Home » Ponto Final » Rir no enterro é o melhor remédio?

Rir no enterro é o melhor remédio?

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Rir no enterro é o melhor remédio?***

_________________________________________________________________________________  

Quando o cronista era quase adolescente, tinha preceptor na ciência do Direito. Cuidava-se de um dos melhores criminalistas já vividos. Um nortista baixinho, cabeça chata sim, inteligente, preparado, culto e astuto. Levava quase todas. Tinha, entretanto, um defeito muito esquisito: não havia enterro em que não risse às gargalhadas e inexistia missa de 7º dia em que não contasse uma piada, geralmente sem graça. Só ele se divertia. No fim, uma espécie de trauma psicológico, mas para nós, seus discípulos, o constrangimento era grande.

Vem isso a lume com a foto do Presidente do mais importante país do mundo, o havaiano Obama, sentado à tribuna de honra do estádio Soccer City, em Joanesburgo, no início das solenidades referentes ao enterro de Nelson Mandela. Havia ali sessenta mil pessoas no mínimo, com uma particularidade: quase todos dançavam e demonstravam alegria, aquele bailado peculiar dos africanos, uma certa semelhança com os féretros havidos em Nova Orleans, só que, às margens do Mississipi, o povo desfilava ao som de instrumento de sopro (flautas, pistons, etc). Na África era grito mesmo, mulheres e homens meneando cadenciadamente o corpo em homenagem ao líder extinto. Noventa e poucos chefes de Estado. Dilma levou outros quatro. Lula, sem carisma, pois perdeu a barba. Sansão, sem cabelo, fora às calendas. É perigoso. Collor de Mello, Sarney e Fernando I e único, rei do Brasil, estavam lá. Viajaram todos na cabine presidencial. Demonstraram a força que o país tem. Dilma falou. Há, nos protocolos oficiais, algumas regras sobre manifestações de presidentes: sempre se diz o óbvio. A presidente diz. Obama lê. Às vezes improvisa, mas tem um aparelho a mostrar letras e parágrafos só vistos por ele, uma espécie de meia-transparência. De qualquer forma, se leu, leu bem. Deve ter lido.

Mandela quebrou pedra durante vinte e sete anos na cadeia. Havia muita coisa a dizer a respeito dele. Ou nada. Bastava ir. No meio daquilo tudo, o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte descobriu uma Primeira-Ministra loira, simpática, bonita, alegre e sentada ao lado. À esquerda, a primeira-dama. Emburrou, porque o marido, além de rir, fotografava a si próprio e à outra com o celular, como se fora um trêfego rapazola. Foi assim, mas o estádio inteiro ria, não havendo, sequer, a extravagância apontada no início da crônica. É bom dizer, no fim das contas, que o Presidente Obama, depois, na privacidade, deve ter levado uma ralada daquelas, pois Michelle não parece gostar muito de resvalos. Entretanto, o mundo todo há de ter desculpado o havaiano. Dependesse dele e, quiçá, estaria dançando também, à maneira do pai e dos avós. Ficou bonito. Uma matreirice, mas valeu a pena.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e quatro anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

Deixe um comentário, se quiser.

E