Eleição Direta a Ministro do Supremo
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Eleição Direta a Ministro do Supremo
(Ou O Falso Pressuposto da Imparcialidade)
(Ou Estava Escrito)
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O Ministro Marco Aurélio, presidente da Suprema Corte, assume às vezes posições absolutamente originais. Defende a eleição direta, pelos juízes, dos integrantes do Supremo Tribunal Federal. Quer, igualmente, a criação de um Tribunal Constitucional, a exemplo de países outros, destacando-se a França.
Se o eminente ministro pleiteia tais inovações, pretende, evidentemente, a quebra da vitaliciedade, uma das garantias fundamentais da magistratura. A criação do tribunal constitucional, paralelamente, seria, segundo o presidente do Supremo Tribunal, um auxílio seguro à manutenção da imparcialidade de decisões importantíssimas envolvendo questões constitucionais de alta indagação.
Sou um sobrevivente de priscas eras. Iniciei-me na advocacia especializada há quarenta e poucos anos. Acompanhei, portanto, o trajeto do Poder Judiciário durante as mutações sócio-politico-econômicas do país. As declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal apenas secundam o que venho afirmando, verbalmente e por escrito, repetidamente, em manifestações variadas dirigidas à classe jurídica brasileira. Recentemente, há duas ou três semanas, formulei algumas críticas às denominadas posições políticas da Suprema Corte e à forma de escolha dos augustos integrantes da nobre instituição. Na medida em que os onze ilustres juízes têm indicação e aprovação advindas, de um lado, do Presidente da República e, de outra parte, do Senado Federal, podem vincular-se, até por espécie de simbiose, àqueles que lhes possibilitaram o uso vitalício da toga, tornando-se, de alguma forma, simpatizantes das causas transmigrantes enquanto na presidência estiverem os apadrinhadores.
Não há nisso ofensa qualquer, mas simples captação da rotina do comportamento do ser humano. Assevera-se, nos vetustos manuais de Direito, que os magistrados são imparciais. É bobagem. Trazem consigo, enquanto julgam, carga permanente de tendências hauridas na infância, mocidade, meio social, padrões culturais circundantes, religião, afetividade, dramas pessoais e influências outras. O ato de julgar é, portanto, atividade complexa. Pode-se prever na atividade forense, com porcentagem elevada de acerto, o desenlace de uma ou outra disputa em que o interesse do Poder Público esteja presente. Hipótese recente é ofertada pela denominada crise de energia elétrica. Obviamente, tiveram os ministros à frente as sérias conseqüências de uma ou de outra opção, mas não se dirá que houve negligência do governo no convencimento de seus paladinos.
Repita-se: não há censura aos cultos ministros. São homens. Têm qualidades excelsas, mas o uso da toga não lhes atribui o cinto de santidade. Na medida em que têm assento preparado por um ou outro governante, perdem alguns a independência real, embora mantendo, enquanto não atingindo a compulsória, o pressuposto formal da intangibilidade. Não deveria ser assim. Os ministros da Suprema Corte mereceriam ser guindados por escolha direta de todo o Poder Judiciário nacional, mantendo-se na função durante período determinado. É a única forma, creio, de se livrarem de pressões da Presidência da República. Vale a pena pleitear, igualmente, a criação do Tribunal Constitucional, igualmente constituído por juízes não vitalícios. Mudam os tempos, modificam-se os enfoques. Juizes guindados ao cargo durante um regime de força teriam dificuldade, certamente, de examinar problemas gerados depois da redemocratização do país. O manejar dos conflitos atinentes à fase nova pede capacidade de enfrentamento rejuvenescido na liberalização. O esforço necessário às novas projeções pode constituir, para o remanescente, desafio ingente à capacidade de modificação de velhos conceitos.
Evidentemente, a vitaliciedade tem suas vantagens. Permite ao ministro insurgir-se contra o criador. Por outro lado, dependendo de eleição, o candidato se transformaria em catador de votos. Não se pense, que o atual sistema poupa o pretendente do beija-mão. A atividade é mais compacta, mas existe. Interferem nisso pressões regionais, apoio direto do governo federal, transações políticas no Senado, enfim, um “toma-lá” “dá-cá” não muito edificante. Tudo isso num período em que o Banco Central é outorgado à presidência de um brasileiro híbrido e uma embaixada é atribuída a um outro com dupla nacionalidade. Aqui, Não basta devolver o passaporte. A renúncia à outra cidadania seria imperativa. Lá, agora e antes, imprescindível seria que o escolhido ficasse aguardando em casa, contritamente, as flutuações políticas havidas no planalto. Pode acontecer extravagância igual, mas o próprio Vaticano se agita, hoje, para a escolha de um novo papa. A Igreja depende de uns poucos para a transmissão do cajado ao sucessor de João Paulo II. Já há candidatos. Se é assim para a eleição de um santo, imagine-se o que ocorre no processo sujeito às agruras da competição terráquea…
* Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da OAB, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.