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A toga honrada

Roberto Delmanto

A tarefa de julgar é mais divina do que humana, estando escrito no Livro dos livros: “Assim como julgares, sereis julgados”.

Há juízes que, após exercerem essa tão nobre quanto árdua função, partem desta vida ou se aposentam, e deles não mais se houve falar; outros, que são lembrados por seu rigor excessivo e falta de sensibilidade; e alguns, privilegiados, que são recordados pela sua humanidade, grandeza de alma e compaixão.

Entre estes, Eliezer Rosa, magistrado carioca que entrou para a história como “o bom juiz”. Dos paulistas, meu pai Dante Delmanto falava de Pedro Chaves, que viria a honrar o Pretório Excelso, e de Márcio Munhóz.

Do início da minha advocacia, tenho na memória as figuras de Cantidiano de Almeida e Adriano Marrey, filho do lendário criminalista Marrey Júnior.

Houve época em que a Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo tinha apenas duas Câmaras. Uma delas era composta por Desembargadores que, embora de grande cultura e indiscutível idoneidade, agiam com muito rigor, sendo apelidada pelos advogados de “câmara de gás”. A outra, que podia ser chamada de “câmara da esperança”, foi , em certo período, integrada por magistrados de igual nível cultural e probidade, mas liberais e muito humanos.

Fizeram parte da última: Alberto Silva Franco, que mais tarde fundaria o IBCCRIM, inicialmente recebido com desconfiança e hoje o mais respeitado instituto penal e processual-penal brasileiro; Adauto Suannes, defensor dos direitos humanos e idealista; Ercílio Sampaio, de grande sensibilidade; Edmeu Carmesini, cuidadoso no exame da prova; e Ranulfo de Melo Freire, sempre lembrado. A sorte dos acusados dependia, então, e muito, da distribuição do feito em Segunda Instância.

Acerca de Ranulfo, recordo-me de certa causa que meu pai defendeu em comarca do interior paulista em que ele era juiz. Os dois réus eram um brasileiro e um norte-americano acusados do incêndio doloso da própria fábrica para receber o seguro.

A certa altura do feito, o Promotor descobriu que o americano já havia sido condenado pelo mesmo crime no Peru, juntando tal prova aos autos. Ranulfo, como ele me relatou uma vez, fez questão de apagar mentalmente, por completo, esse antecedente, para que não o influenciasse em sua decisão.

Percebendo que havia grandes interesses econômicos envolvidos, inclusive por parte do Instituto de Resseguros, optou o grande magistrado por realizar uma audiência única, afim de evitar comunicação entre os inquiridos. Assim, em um mesmo dia, logrou, ouvir todas as testemunhas – de acusação e de defesa – inquirir os peritos e realizar as necessárias acareações. A audiência, tal qual em um júri, terminou de madrugada…

Juízes como os lembrados honraram a toga, entraram para a história da magistratura brasileira, seus votos democráticos, liberais e compassivos ainda ecoam nas Cortes em que atuaram e eles permanecem em nossa memória como exemplos a serem seguidos pelos novos magistrados.

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