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Desembargador Pedro Gagliardi é duplamente absolvido

                                                                                                                                                                                                                                                                      *Lido por Gustavo Bayer

A história é comprida. Pedro Luiz Ricardo Gagliardi é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ocupou, naquela comunidade jurídica excelsa, vários cargos importantes. Lá chegou oriundo do Tribunal de Alçada Criminal do Estado, dos melhores que o país teve. Foi seu presidente. Dirigiu a Escola Superior da Magistratura e desempenhou, naquela família ilustre, funções importantes. Envelheceu. Os setenta anos são – ou eram -  idade aziaga: Existe, ainda em relação a juízes estaduais e quejandos, a aposentadoria obrigatória, agora prorrogada para os setenta e cinco quanto a ministros da Suprema Corte. Haverá extensão, é certo, pois o Brasil começa a ter anciãos[1] saudáveis. Não é como antigamente. O cronista, enquanto adolescente, tinha familiar arrastando os chinelos pela rua, de manhã, mal alcançados os sessenta e cinco. Faz parte. Pedro Gagliardi precisou ir embora para casa. Na antevéspera, julgara-se revisão criminal promovida por familiares de um policial militar falecido muitos anos atrás. Pedro, relator, votara pela absolvição, seguido por outro desembargador. Daí, houve confusão: O antigo desembargador deixou o grupo e foi votar noutra Câmara. Seu voto foi erroneamente havido como acórdão. O postulante, enganadamente, recebeu exculpação, mas, na verdade, a revisão havia sido negada por folgada maioria.

Meses depois, o acórdão errado foi usado numa ação ordinária contra o Governo Estadual. Jornal de São Paulo noticiou aquela pretensão indenizatória. Outro ilustre desembargador, de nome José Damião Pinheiro Machado Cogan, partícipe do julgamento daquele ineficaz pedido revisional, ficou zangado. Denunciou o fato interna e externamente. Nas entranhas do Tribunal de Justiça houve procedimento administrativo-disciplinar visando apuração entregue ao próprio reclamante. Este, não contente, foi ao Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, oferecendo notícia de fato criminoso contra Gagliardi, mas dirigiu o petitório ao GAECO, grupo especial formado na Procuradoria-Geral para apuração de delitos praticados por quadrilheiros. Ali, quatro eminentes Promotores de Justiça foram designados para, em conjunto, perseguir Gagliardi, já então aposentado: cuidava-se do doutor Márcio Friggi de Carvalho e das doutoras Beatriz Lopes de Oliveira, Sandra Rodrigues de Oliveira e Eliana Vendramini Carneiro. Houve denúncia ríspida em seguida. O desembargador aposentado Pedro Luiz Gagliardi foi acusado de falsidade material e falsidade ideológica em concurso de agentes, na forma tentada. A esfera disciplinar, estimulada, tramitou assemelhadamente, sob a presidência do mesmo juiz Cogan, não se chegando a resultado positivo.

O doutor Gagliardi perdera o foro privilegiado com a aposentadoria. Daí a ação penal ter sido dirigida à chamada 1ª instância (21ª  Vara Criminal de São Paulo). A denúncia foi coletivamente assinada pelos quatro Promotores de Justiça já nominados. A Vara tinha seu promotor natural, que não a subscreveu. O desembargador Gagliardi impetrou Habeas Corpus. O “Writ”, distribuído à 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi denegado, pois não se examinava prova naquele tipo de procedimento. A ação penal tramitou sob jurisdição do magistrado Rodolfo Pellizari. Outros quatro Promotores de Justiça do GAECO se esforçaram no processo, em seguida. Seus nomes: José Roberto Fumach Júnior, Renata Cristina de Oliveira, Augusto Eduardo Rossini e Patrícia Manzella Trita. Veio a sentença. Pedro Gagliardi foi absolvido. Poderia ter havido um erro na tramitação, mas não prática de crime. Ponderara a defesa que enganos, embora incomuns, aconteciam. Houve, inclusive, juntada de documentos comprovando erros depois consertados, com ou sem oportunidade processual adequada a tanto, mas acertados[2].

