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Um Poema para Bárbara

Livro

Um Poema para Bárbara

Mônica Sifuentes

Critica

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Um poema para Bárbara

Mônica Sifuentes

 

Nome bonito: Mônica Sifuentes. Começa e termina rápido. Lembra a Espanha do flamenco, os duelos de capa e espada, as canções madrilhenhas, “Carmen, de Bizet”, o ciganato, enfim. Sifuentes é sobrenome de romancista, chamamento forte, ao mesmo tempo duro e elegante, ríspido como punhal andaluz, amoroso também, reto, direto, sem esconderijos. É a assinatura de desembargadora a vestir honradamente, num outro canto, uma toga já antiga, isso no Tribunal. Uma juíza severa, competente, cumpridora de todas as obrigações do cargo e encontrando vagar, nas madrugadas, para escrever “Um Poema para Bárbara”. Achava-se que era uma biografia. Não, trata-se de romance cuidando da vida de Bárbara Heliodora, antes concubina de Alvarenga Peixoto e depois sua mulher legítima. Heliodora era de São João Del-Rei, perto das terras onde a família Almeida Leite pontificou mais tarde, uns violentos, outros intelectuais e poetas, todos prontos a devolver a injúria na ponta da faca, mas nenhum bandido enganador de órfão ou explorador de viúvas. Mônica Sifuentes se debruçou sobre a história de Bárbara, heroína da Inconfidência. Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira morreu cedo, aos 60 anos. Deixou filhos e uma história comprida. Curiosamente, sua vida foi contada também por Aureliano Leite, meu tio-avô, chegado a São Paulo de Muzambinho, Sul de Minas, mandado por meu avô João para encontrar, aqui, alguma paulista interessante ao refazimento das tradições da família. Aureliano tinha quase dois metros de altura. Ao morrer foi velado na Academia Paulista de Letras. Difícil arranjar caixão onde o corpo coubesse.

O velho escriba não resiste à tentação de ligar Sifuentes, Aureliano Leite e Bárbara Heliodora, porque a última viveu naqueles tempos e os outros dois remexeram as nuvens para contar alguma coisa da poetisa revolucionária.

A apresentação de livros vira repetidamente coisa maçante. Os romances, regra geral, trabalham em torno dos quatro gigantes da alma: o amor, a ira, o medo e o dever. Em tal contexto é complexo dizer originalidade, porque qualquer tema foi contado ou vivido logo ao lado. Vale dizer, entretanto, que Mônica Sifuentes consegue transformar a inconfidente mineira em uma romântica muito suave. Ali, as cheganças amorosas acontecem sem rispidez, ou rapacidade (v. pág. 372). Analogamente a quase tudo naquele século XVIII, havia uma “zona grigia” protegendo namoros, abraços, carícias furtadas aqui e ali, embora, no fim, tudo se fizesse assemelhadamente ao princípio, sem muitas modificações até quando Deus quiser. A autora transita por tais atalhos elegantemente, sem forçar endurecimentos mas convocando o leitor a imaginar as cantoneiras do texto. Nunca se tem, nas biografias e respectivos romances, histórias absolutamente verídicas. Aliás, a vida é conjunto enorme de fabulações. Então, dê-se o desconto – ou não se tire coisa alguma da descrição feita por Sifuentes. Trata-se de um belo romance, quiçá comportado, mas é obra de uma desembargadora em plena atividade jurisdicional. A toga limita, amarra, constrange, escraviza, incomoda, aperta, embaraça, acanha, impedindo volteios maiores. Isso é ruim, mas também é bom, porque o leitor, principalmente quem já andou por São João Del-Rei e Barbacena, tem mais chegança nos recantos da região.

Vai-se lendo o todo devagar, malemolentemente, revivendo as ruas pedregosas daquelas cidades históricas de São João Del-rei, Tiradentes (antes Arraial Velho de Santo Antônio e Vila de São José do Rio das Mortes), Barbacena e quejandos. Naquelas bandas, viveu um Cônego que era meu tio, o Macário de Almeida. Passou nas Minas Gerais minha avó Hermínia, casada com o primo João (naquele tempo não era incomum. É lembrar de José Bonifácio: deu a filha em casamento ao irmão). Mônica Sifuentes é mineira de Belo Horizonte. Também em Brasília se encontra Sebastião Reis, belorizontino, Ministro do STJ e neto de Hermínia.

Outro dia, num fim de semana, encontrei minha filha Paula Bajer, Procuradora da República em São Paulo e antiga na arte. Paula vestia calça jeans desbotada, um par de tênis bem gasto e um pullover jogado sobre os ombros, cabelos despenteados e pronta a uma  caminhada. Paula também é escritora. Pôs na rua seu terceiro romance: Nove Tiros em Chef Lidu. É, igualmente, autora prometendo muito, principalmente quando deixa em casa o pano preto que, certamente, há de ser o sudário de todo jurista. Aquilo é uma desgraça, mas faz parte do jogo. Encerre-se. Colha-se, nas orelhas do livro, a apresentação do Ministro Ayres Brito, também escritor, poeta de recheio e hoje mais liberto. Ayres Brito esteve aqui em São Paulo, enquanto moço e apenas um aspirante. A gente se olhou de soslaio. Ele não lembra, mas eu não esqueci. No fim das contas, os antigos têm mais tristezas e muitas alegrias. Veem os moços chegando e se livrando de amarras mediocrizadoras. Eis aí!

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