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O GRITO DO ADVOGADO

 

                                                           Roberto Delmanto

O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906 de 1994, alterada pela Lei nº 14.365 de 2022) prevê, em seu art. 7º, inc. X, ser direito do advogado “usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal… mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão”.

Mas nem sempre foi assim. Antigamente, mesmo diante de manifesto equívoco dos julgadores sobre questão de fato, o advogado, após a sustentação oral, não mais podia se manifestar durante o julgamento em nossas Cortes. Quem causou a mudança da anterior situação foi José Adriano Marrey Júnior, um dos maiores criminalistas brasileiros da primeira metade do século passado.

Certa vez, após ter feito uma de suas magníficas sustentações orais perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, Marrey Júnior ouvia atento o voto do Relator. Este dizia que determinado documento, vital para a defesa de seu constituinte, não constava dos autos. Marrey Júnior, que não mais podia pedir a palavra, não se conteve e gritou: “Folha tal!”. Estupefatos com a atitude do renomado causídico, exemplo de ética e dignidade profissional, os Desembargadores a princípio não entenderam o significado de sua atitude.

Quando Marrey Júnior tornou a gritar: “Folha tal!”, o Relator resolveu abrir os autos na folha indicada, nela encontrando a prova documental que julgava inexistente. Mudou, então, o voto escrito que estava lendo e manifestou-se pela absolvição do acusado, no que foi seguido por seus pares.

A presença de espírito e a ousadia de Marrey Júnior tiveram enorme repercussão, contribuindo para que o Estatuto da Advocacia passasse a prever a possibilidade de intervenção do advogado após a sustentação oral. A esse notável tribuno deve-se também a transformação da oratória forense, outrora pomposa e rebuscada, cheia de preciosismos, na “oratória da argumentação”, moderna, baseada na prova dos autos.

O busto de Marrey Júnior – com a inscrição “O Advogado”, que em sua singeleza tudo diz – encontra-se no imponente prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, projeto do famoso arquiteto Ramos de Azevedo.

Em sua companhia, os bustos de outras grandes figuras: o criminalista Antonio Augusto de Covelo e o promotor César Salgado, da sua geração; os advogados criminais Américo Marco Antonio, Euvaldo Chaib e Antonio Augusto de Almeida Toledo, além do promotor Nilton Silva, todos da geração seguinte.

Na entrada principal do Tribunal de Justiça, no “Salão dos Passos Perdidos”, assim chamado porque nele se aguardava o resultado dos julgamentos populares, o enorme busto de Rui Barbosa, o maior dos advogados brasileiros.

No belíssimo plenário do antigo Tribunal do Júri, verdadeira “Capela Sistina” do prédio, o busto do promotor Ibrahim Nobre, também da geração de Marrey Júnior, e o do meu pai Dante Delmanto, que foi seu discípulo e com ele trabalhou nos primeiros anos de advocacia.

 Lado a lado, esses memoráveis defensores e acusadores do passado, em silencioso debate, velam hoje pela preservação do júri- a mais democrática das instituições judiciárias-, pelo   respeito aos direitos e garantias individuais, frequentemente ameaçados, e pelo aperfeiçoamento da Justiça.

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