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A MULHER CIUMENTA E A SOLIDARIEDADE HUMANA

 

Roberto Delmanto

 

A advocacia criminal é uma mulher muito exigente e ciumenta, que cobra dos que a abraçam dedicação plena e exclusiva, não deixando espaço para outros interesses que não os das causas que lhes são confiadas.

Vez por outra, entretanto, além de defenderem a liberdade individual, os criminalistas passam também a defender as liberdades públicas, ingressando, por ideal, na política partidária.

No primeiro terço do século passado pontificaram na advocacia criminal de São Paulo Carlos Cyrillo Júnior, Antonio Augusto Covelo e José Adriano Marrey Júnior. No segundo terço, meu pai Dante Delmanto, Oscar Pedroso Horta, Américo Marco Antonio, J. B. Viana de Moraes e Esther de Figueiredo Ferraz.

Embora de gerações diferentes, as vidas de Cyrillo Júnior e de Dante se cruzaram.

Após a Revolução de 32, na eleição para a Assembleia Constituinte Paulista de 35, enquanto uma parte do PRP, partido que apoiava o Governo Federal, abriu uma dissidência que se uniu ao Partido Democrático, fundando o Partido Constitucionalista, outra parcela permaneceu na antiga sigla.

Apuradas as urnas, o PC fez a maioria, que apoiava o governador Armando de Sales Oliveira, enquanto o PRP, minoritário, ficou na oposição ao governo estadual.

Foi nessa eleição que os destinos de Dante e de Cyrillo Júnior se encontraram. Enquanto o primeiro, jovem criminalista, então com apenas 28 anos, era eleito, com a maior votação, deputado estadual pelo PC, Cyrillo Júnior, tribuno já consagrado, se elegia pelo PRP, tornando-se líder da minoria no parlamento paulista.

Com o Golpe do Estado Novo de 37, dado por Getúlio Vargas sob o pretexto de combater o comunismo e que durou até 45, não só o Senado e a Câmara dos Deputados Federais, como também as Assembleias Legislativas de todos os Estados foram fechados e seus integrantes cassados. No lugar dos governadores eleitos foram nomeados interventores.

Nessa ocasião, vários antigos líderes da Revolução de 32 foram presos e depois exilados. Circulou o boato que Dante provavelmente também poderia ser detido. Ao saber disso, Cyrillo Júnior ofereceu-lhe abrigo em sua própria residência, dizendo que lá ninguém ousaria prendê-lo.

O boato não se confirmou e meu pai não precisou ir para a residência de Cyrillo Júnior. Depois de 37, enquanto Dante abandonava a política, retornando à advocacia criminal da qual se afastara por dois anos, Mestre Cyrillo Júnior continuou na vida pública, vindo a dignificar o cargo de Ministro da Justiça no Governo democrático de Juscelino Kubitschek.

Seu nobre gesto passou a integrar o patrimônio afetivo da minha família e, há algum tempo, tive a oportunidade de narrá-lo a seu neto, o ilustre advogado Carlos Cyrillo Netto, que foi colega de turma de meu saudoso irmão Celso. Achei, agora, que seria oportuno registrá-lo nesta crônica, como exemplo de solidariedade humana de um notável criminalista que também foi um grande homem público…

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