REENCARNAÇÃO, CRUELDADE E COMPAIXÃO
Roberto Delmanto
Com a descoberta de uma corrupção político-empresarial há muito suspeitada, mas cuja dimensão a todos surpreendeu, instaurou-se no país um clima de punitivismo exacerbado.
Juízes e tribunais condenam acusados a mais de vinte ou trinta anos, chegando a ultrapassar cem, como algo absolutamente normal, quando, em nosso vergonhoso, medieval e caótico sistema prisional, com a maioria das cadeias superlotadas e piores do que canis, um dia de prisão deveria valer ao menos cinco…
Nesse dramático panorama despontam atitudes cruéis e desumanas que para alguns chegam a lembrar a Revolução Francesa, a qual, embora tendo por lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, deixou na história um rastro de horror…
Há quem veja em personagens atuais a reencarnação de algumas figuras daquele tempo: Danton, que no início da revolução dissera “sejamos terríveis para que o povo não precise sê-lo”, e ao ser enviado ao cadafalso, na autofagia que devorou seus principais líderes, indagou “o que fazer para que os oprimidos de ontem não se tornem os opressores de hoje”; Fouquier-Tinville, o implacável acusador público do Tribunal Revolucionário que levou à guilhotina cerca de 2.800 pessoas, um número impressionante para a época; ou Robespierre, o mais terrível de todos, que ao ser condenado à morte, por duas vezes tentou o suicídio…
Na literatura, em “Os Miseráveis”, a imortal obra de Victor Hugo, o policial Javert, obsecado em prender Jean Valjean que se evadira da prisão à qual fora condenado pelo furto de um pão. Mesmo após ter ele lhe salvado a vida, Javert preferiu suicidar-se a deixar de cumprir o que considerava ser seu dever…
Recentemente, alguns episódios me levaram a refletir: dois deles relativos ao ex-governador Sérgio Cabral Filho e dois referentes ao ex-presidente Lula.
Alguns meses atrás, a imprensa mostrava Cabral sendo levado para prestar um depoimento triplamente algemado: pelas pernas, pelos braços e com as mãos presas à cintura. Houve quem considerasse justa a humilhação, pelo mal que causou ao Rio de Janeiro. Foi preciso que o corajoso Ministro do STF Gilmar Mendes, tantas vezes injustiçado por defender a liberdade, mandasse investigar a lamentável cena, cujo desfecho da investigação ignoro.
Há duas semanas, após prestar um novo depoimento à Justiça Federal, em que optou por fazer uma ampla confissão – considerada atenuante de primeira grandeza por dar ao magistrado uma certeza moral ao proferir decisão condenatória – Cabral foi fotografado dentro do bagageiro de uma SUV, como se mala fosse e com as mãos algemadas por trás, apesar de Súmula Vinculante do STF proibindo o uso de algemas a não ser em situações excepcionais.
Há pouco mais de um mês, o ex-presidente Lula foi impedido de comparecer ao funeral de seu irmão mais velho, sob o pretexto, não fundamentado, de risco à ordem pública, embora a Lei de Execução Criminal o permitisse. Quando o caso chegou à Suprema Corte e o preclaro Ministro Dias Toffoli, seu Presidente, concedeu a permissão, o funeral já ocorrera…
Duas semanas atrás, um neto de 7 anos de Lula faleceu após fulminante meningite. Desta vez, com a concordância do M. Público Federal, a autorização para que comparecesse ao velório e cremação foi concedida…
E, entre momentos de crueldade, compaixão, e talvez reencarnação, lenta e contraditoriamente, assim vai caminhando nosso país.
Mas estou certo de que, um dia, e para sempre, a bondade vencerá a maldade, a compaixão suplantará a crueldade, e uma justiça humana acabará por prevalecer sobre a (in)justiça desumana…
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