O Ministério Público apelou. A mesma Câmara antes competente para exame e julgamento do Habeas Corpus foi recipiendária do apelo, exceção feita ao desembargador Marco Antonio Rodrigues Nahum, aposentado no meio-tempo. O julgamento aconteceu aos 27 de abril de 2015[3]. Manteve-se a absolvição de 1º grau, em julgamento, aliás, muito discreto, sem exposição oral das razões decisórias. Houve uma extravagância, pois o Procurador designado para parecer escrito, obrigatório por certo, manifestara-se pela manutenção da decisão exculpatória, opondo-se aos oito Promotores de Justiça titulares da perseguição. Coisa rara, mas aconteceu.

Ao tempo em que o desembargador Pedro Gagliardi sofria a acusação, houve noticiário estrepitoso a respeito daquilo. O magistrado foi posto na berlinda. Despira a toga, levado a tanto pela idade e por disposição legal. Se togado estivesse, seria processado e julgado perante o Órgão Especial, composto por seus pares, 25 Juízes, como se fazia ao tempo da cavalaria andante (Távola Redonda). Posto em pijamas, vergastaram-no afanosamente. Era uma vida inteira de magistratura colocada sob a chibata de noticiário matinal advindo do jornal “O Estado de São Paulo” (artigo assinado por Fausto Macedo). Duplamente absolvido, o desembargador Gagliardi divulgou a notícia, documentando-a. Tinha direito a um desagravo. Teve o silêncio como resposta. Talvez obtivesse duas ou três linhas na seção “Cartas do Leitor”. Em suma, houve, no passado, jantar oferecido à comunidade jurídica, tatuando-se o homem impiedosamente. Posta a reclamação a público, dar-lhe-iam o restolho de uma xícara de café, o pires sujo pela cinza de um cigarro tragado até o coto. Não se faz assim. Não pode ser assim. Não há de ser assim.

Dentro do contexto, na medida em que não se consegue, nas próprias páginas daquele antigo matutino, o desagravo necessário, exigível até em debate de fim-de-noite num boteco de esquina sombria, segue o esclarecimento indispensável à espécie. É pouco, pois não se pode combater tiro de canhão com disparo de escopeta. Apesar disso, vale a pena. Sempre vale a pena a publicação do fecho restaurador da tranquilidade do ofendido. Di-lo em outras palavras, o Acórdão exculpatório: - “Depois de intensa atividade acusatória que, contudo, restou vã – não logrou demonstrar a procedência da acusação, como bem reconheceu a D. Procuradoria Geral de Justiça proclamou-se o resultado absolutório. Não se revelou no processo, diante de amplo contraditório e aguerrida atuação das partes, mais que a possibilidade de um equívoco na ocorrência dos fatos denunciados.

 Juntados os cacos da alma, refaz-se agora para o acusado a necessária paz de espírito. Para os demais juízes, é reconfortante saber que a verdade foi restaurada.

Em face desses motivos, superada a matéria preliminar, nega-se provimento ao apelo e mantém-se a correta decisão absolutória” (Figueiredo Gonçalves – Relator).


 

[1] Grafia correta. Há outras opções possíveis.

