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O CHAPÉU

Roberto Delmanto

 

Esta estória foi contada, em um congresso de direito penal, pelo saudoso penalista e eminente advogado criminal recifense Roque de Brito Alves.

Na pequena cidade do interior pernambucano, há muitos anos, houve um homicídio que chamou atenção de todos. A vítima recebera vários tiros em um lugar ermo, à noite. Ninguém presenciara o crime, tendo os vizinhos mais próximos apenas ouvido os disparos.

Mas havia um pormenor curioso: junto ao morto foi encontrado um chapéu, idêntico àquele com que um seu desafeto era sempre visto. As suspeitas aumentaram em face das frequentes discussões entre os dois, a última das quais poucos dias antes. O desafeto, homem dos mais simples, acabou sendo indiciado, denunciado e, a final, pronunciado pelo homicídio.

No dia do júri, o réu negou mais uma vez a acusação e ser o dono do tal chapéu, alegando ter perdido o seu há tempos. Não havendo testemunhas, o chapéu, colocado solenemente sobre uma mesa do plenário, era a única evidência da autoria.

 Com habilidade, o Promotor insistiu, entretanto, no fato de ser do conhecimento de todos que conheciam o acusado que o chapéu lhe pertencia e era sempre usado por ele.

A Defesa, com mais habilidade ainda, demonstrou, através de idônea prova documental juntada três dias antes do júri, como determina a lei, que aquele modelo de chapéu fora produzido aos milhares e que centenas deles tinham sido vendidos na região. Ou seja: o indigitado chapéu podia pertencer a inúmeras pessoas.

O réu foi absolvido por unanimidade e o Promotor, em face da precariedade da única prova existente, resolveu não apelar, tendo a absolvição transitado em julgado.

Uns dez dias depois, o ex-acusado apareceu no Cartório do Fórum, sem seu advogado, dizendo ao escrivão que queria falar pessoalmente com o juiz. Depois de terminar as audiências, o magistrado o atendeu, perguntando-lhe do que se tratava. Foi aí que o ex-réu, em um misto de simploriedade e desfaçatez, lhe disse: “Doutor, agora que o processo acabou, eu queria o meu chapéu de volta”. O juiz, estupefato, o pôs para fora da sala.

Era o que podia fazer, já que inexiste em nosso sistema legal a revisão criminal de sentenças absolutórias…

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