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Réu revoltado defeca em processo criminal

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Réu revoltado defeca em processo criminal***

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Os criminalistas são, além de pesquisadores compulsivos, pródigos em contribuições a arquivos de jurisprudência. Remetem ao “site”, agora, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apreciando fato insólito: um réu, horrorizado com condenação criminal injusta, defecou sobre o processo, inutilizando-o. Foi outra vez condenado a dois anos de reclusão mas teve a pena substituída por medida de segurança, pois aquilo é coisa de louco.

Não se sabe como o acusado pôde ter proximidade física com a ação penal referida, porque, regra geral, os réus não têm possibilidade de chegança aos volumes contendo a descrição das provas criminais. O acórdão não diz nada a respeito do assunto. Podem-se comentar, em breve relatório, transtornos do instinto sexual segundo a medicina-legal: há, respeitante aos dejetos humanos, algumas características peculiarmente repugnantes. Uma delas é a copromania, ou coprolatria: o doente gosta de observar suas excreções, com consequências que não vale a pena retratar. A propósito, no filme “O Último Imperador”, as fezes do próprio, menino ainda, eram religiosamente recolhidas num penico de ouro, reunindo-se os Sábios da Corte a examinar, nas mesmas, algum indício de doença. Mais ou menos o que acontece hoje quando se remete aos laboratórios, com muito pudor, um potezinho asséptico envergonhadamente manuseado. Melhor seria que os restos ejetados fossem aos hospitais num recipiente dourado, mas tal primazia não se oferece a cidadão comum.

Nos devaneios sonambúlicos, o cronista sempre se imaginava um cavalo, mas de aço inoxidável, em cujo corpo as gotas d’água deslizassem até o chão, sem deixar mácula qualquer. Vagabundo ou não, o cavalo é “monogástrico”, ou seja, tem um estômago só. Os dejetos do equino, depois de secos, servem inclusive ao fogo das lareiras. Razão há, portanto, para que no casamento do príncipe Willian a carruagem real fosse puxada por belíssimos quadrúpedes que, se e quando expelindo restos alimentares, o fariam deixando no leito carroçável excrementos nunca humilhantes, embora os cavalariços houvessem, antes, tomado providências para que tal não acontecesse.

Já se vê que mesmo uma jurisprudência esquisita pode levar, pela associação de ideias decantadas psicanaliticamente, a uma ligação romântica com a família real inglesa. Isso tudo, no fim das contas, produz a estranha sensação de insignificância da espécie humana.

Tocante ao infeliz que defecou nos autos do processo, valeria um ato de contrição pela impossibilidade, quem sabe, de se ter defendido bem. Decididamente, a justiça é mais difícil para quem pode menos.

Segue o texto do acórdão em que, sabiamente, o relator mandou o réu ao hospício. Ali, quem não é louco enlouquece rápido.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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