[2] Processo Físico nº: 0001893-22.2013.8.26.0050 – C. 19/13 Classe – Assunto Ação Penal – Procedimento Sumário – Falsidade ideológica Autor: Justiça Pública Réu: PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodolfo Pellizari Vistos. Vistos, etc. Propõe o Ministério Público Ação Penal em face de PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI, qualificado à fls. 710. Alega em síntese o autor que, em data incerta, porém a partir do dia 31 de janeiro 2008, nesta cidade, o denunciado, na qualidade de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concorreu para que terceira pessoa ainda não identificada falsificasse “tira de julgamento” do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, documento público. Alega, ainda, o autor que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas, o denunciado, na qualidade de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inseriu ou fez inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, em “folha de rosto de acórdão” do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Documento público, com o fim de criar obrigação e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Estaria o réu, portanto, incurso no artigo 297, parágrafo 1 e artigo 299, parágrafo único do Código Penal, c.c. o artigo 29, na forma do artigo 69 do mesmo diploma legal. Traz o procedimento investigatório criminal reclamação disciplinar (fls. 20/26), tira de julgamento (fls. 42), retificação da tira de julgamento (fls. 43/44), acórdão (fls. 46/59), declaração de voto vencido (fls. 113/123). Recebida a denúncia (fls. 773), foi o réu citado (fls. 778). O réu ofereceu sua defesa prévia (fls 779/807). Decretou-se a REVELIA do réu (fls. 1006), que foi levantada, conforme decisão de fls. 1063. Em instrução foram ouvidas quatro testemunhas de acusação (fls. 939/949, 950/961, 962/978 e 979/1003). O autor desistiu da oitiva da testemunha Alexandra S.L.Q. Menezes. A defesa desistiu da oitiva de todas suas testemunhas, o que foi homologado pelo juiz (fls. 1007 e 1097). Interrogou-se o réu (fls. 1097). Em memoriais o autor requer a condenação do réu (fls. 1104/1127). A defesa, preliminarmente, suscita ofensa ao princípio do promotor natural; inépcia da denúncia, bem como falta do exame de corpo de delito, pois as impugnações são de falsidade material, sob pena de nulidade. No mérito pugna pela absolvição do réu, em razão da ausência de provas nos autos capazes de fundamentar sentença condenatória (fls. 1143/1166). Este é o sucinto relatório. FUNDAMENTO. PRELIMINARMENTE. Afasto as preliminares suscitadas pela defesa. Não há ofensa ao princípio do promotor natural. O Ministério Público é uno e indivisível, de forma que qualquer de seus membros ou órgãos internos possui legitimidade para atuar durante a persecução penal. Não há ilegalidade, portanto, a ser reconhecida. A denúncia é apta. Preenche todos os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal e possibilitou a ampla defesa do réu. Inexiste nulidade a ser sanada. A ausência de exame de corpo de delito da tira de julgamento não acarreta a nulidade do processo. No mais, o pedido é improcedente. Não há provas nos autos capazes de fundamentar sentença condenatória. O réu nega a prática das condutas criminosas lhe imputadas pela denúncia, esclarecendo que deixou seu voto no dia da sessão de julgamento à disposição para encaminhamento adequado e, posteriormente, recebeu seu próprio voto e a folha de rosto, assinando-a, deixando-os à disposição da Presidência do Grupo de Câmaras. A prova produzida não afasta sua versão. A testemunha Ulisses de Araújo Formiga contou que recebeu a notícia sobre uma irregularidade ocorrida no julgamento de uma revisão criminal e que o Desembargador Damião Cogan havia instaurado um procedimento administrativo para apurá- la. Os autos dessa revisão criminal foram remetidos ao Gabinete do réu PEDRO GAGLIARDI, que constatou que o voto por ele proferido (vencido) foi publicado como voto vencedor, não traduzindo a realidade do julgamento. Não soube dizer quem encaminhou o processo ao Gabinete. Complementou dizendo que as “folhas de rosto” são confeccionadas pelo Cartório e o