Dois Prefeitos Assassinados
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Dois Prefeitos Assassinados
(Ou “Fiquemos nos remendos”)
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Há três ou quatro meses, o prefeito de Campinas foi assassinado em circunsâncias misteriosas. Pertencia ao P.T. Em 18 de janeiro passado, idêntico azar teve o prefeito de Santo André. Mobilizam-se a população, os partidos políticos, os amigos, os simpatizantes e a polícia. O presidente da República ordena que a polícia federal participe das investigações. Oferece-se recompensa. Estimula-se a denúncia anônima. Sabe-se, de concreto, que ambos foram mortos a tiros e de emboscada. Não se conhecem os motivos. Suspeita-se de motivação político-partidária. O Secretário de Segurança demissionário (vai concorrer à Câmara Federal) deita falação. Os novos ocupantes da Pasta também falam. Lula, Marta, Suplicy e outros choram. O povo de Santo André comparece em massa, prestando as últimas homenagens ao morto ilustre, repetindo movimento popular concretizado em Campinas.
Consta que o carro blindado em que o prefeito de Santo André viajava foi interceptado violentamente por outro veículo. Há marcas de disparos nos vidros e de colisão na carcaça do automóvel. O fato é extremamente dramático. O prefeito assassinado ( e o outro também) tinham muitos admiradores. Eram respeitados pela oposição As conjecturas sobre os motivos dos assassinatos se perdem na nebulosidade.
É difícil acreditar em intuitos políticos. A morte dos líderes petistas serve somente para engrossar a credibilidade do P.T., permitindo o comparecimento dos respectivos expoentes nacionais, tudo em raríssima oportunidade, pois o Brasil inteiro noticiou o féretro e registrou discursos variados. É preferível, portanto, partir para o homicídio interesseiro (seqüestro com finalidade econômica), tresmalhando-se os executores no meio do caminho.
A reflexão sobre os acontecimentos, entretanto, tem outro destino. Trata-se de creditar os fatos a um momento cultural em que a violência constitui lugar-comum nos grandes, médios e pequenos municípios brasileiros, mantendo-se a rotina , igualmente, no exterior. O comportamento agressivo não é novidade no Brasil. São Paulo mata cento e poucos cidadãos a cada fim-de-semana. Igual número constitui estatística no Rio de Janeiro. Credite-se parte desse número à disputa entre a criminalidade organizada e o Estado ( forças do mal contra as forças do bem?). Na verdade, a delinqüência se organiza e imita, muitas vezes, o que se vê na televisão: fuga de presos em helicópteros, seqüestros de aviões, raptos sofisticados, roubos rocambolescos praticados contra estabelecimentos de crédito e supermercados. Os policiais, de seu lado, começam a usar argumento perigoso enquanto reprimem a bandidagem: é guerra e na guerra a legalidade precisa ser deixada de lado. Olho por olho, dente por dente, é a sugestão. Não há novidade nisso. A pregação justificou, há muito, a criação dos denominados esquadrões da morte.
No fim das contas, a violência praticada pelo Estado contra os marginais é mais antiga do que aquela cometida pelo crime organizado. Há uma linguagem bem conhecida pelos sociólogos que se dedicam ao estudo do crime: a subcultura, ou seja, uma cultura filha vicejando nos subterrâneos do convívio social. Ali, comungam mocinhos e bandidos, os primeiros constituindo a denominada “parte podre” da repressão. É fenômeno velho, muito velho, perdendo-se a origem na própria socialização do ser humano. Sempre houve semelhança ao presente, mas nunca houve tamanha potência na violência recíproca e no próprio entrelaçamento subliminar. Matam-se mocinhos e marginais sem comiseração qualquer. Uns matam por vocação, outros porque os matadores merecem morrer. O problema, portanto, não diz com os defuntos ilustres, mas com o número de cadáveres deixados enquanto a noite não se foi,. principalmente nos fins-de-semana. Aí, não há polícia que dê jeito. A redução da porcentagem depende de anos e anos de recomposição de padrões mínimos de sobrevivência do povo, erradicando-se a pobreza e educando, paralelamente, os próprios representantes dos meios de comunicação. A sociedade, já dizia velho criminalista, é o caldo de cultura da criminalidade. Nisso, não adiantam o discurso inflamado e a promessa de repressão. É sinal dos tempos. É o resultado de uma miséria imensa costurando as magras bocas do povo. É exemplo do desnaturado estímulo indireto à criminalidade advindo da própria imprensa. É infâmia a ser curada, quem sabe, em época outra. Enquanto isso não acontece, fiquemos nos remendos. É o que nos resta.
* Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da OAB, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.