O REVÓLVER DO PROMOTOR
Roberto Delmanto
À época – cerca de quarenta anos atrás – as carreiras da Magistratura e do Ministério Público em São Paulo não eram relativamente rápidas como hoje. Juízes e promotores ficavam por longo tempo no interior até chegarem, já encanecidos, à Capital.
Aqui permaneciam por anos na mesma Vara Criminal. Daí porque, se na maior parte das vezes ficavam amigos, em algumas outras se tornavam inimigos. Quando ocorria a primeira situação, o promotor, a pedido do juiz, chegava a presidir parte das audiências do dia para agilizar a pauta.Como, em algumas delas, o representante do Parquet era mais liberal do que o magistrado, havia advogados que não se opunham à irregular praxe.
Não foi, todavia, o que aconteceu naquela Vara. Enquanto o juiz era sério, circunspecto e de pouca conversa, o promotor era extrovertido e brincalhão. Costumava dizer que o primeiro castigo do réu, culpado ou inocente, era pagar o advogado…
Com temperamentos tão diferentes, a inimizade não demorou a aflorar. Após várias discussões, deixaram de se falar.A convivência diária aumentou a tensão, até que o promotor passou a ir às audiências armado. Chegando à sua mesa, que ficava na mesma sala da mesa do juiz, tirava a arma da cintura e, à vista de todos, a colocava em uma gaveta.
Teimosos, nenhum deles pedia transferência para outra Vara. Temendo um trágico desfecho, alguns lembravam o histórico episódio em que o Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, dentro do Fórum, matou a tiros um advogado, seu desafeto. Julgado pelo Supremo, pois ainda não existia o STJ, foi absolvido pela excludente da legítima defesa.
Por sorte, naquela Vara Criminal de São Paulo o pior não aconteceu. O magistrado foi promovido, sendo designado outro em seu lugar. E o promotor, embora lá continuando, deixou de ir armado às audiências…
(Carta Forense, junho 2017)