réu as assinava, conforme lhes eram apresentadas, sem conferi-las, muitas das vezes. Diz, ainda que a tira de julgamento é rascunhada a mão pelo Presidente da sessão e, posteriormente, redigida pelo Cartório. A testemunha Exmo. Desembargador Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva afirmou que houve um erro no julgamento de uma revisão criminal com a publicação de resultado diverso daquele realmente ocorrido e, paralelamente, tramitava uma outra ação indenizatória contra o Estado, em razão dessa mesma revisão criminal. O Grupo reuniu-se para corrigir o equívoco, com a anuência e participação do réu PEDRO GAGLIARDI e acordaram que decisão publicada estava equivocada. No julgamento dos embargos declaratórios, o réu mudou seu posicionamento, votando pelo acolhimento. Acrescenta, ainda, que os Desembargadores autorizaram o Cartório a utilizar suas assinaturas eletrônicas e que o traslado dos autos da Sessão de julgamento para os Gabinetes é de competência do Cartório e, em razão do grande volume de feitos, é impossível controlar essa remessa. Não soube explicar porque os autos não foram remetidos, à época, para seu Gabinete, já que era o relator designado. A testemunha Exmo. Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco corroborou as declarações dos demais, acrescentando que, após a retificação do acórdão, o advogado da revisão criminal representou-os perante o Conselho Nacional de Justiça, com exceção do réu PEDRO GAGLIARDI, alegando que a retificação do julgamento era ilícita. O patrono teria dito na representação que o réu teria se dirigido a ele dizendo que não havia a necessidade de fazer sua sustentação oral, porque havia votado pelo deferimento da revisão criminal, seguindo o parecer da Procuradoria de Justiça. A testemunha Exmo. Desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan narrou que se deparou com uma matéria jornalística sobre “erro judiciário” que versava sobre julgamento de uma revisão criminal da qual participou. Recorda-se que durante o julgamento daquela revisão o réu PEDRO GAGLIARDI conversou com o advogado da causa e disse não ser necessária a sustentação oral, porque ele iria absolver o implicado daquela ação. O Desembargador Carlos Biasotti também votou pela absolvição, contudo, o pedido de revisão foi indeferido por maioria de votos, mas na tira de julgamento constou resultado diverso. O Desembargador Debatin Cardoso, Presidente da sessão, à época, disse que suspeitava que sua assinatura havia sido adulterada, porque só a teria utilizado em maio e o fato ocorreu em janeiro. Requisitou os autos ao arquivo e soube que eles estavam no Gabinete do réu. Corrigiu-se o engano com a anuência e participação de todos os Desembargadores, inclusive do réu PEDRO GAGLIARDI. No julgamento dos embargos declaratórios, o réu mudou seu posicionamento, votando pelo acolhimento daqueles embargos. Esclarece, ainda, que havia uma ação indenizatória tramitando contra o Estado, ajuizada em razão dessa revisão criminal e que o patrono da causa mantinha relação próxima com o réu PEDRO GAGLIARDI. Complementa dizendo que ficou responsável pela apuração administrativa instaurada, que acabou arquivada, pois não se chegou à autoria ou coautoria da prática dos crimes narrados pela denúncia. As testemunhas de acusação Desembargador Ricardo Cardoso de Mello Tucunduva, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco e Desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan afirmaram de forma uníssona e coesa que tanto a tira de julgamento como a folha de rosto do acórdão são de responsabilidade do Cartório e não do Gabinete dos Desembargadores. Relataram, também, que a tira de julgamento é assinada pelo Presidente da sessão, à época o então Desembargador Debatin Cardoso e que essa “assinatura” é uma chancela eletrônica que fica disponível para o Cartório utilizar. As declarações prestadas demonstram, assim, a ocorrência de um erro administrativo e não de uma conduta criminosa. Publicou-se efetivamente resultado diverso daquele proferido no julgamento de uma revisão criminal. As provas coligidas são as mesmas obtidas pela apuração administrativa, presidida pelo Desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, de onde não se pode concluir que o réu teria alterado ou contribuído para que alguém alterasse a tira de julgamento e a folha de rosto do acórdão, para posterior utilização em ação indenizatória. Acrescente-se que o Desembargador José Pinheiro Machado Cogan é pessoa de grande envergadura intelectual e experimentado em assuntos criminais e que, certamente, não deixaria passar qualquer indício de crime sem a devida apuração. Se nada se conseguiu comprovar no procedimento administrativo, presidido pelo Exmo. Desembargador, não seria este magistrado que faria melhor. As tiras de julgamento eram confeccionadas pelo Cartório e assinadas eletronicamente, pelo Presidente da sessão de julgamento. O réu não tinha controle sobre essa tramitação cartorária e, ainda que se admita, por hipótese, que ele pudesse exercer ascendência sobre um ou outro funcionário, não poderia fazê-lo com todos os integrantes do Cartório. As atribuições dos serventuários são dividas. Como saber quem ficou responsável pelo cumprimento daqueles autos específicos, diante da quantidade de feitos? Também o fato de o assistente do réu estar com os autos da revisão criminal em mãos só prova que ele, réu, assim como os demais Desembargadores, se surpreenderam com a notícia do equívoco no julgamento da revisão criminal. É justificável, portanto, que tendo o réu participado daquele julgamento quisesse compulsar os autos para verificar o que tinha acontecido. Se porventura tivesse de algum modo contribuído dolosamente para a prática dos crimes que lhe foram imputados pela exordial acusatória, normal seria que se mantivesse silente, sem fazer alarde, sem provocar suspeitas. Incoerente pensar que, tendo concorrido para a prática dos crimes, ainda precisasse analisar os autos. A aparente discrepância atribuída ao réu durante o julgamento dos embargos declaratórios também é mera ilação do autor. Já no primeiro julgamento para retificação do acórdão, o réu manifestou-se sobre a necessidade de os autos serem remetidos ao STJ para que o acórdão fosse anulado através de ação rescisória, prestigiando-se a coisa julgada, portanto. Deste posicionamento não se extrai o dolo necessário para a prática das condutas criminosas atribuídas ao réu. Acrescente-se, ainda, que o Desembargador Carlos Biasotti acompanhou o voto proferido pelo réu na primeira sessão de julgamento da revisão criminal e nem por isso lhe foi atribuída a prática de algum crime. No tocante a suposta aproximação entre o réu e o advogado da causa, também inexistem provas nos autos capazes de classificá-la como ilegal. Nem sequer restou demonstrado que tal relação era, de fato, estreita, ao ponto de prejudicar a lisura do julgamento. Diante do quadro probatório, a absolvição do réu é medida que se impõe. Não há crime de falsificação de documento público. A tira de julgamento retratou o voto proferido pelo réu, que, à época, era o relator do processo. Houve, portanto, um equívoco, justificável, pois, costumeiramente, o voto vencedor é aquele proferido pelo Relator. Inconteste que o resultado redigido na tira de julgamento é inverídico, no entanto, não há falsidade a se atribuir a quem quer que seja e sim erro administrativo. O réu PEDRO GALIARDI também deve ser absolvido da prática do crime descrito no artigo 299, caput, do Código Penal. Ele assinou a folha de rosto do acórdão, porque ela refletia o conteúdo do seu voto, portanto, para ele aquele conteúdo era verdadeiro, Não há pois dolo em sua ação, que é a vontade livre e consciente de praticar os elementos do tipo. Inexistindo descriminantes ou causas de exclusão de culpabilidade a se apreciar. DECIDO. Isto posto e pelo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido do autor e o faço para ABSOLVER o réu PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI das condutas criminosas previstas nos artigos 297, parágrafo 1º e artigo 299, caput, ambos do Código Penal, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Transitada em julgado, arquivem-se os autos. Custas na forma da Lei. P.R.I.C. São Paulo, 29 de setembro de 2014. RODOLFO PELLIZARI. Juiz de Direito.

