dilma, consta ter um cachorro chamado “Nego”, herdado de Zé Dirceu, um labrador deixado em Brasília quando o ex-ministro caiu em desgraça. Encerrando: adquirimos uma fêmea “beagle” com 70 dias de idade. O chefe do escritório a olhou e já lhe deu nome, é “Madalena”. Tem cara de muita adolescente distinta. Seguramente, há de ser tratada como princesa, mantida em boa saúde e protegida dos empunhadores de bisturis embotados.

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