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A PORTA TRANCADA, OS PERUS DO PROFESSOR E O “PINDURA”

Roberto Delmanto

 

O Catedrático das Arcadas, como é chamada a tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, era dos mais cultos e de melhor didática, sendo muito respeitado pelos colegas e estudantes.

Tinha, entretanto, certa particularidade. Era absolutamente rigoroso com a pontualidade de suas aulas. Depois que chegava, sempre na hora certa, a porta da sala era trancada pelo bedel e ninguém mais entrava.

Certo dia, aconteceu o inesperado: pela primeira vez, em anos, o Mestre se atrasou. Ao chegar os alunos já se encontravam na sala, mas a porta, estranhamente, estava trancada. Mandou que o bedel a abrisse imediatamente, mas ele, muito aflito, apesar de procurar a chave por todo o lado, não a encontrava. Enquanto os alunos “seguravam” o riso, o Professor, visivelmente contrariado, acabou se retirando. Pouco tempo depois, a chave foi achada perto da mesa do Mestre…

Mas as agruras do renomado Catedrático não pararam por aí.

Em sua chácara perto de São Paulo ele tinha uma criação de perus muito especial. Mais do que um “hobby”, era sua paixão.

Eis que, em determinada madrugada, o caseiro lhe telefonou, dando a trágica notícia: todos os perus haviam sumido.

Dizem as más línguas que, duas noites depois, os estudantes fizeram uma grande ceia, na qual, coincidentemente, a ave foi o prato principal.

Nunca se soube quem foram os autores do furto, que de “famélico”, ou seja, por absoluta necessidade de saciar a fome, nada tinha.

Desde então, quando após os primeiros meses de aula os calouros são “liberados” dos trotes pelos veteranos, todos desfilam, fantasiados, com música e farta cerveja, pelos arredores da Faculdade, que, lembrando o episódio, tem até hoje o nome de “peruada”.

No dia 11 de agosto se comemora a criação dos cursos jurídicos no Brasil por D. Pedro I, quando foram fundadas duas Faculdades de Direito: primeiro, a de São Paulo e, dias após, a de Olinda, posteriormente transferida para o Recife.

Nessa data, todos os anos, os estudantes, não só das Arcadas mas de outras Faculdades de Direito de São Paulo, dão o chamado “pindura”.

Bem vestido, um pequeno grupo de moços e moças entra calmamente em um bom restaurante, come e bebe do melhor, e ao vir a conta apressadamente vai embora sem pagar…

Quando a polícia chega, eles já se foram. Se alguns são pegos, ao serem levados ao Distrito Policial, o Delegado, que como estudante também dera o “pindura”, após um “sermão”, acaba por liberá-los. Quando por insistência do proprietário um inquérito é instaurado, ao chegar ao Fórum dificilmente acaba se tornando um processo criminal, pois, em geral, juiz e promotor, no passado, tinham feito o mesmo.

Há também, o “pindura diplomático”, em que dias antes os acadêmicos combinam com o restaurante que este receberá um pequeno grupo, o qual lhe dá um “atestado” liberando-o de outros “pinduras”. Mas o “diplomático”, embora tranquilo, não é considerado tão divertido.

Faltava, porém, encontrar uma “saída jurídica”. Foi meu saudoso irmão e sócio de escritório Celso quem a deu, na 1ª edição do “Código Penal Comentado”, do qual eu e meus filhos Roberto Junior e Fabio somos coautores desde a 3ª, e que se encontra hoje na 10ª.

Se os “clientes” não concordassem com o preço cobrado, por considerá-lo abusivo, o estelionato não se configuraria, sendo a questão cível e não criminal.

Mas, no “pindura”, há um pormenor importante: a gorjeta do garçom não é nunca esquecida…

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