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Otávio Augusto Rossi Vieira morreu


Paulo Sérgio Leite Fernandes

Otávio Augusto, aos 48 anos de idade, morreu repentinamente. Era criminalista muito hábil, inclusive no tribunal do júri. Diria que aprendeu comigo, pois foi meu assistente durante muito tempo, até o dia em que se libertou. Na verdade, advogados criminais não gostam de ter chefe. Somos animais predadores, caçando em solidão. Otávio era assim. Sempre ia na frente, deixando colegas e até clientes no meio da rua. Precisava ser advertido com um “Mais devagar, filho. Não se consegue acompanhar você!”.

Eu, enquanto adolescente, pretendia ser médico. Voltei-me para o Direito Penal. Criminalista jovem tem possibilidades restritas: é filho de família rica, casa com mulher abastada ou há de gramar durante vários anos até alcançar alguma possibilidade de sustento. Às vezes, lá atrás, os honorários vêm sob a forma de um leitãozinho cor-de-rosa, vivo e encerrado num engradado, oferecido à ceia de natal. Seria uma contradição sacrificá-lo. Viveu muitos anos numa sitiola em Peruíbe, transformando-se em suíno enorme e pacífico.

Faz-se um bom criminalista depois de uns vinte anos de labuta diária. Seres humanos se comportam como os bichos. Sempre digo isso. Assim, o advogado criminal sai de casa, de manhã, precisando voltar à noite com algum alimento. Há oportunidade em que a mochila está vazia. O remédio é esperar a manhã seguinte, a menos que um incidente penal de grandes proporções venha a turbilhonar, na madrugada, as entranhas da justiça. Aliás, dizem alguns que o criminalista é uma espécie de especialista em peste. Quanto maior a contaminação, maior a hipótese de trabalho. É assim e não é assim, porque a paixão pode levar o advogado às últimas consequências na defesa de um carroceiro qualquer pego numa esquina da vida. Na expressão de Paulo Vanzolini, “Uma mulher em hora perdida/ Um homem em ponto morto”. Acontece. Aquilo que se inicia na madrugada tranquila pega fogo no final da tarde. Aí, salve-se quem puder.

Otávio Augusto Rossi Vieira passou por isso tudo. Amadureceu no combate, respeitado e estimado por todos, inclusive pelo preceptor. Na mocidade, este cronista fazia ideia de penalistas com cabeleira espessa e esvoaçante, peitoral largo, altura avantajada e voz tonitruante. Sempre se decepcionava, pois as fotografias mostravam advogados baixos, calvos, barrigudos até, exceção feita a Enrico Ferri, este sim vigoroso e empertigado, pulmões volumosos, porque naquele tempo a amplificação de voz era deficiente. Quando o criminalista gritava, era para ser ouvido. É isso. Comenta-se que os narizes dos causídicos, principalmente os criminais, se avolumam com a idade, parecendo alguns a narinas de falcões. Otávio Augusto (digo-o para seu pai José Cássio, sua mãe Maria Júlia, sua mulher Márcia, seus irmãos Mario Sérgio e Cássio e sua filha Maju) era uma exceção à regra. Diziam os confrades, brincando, que ele parecia uma espécie de Robert de Niro Júnior.

Um bom orador, o Otávio. Falava fácil nas sustentações orais e principalmente nos processos atinentes a homicídios. Vinha muito bem em direção ao futuro, não descurando de vocação mística. Chegou a visitar, nas selvas brasileiras, tribos remotas de índios, convivendo algum tempo nas aldeias. Numa das viagens, dei-lhe relógio à prova d’água e canivete sofisticadíssimo (coleciono ambos). Voltou sem os dois. Um ficou no pulso do cacique, outro restou à cintura de silvícola havido como irmão.

Otávio Augusto era grande respeitador da magistratura, com certeza, mas sem subserviência. Vi-o, em hora descompromissada, cruzar com desembargador desafeto. Otávio olhou o eminente Juiz e disse: “- Bonita gravata, Fernandinho…”.

Rossi Vieira, às vésperas do carnaval, deitou-se num sofá, para descansar um pouco. Morreu ali, mansamente, final desejável por todos. Desde aquele dia, procuro fazer-lhe o necrológio. Aquilo não saía. Para outros é mais fácil. Já fiz o obituário de muitos, surpreendendo-me com a ficança. Dia desses eu me canso disso e peço a redistribuição da tarefa. Dói demais. La nave va.

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