O FORNECEDOR
Roberto Delmanto
À época, cerca de vinte anos atrás, o uísque escocês era bastante caro, daí porque havia muito contrabando do produto.
O Juiz Criminal paulistano manifestara o desejo de comprar, a bom preço, uma caixa para as festas de fim de ano.
O escrivão da Vara, desejoso de agradá-lo, indicou-lhe um fornecedor de sua confiança. Só trabalhava com produtos de origem garantida e entregava a domicílio, com a maior discrição; o pagamento era feito em dinheiro e não deixava qualquer vestígio comprometedor.
O Magistrado aceitou a indicação e, dias depois, o fornecedor entregou-lhe pessoalmente, em sua casa, a caixa de uísque.
Após as férias de janeiro, o Juiz agradeceu ao escrivão por lhe haver dado tão boa “dica”, acrescentando que o uísque era, realmente, de primeira linha e que seus amigos “experts” haviam adorado.
Meses depois, a polícia “estourou”, no bairro de Santo Amaro, uma fábrica clandestina de uísque falsificado.Tudo ali era perfeito: as garrafas e as caixas vazias eram compradas em bares e boates; os rótulos do fabricante e os selos da Receita Federal eram confeccionados em uma moderna gráfica; e o uísque propriamente dito não fazia mal à saúde, não passando do “Old Eight”, então o mais conhecido dos uísques nacionais.
Tendo assumido a defesa do dono da fábrica, consegui relaxar-lhe o flagrante.
O inquérito foi distribuído a uma das trinta Varas Criminais existentes no Fórum Central, pois naquela época não havia Foros Regionais.
Recebida a denúncia, na data marcada para o seu interrogatório judicial, naquele tempo realizado em primeiro lugar, o fornecedor, após entrar na sala de audiências e olhar bem para o Magistrado, confidenciou-me: “Doutor, eu conheço o Juiz. Já lhe vendi uísque e entreguei na sua casa”.
Incrédulo com tanta coincidência, notei que o Juiz também olhava fixamente para o cliente.
Resolvi dirigir-me reservadamente ao Magistrado, revelando-lhe o que o fornecedor me dissera.
Ele confirmou-me ter realmente comprado uísque do cliente.