[3] Registro: 2015.0000297479 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001893-22.2013.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI. ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Superada a matéria preliminar, negaram provimento ao apelo e mantém-se a correta decisão absolutória. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MÁRCIO BARTOLI (Presidente sem voto), MÁRIO DEVIENNE FERRAZ E IVO DE ALMEIDA. São Paulo, 27 de abril de 2015. FIGUEIREDO GONÇALVES RELATOR Assinatura Eletrônica. Voto nº 34.574 Apelação Criminal nº 0001893-22.2013 Órgão Julgador: 1ª Câmara da Seção Criminal Comarca da CAPITAL 11ª Vara Criminal Ação Penal nº 0001893-22.2013 Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO Apelado: PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI O apelado foi denunciado como incurso nos artigos 297, § 1º e artigo 299, parágrafo único, c.c. o artigo 29, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, em razão de fatos ocorridos em data incerta, porém a partir do dia 31 de janeiro de 2008, quando, na qualidade de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consoante a imputação, teria concorrido para que terceira pessoa ainda não identificada falsificasse a “tira de julgamento” do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Constou da denúncia que o apelado, no mesmo período, inseriu ou fez inserir declaração falsa ou diversa da que deveria constar em “folha de rosto de acórdão”, com o fim de criar obrigação e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Após a devida instrução, o réu foi absolvido, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (fls. 1168-1179). O Ministério Público interpôs recurso de apelação, buscando a condenação, nos termos da denúncia, argumentando que o conjunto probatório é suficiente para tanto (fls. 1184-1209). A Douta Procuradoria Geral de Justiça oficiou no sentido do improvimento do recurso (fls. 1238-1240). É o relatório. O apelo é tempestivo, a despeito da alegação de que as razões recursais foram ofertadas fora do prazo estabelecido no artigo 600 do CPP. Este, aliás, pode ser estendido quando a parte reclama o oferecimento na superior instância (artigo 600, § 4º) e, ainda omitido este pedido na interposição do apelo, os autos serão remetidos à instância recursal, com ou sem as razões deduzidas (artigo 601). Essa espécie recursal tem como característica a ampla devolução do conhecimento de toda a matéria debatida na instância anterior e, portanto, possibilita em caso de concurso de agentes beneficiar até mesmo aquele que não recorreu (artigo 580 do CPP). Logo, as razões recursais não ofertadas, não tornam precluso o direito ao conhecimento do apelo. As Cortes Superiores assim têm decidido: “No âmbito dos juizados especiais também não é exigível a apresentação das razões como formalidade essencial da apelação, recurso que possui ampla devolutividade. Igualmente, a tardia apresentação das razões não impede o conhecimento do recurso. Habeas corpus deferido em parte”.1 “A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de que a apresentação das razões de apelação fora do prazo legal constitui mera irregularidade, não caracterizando a intempestividade do recurso, motivo pelo qual não pode ser óbice ao conhecimento do inconformismo (Precedentes STJ)”.2 Assim, conhece-se do apelo. Ainda como questões antecedentes ao mérito, volta o combativo e culto defensor aos argumentos postos em preliminares de suas alegações finais, ao encerramento da instrução. Novamente, afirma a violação do princípio do promotor natural, porque designados os integrantes do GAECO para oficiar no inquérito e processo, em substituição do promotor oficiante junto ao juízo para onde se distribuíra o feito. Depois, que a denúncia seria inepta, pois atribui a realização da conduta em concurso de agentes, quando sequer se investigara a existência de um companheiro voltado ao mesmo desiderato e, por fim, aquela não deveria nem mesmo ser recebida, pois atribuiu falsidade material ao agente, não se realizando o exame de corpo de delito para comprová-la. Essas questões já foram examinadas por esta Câmara. No apenso inicial ao primeiro volume destes autos, nas fls. 27-40, está a íntegra daquela decisão. Não se renovam, agora, os mesmos