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Casanova e a Mulher-Gigante

Paulo Sérgio Leite Fernandes

A lei que rege a liberdade de imprensa e informação tem características muito curiosas. Os editoriais não assinados são atribuídos aos diretores responsáveis, num faz-de-conta sinuoso, porque alguém sempre usa o computador. No tempo em que este escriba começou a escrever em jornal –faz uns 50 anos – usava-se caneta tinteiro, ou máquina de escrever. Dia desses entrevistaram o rabiscador sobre se ainda tinha esse raríssimo produto – a máquina de datilografar – encostada em algum canto. O escriba tinha. Mostrou-a ao entrevistador. Entretanto, qualquer que seja o instrumental, há um ser humano estimulando a afixação dos símbolos num meio material. Em suma, o escrito não surge do nada, seja no alfabeto fenício ou na língua portuguesa. O cronista é do ramo. Escreveu em matutino de aldeia. Chegou a colocar matéria, inclusive, em jornal montado por Samuel Wainer (Aqui São Paulo). Foi uma edição só, mas foi. Partiu-se, depois do “Jornal do Advogado”, para atividade mais cômoda: o colunista criou sua própria fonte de notícia (o site), a exemplo de motorista cansado de pedir o carro do vizinho emprestado.

O introito é comprido, mas serve para deixar bem claro que qualquer documento, para existir, sendo atribuído a alguém, precisa ser assinado, ou com rubrica digital, invenção posta hoje à disposição de magistrados excelsos. Este escriba sempre assinou seus textos, assumindo plena e absoluta responsabilidade pelos mesmos. De outro lado, nunca renegou acessos de agressividade verbal.  Valem tais considerações para se enervar quando, num órgão de imprensa qualquer, há críticas severas ou xingamentos contra terceiros sem que se saiba quem usou a caneta (ou computador). Dá sensação de menor dose de coragem do articulista, espécie de tia solteirona xingando o passante pela janela entreaberta, protegida pela escuridão. Isso é muito feio. Pior fica quando o ofensor se põe sob os portais de um enorme castelo, vetusta e impenetrável edificação, não se sabendo o nome, estatura, as qualificações e o peso do habitante. A lei de imprensa, evidentemente, resolve em tese o problema porque, não se conhecendo o autor da diatribe, vai-se ao chefe da família, responsabilizando-se-o. Entretanto, isso não serve aos casos concretos, principalmente na hipótese de censura feita a advogado.  Explique-se: a coluna “Opinião” do jornal o “Estado de São Paulo” de vinte e quatro de novembro passado tece comentários desairosos sobre declarações prestadas à televisão pelo criminalista Mário de Oliveira Filho. Este disse, dissertando sobre a cultura política do país, que “qualquer empreiteirinho de prefeitura do interior não coloca um paralelepípedo no chão se não fizer acerto”. Em suma, o fenômeno corruptivo seria uma rotina brasileira.

O advogado foi duramente criticado por tal afirmativa. Ficou sozinho na ribalta, não havendo quem quisesse dizer algo a respeito, principalmente porque a censura vinha de um órgão de imprensa encastelado como senhor feudal. Relembre-se, a propósito, após manifestação do criminalista, série grande de assertivas com tonalidade assemelhada, embora mais elegante, sem exceção de comentários genéricos advindos de pessoas bem postas na vida política e intelectual da pátria. Então, o moço tinha sua opinião endossada robustamente.

Não se cuida, aqui, de saber se Mário de Oliveira Filho exibia ou não razão plena. Trata-se de descobrir simplesmente a identidade da tia velha, ou seja, do jornalista que acobertado pelo jornal acicata a dignidade do advogado. Evidentemente, quem sai a público expendendo seus pontos-de-vista oferece o flanco à contradição. Menos mal. O enfoque, aqui, é outro: em obra de Rafael Sabatini, um marquês, exímio espadachim, fere mortalmente o padre desajeitado na arte da esgrima. Atribui-se ao assassino, na história, uma frase satânica: “- A pena do poeta é mais perigosa que a espada”. Ali, desiguais embora, os duelistas se conheciam. Viam-se as faces. Aqui não, o ofensor permanece à sombra do janelão. Isso não é bom. De repente o escrevinhador autor da censura é também advogado. Ou pode ser entranhado em outra carreira jurídica. Mas seria muito interessante aparecer à luz do dia. Saber-se-ia se é alto, baixo, gordo, magro, se tem barba hirsuta, o rosto escanhoado, enfim, dizendo, no fim das contas, a que veio.  Obviamente, isso é mais ou menos como o episódio do enlace entre Casanova e a Mulher-Gigante. Quem conhece o tema sabe que mais cedo ou mais tarde ela abre a porta da caverna.

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