argumentos, porque já superadas por esta Turma Decisória. Pelo mesmo motivo, já decididas essas questões, não necessitava o juízo de primeiro grau abordá-las, quando proferida a sentença. Ademais, disso não resultou qualquer prejuízo à defesa, posto não se acolhesse a pretensão punitiva, absolvendo-se o denunciado. Aliás, relativamente ao exame de corpo de delito, salientou-se a oportunidade de que este fosse realizado durante o contraditório no processo. Porque omitida essa prova, a omissão se fez em detrimento da acusação deduzida, sendo este mais um argumento para rejeitá-la. Desse modo, não houve qualquer mácula na decisão do processo e, assim, passa-se ao exame do mérito. A Digna Procuradoria Geral de Justiça, em manifestação atenta de um de seus mais ilustres componentes, oficiou pelo improvimento do recurso ofertado contra a sentença absolutória. Daquela manifestação extrai-se: “O acusado, ora apelado, quando de seus depoimentos na fase judicial, afirma que, não praticou os fatos a ele imputados na denúncia, atribuindo ao mecanismo de tramitação e publicação dos votos a ocorrência do equívoco”. “Os ilustres desembargadores que atuavam junto com o acusado ora apelado, arrolados como testemunhas de acusação corroboram as palavras do acusado ora apelado, no sentido de que, os fatos ocorreram por eventual equívoco do cartório, no processamento dos votos e do Acórdão”. “É de ser observado o fato de ter atuado na investigação administrativa dos fatos o ilustre Desembargador Damião Cogan, conhecido pelo extremo rigor de conduta, desde os tempos em que fazia parte dos quadros do Ministério Público do Estado de São Paulo, sendo certo que, não encontrou na época provas de eventual dolo ou culpa do acusado ora apelado nos fatos”. “A prova produzida não desmente a versão do acusado ora apelado em seu interrogatório, sendo certo que, a acusação não logrou comprovar de forma efetiva o contrário”. Se aflitiva a experiência do ilustre Desembargador, então acusado, porque toda uma vida dedicada ao Poder Judiciário fora posta em dúvida pela denúncia, agora restaram afastadas quaisquer suspeitas contra sua atuação. Este relator, no ano próximo passado, proferiu mais de dois milhares de votos, não contados os de revisor e aqueles como terceiro juiz. São 360 os integrantes desta Corte e, portanto, é fácil se inferir a enormidade da rotina de trabalho da secretaria, nas intimações necessárias ao processamento dos recursos e ações originárias que aqui se desenvolvem. Eventual erro de publicação, nessas circunstâncias embora devam ser evitados não é fato extraordinário. Qualquer um de nós foi testemunha de algum equívoco nesse sentido, tão prontamente corrigido, quando apurado. Entretanto, não é fácil a tarefa de um juiz. Além de ser imparcial e justo, na medida de suas limitações humanas, deve a todo instante dar prova de ilibada reputação. Não basta ser honesto, deve transparecer a honestidade acima de qualquer suspeita. Por isso, ao negar a ordem para trancamento da ação, esta Turma Julgadora ressaltou: “Ainda que, no ambiente interno desta centenária Corte de Justiça se lastime, profundamente, pelos rumos tomados no julgamento da revisão criminal, motivadores da denúncia; conquanto seja doloroso revolver-se feridas que surgiram com esta ação; mesmo assim, deste sacrifício deve emergir a verdade. Somente a partir desta será proferida a decisão final, única capaz de repor a confiança dos jurisdicionados em seus juízes e de fazer justiça no processo”. Depois de intensa atividade acusatória que, contudo, restou vã – não logrou demonstrar a procedência da acusação, como bem reconheceu a D. Procuradoria Geral de Justiça proclamou-se o resultado absolutório. Não se revelou no processo, diante de amplo contraditório e aguerrida atuação das partes, mais que a possibilidade de um equívoco na ocorrência dos fatos denunciados. Juntados os cacos da alma, refaz-se agora para o acusado a necessária paz de espírito. Para os demais juízes, é reconfortante saber que a verdade foi restaurada. Em face desses motivos, superada a matéria preliminar, nega-se provimento ao apelo e mantém-se a correta decisão absolutória. Figueiredo Gonçalves relator.

*Gustavo Bayer é apenas o intérprete.

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